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Um por cento ao mês foi o número mágico que durante muito tempo definiu a qualidade de um investimento em renda fixa no Brasil. Bastava estar acima dessa linha imaginária que o retorno era considerado satisfatório – quando não excelente. Obter esse nível de rentabilidade não exigia o menor esforço.

Os títulos do governo federal, que recheavam os fundos e balizavam os juros dos papéis privados, como os CDBs, pagavam prêmios de dois dígitos. Mas os tempos mudaram. A inflação caiu, a taxa básica de juros (a Selic) está em 9,25% ao ano e em tendência de queda. A “síndrome do 1%” – que acomete investidores inconformados com rendimentos mensais abaixo desse nível – coloca os gestores de investimentos e seus clientes diante de um dilema: como sobreviver a ela?

Muitos investidores só perceberam ser vítimas dessa nova enfermidade financeira há duas semanas, quando o come-cotas, Imposto de Renda cobrado a cada seis meses nos fundos, abocanhou mais de um mês de rentabilidade. “Muitos clientes reclamam que não temos bons fundos porque eles não rendem mais 1% ao mês”, diz Eduardo Jurcevic, superintendente de investimento do Grupo Santander. “O problema é que a realidade agora é outra.” Se você apresenta um dos sintomas da síndrome, como uma tremedeira diante do extrato de seu fundo, prepare-se para combatê-la ou conformar-se com ela. Assim como não se obtém mais 1% ao mês com o aluguel de imóveis e há muito tempo telefones e carros deixaram de ser opções de investimento, a mamata dos juros fáceis vai acabar.

 

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O Bradesco já notou uma venda maior de fundos de renda fixa com papéis privados, diz Soares

 

Investir em ações, comprar ativos de menor liquidez e aplicar em produtos de renda fixa menos populares, como as debêntures, são algumas das alternativas para voltar a receber mais. Mas isso exige reflexão e autoconhecimento. Até que ponto você está preparado para sair do comodismo estático e da segurança dos investimentos conservadores de renda fixa e partir para a selva da renda variável?

“A remuneração dos fundos vai cair, mas eles continuam sendo um porto seguro e proporcionando uma boa rentabilidade. Quem quiser mais ganhos, terá que correr atrás de mais risco”, diz William Eid Junior, professor de finanças da FGV. André Oda, professor de finanças da USP, concorda: “O investidor terá que se acostumar. Não é razoável ganhar 1% ao mês sem correr risco”, diz.

Quem quiser ganhar mais terá de correr riscos e aplicar em ativos de renda variável e por prazos mais longos

Para o investidor obter seu número mágico, os juros líquidos de sua carteira têm de alcançar pelo menos 12,7% ao ano. No caso dos fundos, é o retorno mínimo após o desconto da taxa de administração. Isso não significa que será preciso partir para o tudo ou nada e colocar toda a carteira na bolsa de valores ou comprar títulos de alto risco de dívidas de empresas. Primeiro, é importante conhecer a tolerância individual ao risco e entender seu perfil de investimentos, geralmente dividido em conservador, moderado e agressivo. Com a ajuda de um profissional, você pode diversificar e dividir o dinheiro entre fundos conservadores, como o DI e a renda fixa; fundos moderados, como os multimercados; e ativos de maior risco, como as ações. Outra opção é investir em fundos de renda fixa com uma carência maior na hora dos resgates, que compram títulos mais longos e mais lucrativos. “É algo que deverá pegar no Brasil. Títulos de prazo maior, menor liquidez e mais rentabilidade”, afirma Eid Junior.

Não é fácil dizer a um pequeno investidor brasileiro que ele precisará respeitar um prazo muitas vezes superior a 60 dias para fazer o resgate de um fundo de renda fixa. Esse processo cultural não ocorrerá no curto prazo, avalia José Roberto Zaratin Soares, superintendente de renda fixa do Bradesco Asset Management. Segundo o executivo, o Bradesco já começou a sentir a mudança e notou uma venda maior de fundos de crédito privado nos últimos meses. “Há uma tendência de venda desse tipo de fundo, assim como a de multimercados sem renda variável. O investidor precisa perceber que não há mágica e que alto rendimento e liquidez diária não serão alternativas viáveis”, explica Soares. O Bradesco recentemente executou uma medida de incentivo à diversificação e reduziu o valor da aplicação mínima em 30 de seus fundos, incluindo os de renda fixa. Com R$ 5 mil investe-se hoje num fundo que exigia R$ 10 mil. Com R$ 500, num de R$ 5 mil – e por aí vai. O objetivo é permitir que pequenos e médios investidores tenham acesso a taxas de rentabilidade um pouco mais altas. Quem sabe, até o famigerado 1%.

 

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A fixação por essa cifra é explicada pelos estudiosos das finanças comportamentais. O primeiro e principal conceito é o da “ancoragem”. “O investidor pode tomar por base o valor de rentabilidade mensal de 1% e passar a comparar com outros fundos, ou seja, ancorar-se nesse valor. Mas ele desconsidera que o ganho não é o único fator relevante neste processo”, explica José Antonio da Silva Pereira, analista da Advisor Asset Management. Outros fatores importantes são a volatilidade dos fundos escolhidos, a credibilidade do gestor e a qualidade dos ativos. “Ele cria bases de comparação, algumas vezes sem fundamento, para decidir. E, ao se restringir a essas bases, sua tomada de decisão torna-se incompleta”, afirma Pereira. A “facilidade da lembrança” e a “armadilha da confirmação” são os dois outros conceitos que podem explicar o comportamento do investidor. O primeiro enfatiza que há uma recordação muito recente dos altos ganhos dos fundos, e por isso há uma dificuldade em deixar ir embora o paradigma do 1%. “O investidor pode ficar frustrado se continuar com a memória do juro alto”, confirma Jurcevic, do Santander. O segundo conceito se configura quando as pessoas buscam fatos que confirmem sua opinião e negligenciam explicações conflitantes. “Elas encontrarão mais desvantagens nos fundos de renda fixa em relação a outros, como DI e multimercados, para confirmar a tese de que sem o 1%, eles não são mais atrativos”, diz Pereira.

Psicologia à parte, é preciso ter cuidado com as fórmulas mirabolantes que garantem altos retornos. O ex-presidente da Nasdaq, Bernard Madoff, conquistou os investidores garantindo 1% de retorno ao mês. Foi dessa maneira que nasceu a pirâmide financeira que resultou em um dos maiores golpes dos EUA, de cerca de US$ 65 bilhões. Para evitar cair em ciladas, seja cauteloso. “O investidor terá que estudar cada vez mais para entender os riscos dos investimentos”, afirma Robert Dannenberg, presidente da ExpoMoney. A cura da síndrome depende só de você.