26/06/2002 - 7:00
Os americanos o apelidaram de Warren Buffett latino, em virtude de seu faro apurado para detectar oportunidades de investimentos. Os mexicanos costumam chamá-lo de Midas, tamanha sua vocação para transformar empresas deficitárias em máquinas de fazer lucro. Os brasileiros… bem, os brasileiros sabem muito pouco
sobre ele. Até agora. Carlos Slim Helú, o homem mais rico da América Latina,
com um patrimônio pessoal avaliado em
US$ 11 bilhões, abriu seu cofre recheado e separou mais de US$ 1 bilhão para investir no Brasil. Apontou a telefonia móvel como destino prioritário de seus recursos por aqui e saiu às compras. No início deste mês, uma das empresas de seu grupo, a América Móvil, adquiriu por US$ 336 milhões os 39% que a sócia Bell Canada detinha na Telecom Américas. A companhia assumiu, assim, 93% do consórcio que controla as operadoras ATL (RJ e ES), Telet (RS), Americel (Centro-Oeste) e Tess (interior de SP). ?O Brasil representa cerca de um terço do total de usuários de telefones celulares da América Latina e por isso é um mercado-chave para nós?, informou Carlos Garcia, diretor-financeiro da América Móvil e braço direito de Helú. O próximo passo é exercer o direito de compra das ações de outra sócia na Telecom Américas, a Southwestern Bell. E preparar o terreno para uma ação ousada: a compra de parte da BCP, operadora da banda B na Grande São Paulo e no Nordeste, com 2,7 milhões de assinantes.
O mexicano Carlos Slim Helú comanda o grupo Carso, holding que fatura US$ 16 bilhões ao ano. É dono de uma construtora, de uma corretora de valores e de hotéis, fabrica cigarros, material elétrico, sucos e alimentos e é proprietário da companhia telefônica do México, a Telmex. Também vende computadores e tem o maior provedor de internet de seu país. Com tamanhas credenciais era de causar estranheza a timidez de seus investimentos no Brasil. Na primeira fase das privatizações do sistema Telebrás, analistas surpreenderam-se com a ausência do magnata mexicano na disputa. Afinal, sua Telmex é a maior operadora latino-americana, com 25 milhões de usuários no México, Guatemala, Equador e Colômbia e outros 2 milhões nos EUA. Esperava-se que ele viesse na telefonia fixa, mas o empresário aguardou a euforia inicial para definir suas estratégias brasileiras. Preferiu a telefonia móvel. A América Móvil chegou há dois anos comprando uma parcela de 42% da Telecom Américas. Só agora veio o grande salto.
Pacote completo. Além das operadoras, Slim estuda o desenvolvimento de outro ambicioso projeto: uma empresa de telecomunicações que englobaria telefonia fixa, tevê a cabo e internet de alta velocidade, para atuar no Sudeste brasileiro. A idéia é oferecer, em médio prazo, um pacote completo de serviços no País. A corrida para deixar a casa em ordem não é à toa. Os mexicanos querem preparar o campo para uma nova onda de crescimento e acirrada competição que o setor verá nos próximos anos. Analistas prevêem que a taxa de penetração da telefonia celular no Brasil, de 17 em cada 100 pessoas, dobre nos próximos quatro anos. Hoje, de acordo com a Anatel, há 29,7 milhões de linhas celulares e 48 milhões de fixas. Ao final de 2005, o parque será de 56 milhões para móveis e o mesmo número para fixos. A Telecom Américas irá duelar com gigantes como Telefônica, Telemar e Telecom Itália. E Slim chega disposto a mostrar por que ficou conhecido como o Warren Buffet latino.
