20/02/2023 - 5:00
Apesar de movimentar os bastidores do meio jurídico, a disputa pela primeira indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Supremo Tribunal Federal (STF) não deve alterar o perfil de votação da Corte. A ambição do governo e de parlamentares de formar um tribunal menos punitivista em matéria criminal depende da segunda nomeação a que o petista terá direito de fazer neste ano, em outubro.
Primeiro ministro a se aposentar, em maio, Ricardo Lewandowski tem se alinhado com a corrente do chamado “garantismo” penal nos casos de crimes cometidos por políticos e ligados ao colarinho-branco. Já a atual presidente da Corte, ministra Rosa Weber, que deixa o tribunal no segundo semestre, oscila, tendo inclinação à corrente de perfil mais duro nas decisões criminais. Assim, a busca de Lula por um perfil semelhante ao de Lewandowski, se bem-sucedida, não deve ter impacto significativo nos resultados de julgamentos no STF.
Além de um perfil garantista, aliados do presidente afirmam que ele levará em conta o alinhamento do indicado sobre temas econômicos. Para analistas ouvidos pelo Estadão, Lula também deve buscar um nome “progressista” em temas sociais, mas não a ponto de se contrapor a um Senado mais conservador do que o que encontrou em seus mandatos anteriores no Planalto.
“O tema penal e de processo penal é uma ferida aberta no STF há muitos anos”, afirmou o professor do Insper Diego Werneck Arguelhes. Ele alega ser cético sobre as classificações a respeito dos ministros “garantistas” e “não garantistas” dizerem respeito a “visões estáveis dos ministros” e acredita que, na verdade, as posições são “afetadas pela conjuntura”.
“Hoje, a conjuntura é mais favorável para figuras que têm posição mais refratária a que o Judiciário tenha posição muito ativa na responsabilização de atores políticos”, argumentou Arguelhes. “O sucesso do procurador-geral da República, Augusto Aras, em ser reconduzido inclusive com votos importantes na oposição dá esse tom.” Considerado um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Aras foi reconduzido para um segundo mandato na chefia do Ministério Público Federal, em 2021, com 55 votos favoráveis no Senado, dez contrários e uma abstenção.
Lewandowski é situado por analistas no campo do “garantismo” nos últimos anos e Rosa, no grupo que defende o que dizem ser um direito penal efetivo, mais duro com o argumento de combater impunidades. O caso mais emblemático que coloca os dois ministros em lados diferentes é o debate sobre a possibilidade de cumprimento de pena após condenação em segunda instância.
Lewandowski e Rosa foram contra. A ministra, porém, passou a aplicar a jurisprudência da Corte aprovada em 2016 nos casos concretos para possibilitar a execução penal depois de decisão de segundo grau, sem esperar o fim de todos os recursos. Com esse entendimento, Lula foi preso em 2018 na Operação Lava Jato e ficou fora da eleição daquele ano, com Lewandowski e Rosa em lados opostos. Em 2019, o STF mudou de posição.
Lula sustenta que não teve respeitado, na plenitude, seu direito de defesa no curso da Lava Jato, o que abriu caminho para uma “campanha”, dentro e fora do governo, pela indicação de um nome garantista para o STF. Diminuir a politização na Corte também é um desafio.
“Colocar um nome garantista agora (na vaga de Lewandowski) é manter o equilíbrio frágil que hoje a Corte tem pró-garantismo. O grande desafio passa a ser, portanto, a indicação da vaga de Rosa Weber”, afirmou o advogado Marco Aurélio Carvalho, próximo de Lula e coordenador do grupo Prerrogativas, que se notabilizou pelas críticas à Lava Jato.
Muitos integrantes do grupo advogaram para alvos da operação. “Precisa ser garantista, mas que tenha sensibilidade social, visão humanista e progressista, e isso passa pelas questões de natureza econômica”, disse Carvalho.
“É evidente que o Senado e todos os políticos são favoráveis a um perfil garantista. Porque favorece um comportamento menos persecutório”, destacou Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP).
