Ainda falta uma biografia de fôlego, mas Mario, o livro de ensaios e depoimentos sobre o economista Mario Henrique Simonsen, morto em 1997, cumpre a tarefa de apresentar o homem a quem só conhecia a lenda e a obra. Estão lá, nos 35 relatos de amigos e desafetos, tanto o matemático de inteligência prodigiosa quanto o ministro avoado, fadado a perder embates por falta de estômago para as miudezas da política. O livro editado pelos jornalistas Luiz Cesar Faro e Coriolano Gatto consegue a proeza de reunir, nas mesmas páginas e na mesma admiração, gente que não freqüenta sequer o mesmo elevador. Que o investidor Daniel Dantas e a petista Maria da Conceição Tavares reivindiquem Simonsen como amigo é prova da unanimidade que cercava o professor da Fundação Getúlio Vargas. De qualquer forma, essa diversidade quase perversa faz com que o livro seja percorrido por um delicioso fio de intriga subterrânea, em que uns soltam farpas sobre os outros. ?Todo mundo gostava dele?, diz o deputado Antônio Delfim Netto em seu depoimento ? dedicado, em grande medida, a contestar que ele e o colega de academia e governo fossem adversários, como insinuam outros depoentes.

Como não se tem falado ou escrito muito sobre Simonsen desde a sua morte, este livro cumpre a utilíssima função de apresentar aos mais jovens a personalidade pública que dominou a discussão econômica nos anos 70 e 80, e avançou pelos 90 como mito, aconselhando presidentes, escrevendo crítica de ópera e encantando os amigos com seu refinamento de gourmet. Com
forte sotaque carioca e o eterno cigarro pendurado no canto da boca (três maços por dia e no final um câncer de pulmão), o sócio do Banco Bozano e conselheiro do Citibank foi uma influência marcante na academia carioca ? embora ele mesmo, engenheiro de formação, nunca tivesse feito mestrado ou doutorado. É considerado, não obstante, como o mais bem aparelhado economista brasileiro, aquele com melhor capacidade analítica. A geração
que fez os planos Cruzado e Real recebeu dele enorme influência. Como ministro da Fazenda de Ernesto Geisel e do Planejamento de João Batista Figueiredo sua ascendência foi menor. Quem ditou o rumo da economia na primeira gestão foi o próprio Geisel, que admirava Simonsen mas só tinha ouvidos para a necessidade de fazer a economia crescer. O keynesianismo cauteloso do seu
ministro não prevaleceu. Com Figueiredo, ao sentir que a mesma direção seria tomada em meio à segunda crise mundial do
petróleo, Simonsen foi embora, deixando o poder com Delfim.
Nunca mais voltaria ao governo.

A discussão propriamente econômica não é o forte deste Mario. Dionísio Dias Carneiro, aluno e assessor, discorre sobre opções teóricas e o trabalho do professor, como o fazem Delfim, Roberto Campos e Rud Dornbush, entre outros. Mas estas são pinceladas
que não formam um retrato coerente da contribuição de Simonsen. No que talvez seja o melhor texto do livro ? pelo menos o mais franco e o que fica mais longe do panegírico ? Maria da Conceição debruça-se sobre as contradições do amigo. Sustenta que era um homem refinado e crítico, um intelectual honesto que em mais de uma ocasião foi instrumentalizado e moralmente violado pelos trogloditas da direita brasileira. Ao final da leitura, fica a impressão de que o homem Simonsen era muito maior que a sua obra. E que seu impacto humano sobre os contemporâneos terá sido muito mais importante que a sua assistemática produção livresca. Talvez
pareça pouco, mas não é.