08/12/2004 - 8:00
DINHEIRO ? ?Exportar ou morrer? é uma frase que o sr. cunhou no Ministério do Desenvolvimento. Agora que estamos batendo recordes na balança comercial, o que fazer?
SÉRGIO AMARAL ? A frase refletiu uma mudança de atitude entre empresários e também no governo. A partir dali, a exportação passou a ser vista como um pilar de sustentação do modelo econômico e não apenas como uma atitude residual. Com isso, o sinal negativo na balança comercial foi invertido entre 2001 e 2002, quando saímos de uma posição de déficit para um saldo de US$ 13 bilhões. Havia uma tradição, no Brasil, de que a exportação é feita com o produto que não foi absorvido pelo mercado interno. Isso já era. E só não morremos porque exportamos.
DINHEIRO ? O que há para ser feito agora?
AMARAL ? Penso que o interesse do Brasil neste momento é, em lugar de apenas vender café, por exemplo, vender café solúvel. Em lugar de apenas vender soja, vender também óleo de soja. Vender um sapato melhor, uma melhor confecção. Para isso, não basta ficar no Brasil esperando comprador. É necessário criar marca, fazer promoção e fazer a empresa brasileira sair do Brasil. Esse processo se aprofunda com o trabalho do ministro Luiz Furlan, do Desenvolvimento, um incansável vendedor dos produtos brasileiros no exterior, mas precisa ser completado pelos empresários. Muitas vezes, nas feiras comerciais, os contatos são feitos mas depois morrem pela falta de um representante daquela empresa aqui no exterior.
DINHEIRO ? 2005 será o ano do Brasil na França. Teremos grandes negócios?
AMARAL ? Estamos finalizando uma negociação com as Galerias Lafayette e as duas maiores redes de supermercado da França, a Casino e o Carrefour, para colocarmos produtos brasileiros nesses pontos de venda. Isso traz um novo desafio para os nossos empresários, que é o de agregar valor às exportações. Já somos bons em commodities e manufaturados, agora temos de partir para melhorar a qualidade dos produtos com maior valor agregado. A importância de estarmos na Lafayette é que isso ajuda a valorizar a marca. Lá, vamos vender produtos finais. Quando estivermos nos supermercados, por exemplo, venderemos café especial brasileiro com marca. Quem exporta apenas o grão de café, fica com 8% de lucro sobre as vendas, mas quem exporta café solúvel pode alcançar lucros de até 70%.
DINHEIRO ? A disputa entre Brasil e França em torno dos subsídios para a agricultura não pode atrapalhar tudo?
AMARAL ? O que é percebido como um grande problema pode ser transformar
numa grande oportunidade. O Brasil tem com a França muitas afinidades e convergências, e apenas um problema, que é essa dificuldade na negociação agrícola. É um problema real, mas até os franceses já sabem que não conseguirão manter esse estado de coisas por muito tempo. O preço da terra brasileira é mais barato, o custo da mão-de-obra é menor e nós fizemos uma revolução tecnológica no campo que poucos países fizeram. A França, em compensação, tem mais valor agregado no campo, basta lembrar dos vinhos, dos queijos e de toda a indústria deles de processamento agrícola.
DINHEIRO ? Os franceses já sabem que podemos ser bons parceiros?
AMARAL ? Sim. O grupo Doux, por exemplo, comprou a Frangosul e, hoje, só tem capacidade de exportar porque está produzindo no Brasil. O grupo Begin Say passou a produzir açúcar no nosso país, o que também melhora a presença dele na França. Eu estive com líderes de entidades empresariais aqui e ouvi do pessoal do setor de calçados que essa indústria só tem condições de sobreviver se fizer parcerias com produtores de outras partes do mundo. Neste momento, estamos aqui na embaixada organizando uma missão para ir ao Brasil discutir as parcerias. Isso pode significar investimento e modernização do setor no Brasil. Eles ganham ao terem couro mais barato e nós podemos conquistar mercado aqui na Europa.
DINHEIRO ? Pode haver mais parcerias?
AMARAL ? Na indústria do vinho, por exemplo. Esse setor está passando por uma grande transformação aqui. A indústria do luxo está comprando a indústria do vinho. A Louis Vuitton já comprou umas três vinícolas na região de Bordeaux. Ali, um hectare de terra custa 3 milhões de euros, ou quase R$ 12 milhões. Isso significa que tem uma indústria do vinho, que faz isso há três séculos, tem tecnologia e está capitalizado. Por outro lado, no Brasil, há um mercado consumidor em franca expansão. A indústria vinícola francesa está por trás de 30% a 40% do vinho produzido nos Estados Unidos e tem altas participações nas vinícolas da Argentina e do Chile. Ora, é uma indústria que tem todas as condições para investir no Brasil, melhorando a qualidade do nosso vinho e abrindo canais de exportações.
DINHEIRO ? Tem mais?
AMARAL ? O álcool. A União Européia passou a mistura do álcool na gasolina de 2% para 20% até 2020. Há uma grande preocupação na França com a questão ambiental, e essa mistura é muito bem-vista. Ora, as condições para a abertura do mercado brasileiro de álcool estão dadas. Quando cheguei a este posto, estive com o presidente Jacques Chirac e disse a ele que por trás das dificuldades existem muitas oportunidades para os nossos dois países. Ele me disse estar de pleno acordo e me deu uma relação de pessoas para procurar. Em breve, vamos fazer um seminário com produtores sobre álcool e vinho.