Última chance para a BCP | ||
A crise vivida pela BCP, uma das maiores empresas de telefonia celular do País, controlada pelos irmãos Moise e Joseph Safra em conjunto com a americana Bell South, atingiu cores dramáticas. Desde a última semana, a companhia não pode realizar qualquer gasto superior a US$ 500 mil sem a concordância prévia dos credores. Liderados pelo ABN Amro, o consórcio de mais de 40 bancos cobra há dois meses uma dívida de US$ 375 milhões da companhia, que venceu em março. No mercado, muitos apostam que a única chance de sobrevivência da BCP é a transferência de controle. A Telmex, controlada por Slim e pelo filho Carlos, seria o candidato mais forte a uma possível compra, até porque é necessária a injeção de pelo menos US$ 400 milhões a curto prazo para que a empresa não naufrague. Os Safra, que controlam a BCP por meio da empresa Verbier, têm feito de tudo para pagar a dívida, pois não podem, com um calote, arranhar a imagem do banco que dirigem. No entanto, vêm esbarrando na intransigência da Bell South, que possui mais de US$ 60 bilhões em ativos, mas exige dos credores um desconto de US$ 110 milhões para quitar a dívida. O representante de um dos credores, que acompanha de perto as negociações, diz que o drama vivido pelos Safra é delicadíssimo. Algumas instituições financeiras também estariam sabotando um acordo. ?Há bancos que são credores mas também são concorrentes do Safra?, afirma. Na sua avaliação, Slim é o comprador natural da BCP. Ele já é dono da Tess, que atua no interior de São Paulo, e da ATL, que opera no Rio de Janeiro. A BCP, com mais de 2 milhões de clientes na capital paulista, fecharia o pacote. |
Com a compra da maioria das ações do consórcio, os mexicanos passam a comandar de imediato uma base de 4,5 milhões de clientes. Slim já programou investimentos de US$ 880 milhões até 2005 no País e a meta é atingir 5,2 milhões de usuários. A ofensiva verde-amarela não irá se restringir às operadoras que já fazem parte do consórcio ? ATL, Telet, Tess e Americel. Outras aquisições estão sendo avaliadas e a primeira da lista é a BCP. A empresa cairia como uma luva nas pretensões mexicanas. Com Tess e BCP nas mãos, a Telecom Américas teria uma operação completa e já montada no Estado de São Paulo, abrangendo capital e interior e atingindo mais de 2,5 milhões de usuários. As negociações estavam bem encaminhadas, mas a situação financeira da BCP freou um pouco o ímpeto da América Móvil (leia box). Há duas opções para os mexicanos: fazer uma aliança com a Bell South ou comprar a parte pertencente ao Banco Safra. ?Quem quiser entrar e tiver dinheiro fará um grande negócio aqui. Vai encontrar empresas com bases já instaladas mas com ativos depreciados. A hora é essa?, diz o consultor Wagner Roque, sócio da RCW Asset Management.
Ao mesmo tempo em que monta a nova plataforma de investimentos no Brasil, Slim trabalha na recuperação financeira das companhias da Telecom Américas. Carlos Garcia foi o executivo destacado para a primeira missão de resgate: encontrar uma solução para uma dívida de US$ 300 milhões do consórcio, a vencer em curto prazo. O executivo conseguiu junto a bancos internacionais refinanciar a parcela, sob condições que, segundo ele, vão garantir uma fabulosa economia em custos de juros. O nome de Carlos Slim ajuda e muito neste tipo de operação. ?Também vai ajudar na negociação com fornecedores?, garante Carlos Henrique Moreira, presidente da ATL e da Telecom Américas. Segundo ele, está em estudo um processo de centralização de algumas atividades, o que dará agilidade à operação das quatro empresas brasileiras e ajudará a reduzir custos. Um bom exemplo pode ser visto no que Moreira chama de estrutura de engenharia. Nada mais são do que as estações rádio-base para transmissão e recepção dos sinais celulares. Até aqui, cada empresa ? ATL, Tess, Americel e Telet ? tinha sua própria divisão, que negociava separadamente com os fornecedores. A partir da centralização será possível usar a estrutura da América Móvil. Eles negociariam os contratos para montagem das ERBs com a Ericsson, por exemplo. O mesmo vale para os aparelhos celulares num acordo, digamos, com a Nokia. Ao comprar equipamentos para o Brasil e vários países da América Latina, a gigante mexicana conseguiria preços, prazos e volumes superiores. ?É uma questão de escala. A América Móvil é uma empresa de 18 milhões de clientes e isso conta bastante na assinatura de um contrato?, diz Moreira.