24/01/2020 - 12:30
Mais de 2 mil ausências parlamentares em sessões plenárias ocorridas ao longo de 2019 ficaram “escondidas” no site da Câmara dos Deputados. Admitida pela Casa, que alegou “problemas técnicos”, a falha fez com que o total de faltas publicadas no perfil de cada deputado fosse 21% menor que o número real. De acordo com o regimento do Legislativo, ausências não justificadas podem levar a punições que vão de descontos no salário à perda do mandato.
O jornal O Estado de S. Paulo chegou a esse porcentual comparando as informações publicadas pela Câmara em áreas distintas de seu site. Uma das possibilidades é pesquisar a assiduidade no perfil do deputado, em que aparece o número de presenças, de ausências e de ausências justificadas. O outro caminho é no link que direciona para um relatório mais detalhado. Nele, consta se o deputado esteve presente ou ausente em cada sessão. A lista também informa, se for o caso, a justificativa da ausência, como motivo de saúde.
A reportagem levantou o número total de ausências em 2019 por meio dessas duas opções de pesquisa. Na primeira, pela página de todos os deputados em exercício, chegou-se a um total de 8.244 faltas em plenário. Na segunda, pelo relatório mais detalhado, o total aumentou para 10.453.
Questionada sobre a diferença, a assessoria da Câmara informou que o quadro publicado no perfil de cada parlamentar apresentava “informações inconsistentes”, mas que os dados sobre frequência disponíveis no relatório mais detalhado “são confiáveis”. Os dados sobre frequência apresentam falhas pelo menos desde o dia 15 de janeiro, quando a reportagem passou a questionar a divergência. Nesta quinta-feira, 23, após a publicação da reportagem no portal estadao.com.br, a Câmara consertou o erro.
Segundo o advogado e diretor do Movimento Transparência Partidária, Marcelo Issa, pela Lei de Acesso à Informação, todos os órgãos públicos, incluindo as Casas do Congresso, têm de publicar suas bases de dados atualizadas, completas e em formato de dados abertos.
Legislação
Issa aponta também o que considera uma “possível falha na legislação”. “O procedimento nesse tipo de situação não está bem regulamentado. Quando se identifica que os dados são inconsistentes ou incompletos, não existe prazo para correção, para pronunciamento do órgão público sobre a situação, para que ele disponibilize os dados da maneira como a própria lei determina: completos, primários e verídicos.”
Os deputados têm 30 dias para justificar suas ausências, à exceção de casos de licença médica. Para o cálculo dos descontos na remuneração, é atribuído um valor a cada sessão. O cálculo é feito com base em uma porcentagem da remuneração dos congressistas e varia conforme o número de sessões.
Em um mês “médio”, normalmente com 15 sessões deliberativas, por exemplo, cada falta sem justificativa levaria à perda de R$ 1.406,79. A renda mensal bruta de um deputado é de R$ 33.763.
‘Bom aluno não vai à aula sempre’
Nas duas formas de levantar as faltas em sessões da Câmara, o deputado José Priante (MDB-PA) foi o campeão de ausências em plenário sem justificativa em 2019. O perfil do parlamentar no portal da Casa mostrava que ele faltou a 58 sessões plenárias. Já no relatório de frequência descrito pela assessoria da Casa como “confiável”, aparecem 63 faltas – sendo 44 delas não justificadas.
Questionado, o deputado não explicou o motivo das faltas. “Não gosto de dar justificativas vazias, apenas para não ter o salário descontado. O mais importante é saber que a população me avalia de outra maneira, com as conquistas que levo para o Pará”, afirmou.
Para o parlamentar, o número de presenças não pode ser considerado “uma métrica de trabalho”. “O bom aluno não é aquele que vai à aula sempre, mas aquele que tira notas boas e é aprovado”, afirmou.
Nos casos em que as ausências não são justificadas, as faltas podem ter efeito prático e acarretar punições para os parlamentares. Uma delas é o desconto na remuneração, uma vez que o valor a ser recebido leva em conta o comparecimento às sessões do plenário.
Além do desconto na remuneração, pela Constituição Federal, perde mandato o parlamentar que faltar, sem determinada justificativa, a um terço das sessões ordinárias de sua Casa. Para o cálculo desta assiduidade mínima, o Ato da Mesa n.º 191, de 2017, estabelece que seja usada a frequência em sessões deliberativas ordinárias e extraordinárias em que tenha sido aberta a Ordem do Dia.
Levantamento feito pelo Estado com base nos dados que a Câmara afirma serem “confiáveis” indica que, em 2019, nenhum parlamentar chegou à marca de ausências que levaria à perda do mandato. O ano passado contou com 168 sessões plenárias com registro de frequência, das quais 139 foram deliberativas e tiveram a Ordem do Dia iniciada, ou seja, efetivamente tiveram votação.
Para perder o mandato, um deputado precisaria faltar, sem justificativa, a mais de 46 sessões com votação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.