DINHEIRO ? Com mais capital, os franceses não poderiam desnacionalizar a indústria brasileira?
AMARAL ? Para o Brasil, isso vai significar investimento.
DINHEIRO ? Mudando de continente, o sr. faz parte do grupo que vê a China como adversária ou como parceira?
AMARAL ? Eu comandei a primeira missão de grande dimensão comercial à China, em 2002, com mais de 120 empresários. Eles são um enorme mercado para os nos-
sos produtos, mas também ficou claro que a China um competidor estratégico. Não podemos nos iludir. A China está agregando valor a seus produtos. Na área eletrônica eles já são um grande player mundial. Precisamos ter muita atenção e descobrir em quais nichos de mercado nós, brasileiros, podemos continuar competitivos. Em todos os setores, vai ser muito difícil competir com a China. Eles não têm a carga tributária que nós temos, têm um câmbio que é reconhecidamente desvalorizado e acesso a financiamento. E ainda fazem vários movimentos estratégicos.
DINHEIRO ? Que movimentos são esses?
AMARAL ? No ano retrasado, os chineses gastaram cerca de US$ 3 bilhões na compra de empresas aqui na Europa. E para quê? Eles mantiveram a marca das empresas compradas, o marketing e até a pesquisa, mas transferiram a produção para a China, criando empregos lá. Nós temos a tendência de ver na China apenas um competidor nos produtos que envolvem mão-de-obra barata. Isso eles fazem na área de calçados. Mas, ao mesmo tempo, eles estão agregando valor aos seus produtos. No ano passado, os chineses compraram 80% da produção de máquinas têxteis da França. Eles sabem que em janeiro acaba o acordo multifibras, que estabelece cotas para os mercados principais, como EUA e Europa. Com essas compras, eles estão preparados para serem, ainda maiores.
DINHEIRO ? A maioria das empresas brasileiras não está capitalizada a ponto de poder montar estruturas próprias no exterior. Como fazer?
AMARAL ? As parcerias são um caminho. Por que teremos de vender sapatos para as grandes traders se tivermos uma linha direta com a Galeria Lafayette? Por que não consideramos um pouco mais a nossa capacitação na área de serviços? Podemos ser bons exportadores neste setor, mas não dá para vender softwares sem ter uma representação fora. Cada caso é diferente e vai demandar uma solução diferente. Essa é a nova fase do nosso esforço exportador. Nesse movimento, o BNDES pode cumprir um papel importante. Deveríamos ter sido capazes de criar uma Starbuck? s brasileira para vender o nosso café.
DINHEIRO ? Até chegar a este ponto, como o sr. acha que o exportador brasileiro médio deve agir para defender suas conquistas?
AMARAL ?- Ele precisa buscar financiamento para investir em tecnologia e diminuir seus custos. Assim, vai se manter na disputa em melhores condições. Acho que o governo vai promover esse tipo de incentivo. Lembro que o economista Antonio Barros de Castro, que entendo será o vice-presidente do BNDES, disse uma vez que a política industrial é, na verdade, uma política de exportações. Neste momento, alguns setores exportadores têm de redefinir um pouco os seus objetivos de vendas para identificar os seus nichos.
DINHEIRO ? Quais são esses nichos?
AMARAL ? Nas indústrias têxtil e calçadista, por exemplo, em breve Brasil e China estarão competindo em vários mercados. Não sei se o Brasil vai perder mercado, mas talvez a gente não aproveite da melhor maneira as oportunidades que vão ocorrer em função do acordo multifibras. Com as aquisições feitas aqui na Europa, o que agregou valor à sua indústria, os chineses vão entrar com tudo neste setor. E com competitividade.
DINHEIRO ? A previsão é de um superávit comercial menor para o Brasil em relação a este ano. Isso não pode desanimar os exportadores.
AMARAL ? Acho que não, essa oscilação é um fato normal do comércio exterior. De um lado, o País está crescendo mais, o que aumenta as importações. De outro, pode haver retração de demanda em alguns países. Mas, ainda assim, a previsão é de um saldo de US$ 25 bilhões. Esse número vai continuar acenando ao mercado que estamos menos vulneráveis a flutuações internas da economia e, ainda, mostra que vamos ter de captar menos dinheiro para fechar as contas. O mais importante para o mundo, porém, é o terceiro sinal que a economia brasileira está dando, o da abertura da economia. O nosso comércio exterior é hoje de cerca de US$ 150 bilhões, entre exportações e importações. Isso faz com que a parcela dele no PIB seja de quase 25%. Nossa exposição externa antes era de no máximo 15%. Os países que tiveram grande crescimento nos últimos anos, como China, Coréia e México, apresentam índices que começam em 30% e chegam a 50%. Isso significa que estamos usando um modelo que já se mostrou correto, aproveitando oportunidades de vendas pela abertura de mercados e, também, adquirindo bens, insumos e equipamentos que modernizam a nossa economia.