Escolhidos
Nos seus dois mandatos anteriores, Lula indicou oito ministros para o STF. Três permanecem na Corte: Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Neste ano, poderá indicar dois nomes.
Do ponto de vista econômico, Lula também precisará repor, nesta primeira vaga, o voto de Lewandowski. O ministro foi um dos vencidos ao defender, por exemplo, que o Estado não pode vender estatais sem autorização do Congresso. Ele também tem dado votos elogiados pelo PT sobre pautas do direito do trabalho.
“Há o progressismo de viés econômico e o moral. A ministra Rosa é muito progressista, especialmente em um campo que tem muita ligação de identidade com o perfil dos trabalhadores, que é o do direito do trabalho. Lewandowski, em direitos sociais e trabalhistas, se inclina para o campo progressista, mas menos do ponto de vista moral”, declarou Vilhena.
Para o advogado Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo, dificilmente Lula conseguirá tornar a Corte mais progressista. “Todos os que tendem a sair no futuro próximo são bastante comprometidos com essas pautas, questões de gênero, raciais, morais. Haverá um reforço do bloco garantista se Rosa vier a ser substituída por uma ministra com esse perfil.”
O presidente também enfrentaria resistência no Congresso caso, por exemplo, nomeasse alguém com posição pública a favor da legalização do aborto. “Pode não ser prioridade para o governo, mas vai aparecer na pauta do STF”, disse Arguelhes.
Advogados e integrantes do governo apontam para a possibilidade de Lula ter uma terceira indicação, caso Luís Roberto Barroso antecipe sua saída. “Se Barroso se aposentar, haverá, sim, uma mudança maior, porque, além da questão penal, tem a questão econômica, na qual ele talvez esteja liderando posição mais alinhada com o mercado”, afirmou Vilhena.
Politização
Na avaliação de analistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve levar em consideração, na escolha dos futuros ministros do Supremo Tribunal Federal, um perfil que reduza tensões e a politização da Corte.
“A judicialização da política não começa quando um partido propõe uma ação. Começa antes, com a indicação dos ministros. A preocupação é a de evitar o agravamento da judicialização da política ou da politização do STF”, disse Joaquim Falcão, jurista e membro da Academia Brasileira de Letras. “O risco é de a indicação aumentar um conflito que é sempre latente entre os ministros.”
A percepção de parte da sociedade, estimulada por Jair Bolsonaro, de que o STF age em desacordo com suas funções levou uma turba a invadir o tribunal em 8 de janeiro deste ano.
“Gostaria de indicações que ajudem a reconstruir a legitimidade do tribunal, que usem com moderação os poderes individuais que o STF dispõe para seus ministros”, afirmou Diego Werneck Arguelhes, do Insper. “Sempre vão fazer críticas a um tribunal poderoso. A questão é não dar razão para que a crítica seja feita além do quanto já é inevitável”, disse Arguelhes.
Entenda as nomeações
Indicações
Este ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá fazer duas indicações para o Supremo Tribunal Federal (STF), com a saída dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber
Aposentadoria
Atualmente, os ministros do STF são obrigados a deixar o cargo quando completam 75 anos e atingem a idade da aposentadoria compulsória
Nomeados
Nos seus dois mandatos anteriores, Lula indicou oito ministros para o Supremo. Três deles permanecem na Corte: Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli
Garantista
Lewandowski deixará o tribunal em maio. O ministro tem seguido a corrente do chamado “garantismo” penal nos casos de crimes cometidos por políticos e ligados ao colarinho-branco
Punitivista
Atual presidente do Supremo, a ministra Rosa Weber ficará no tribunal até outubro. Ela tem se alinhado à corrente de perfil mais duro nas decisões criminais. Foi indicada por Dilma Rousseff em 2011
Barroso
Advogados e integrantes do governo apontam ainda a possibilidade de Lula ter uma terceira indicação para a Corte, caso Luís Roberto Barroso antecipe sua saída. Ele pode ficar no cargo até 2033
Rito
Os ministros do STF são nomeados pelo presidente da República após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado