07/06/2000 - 7:00
O cerco à indústria tabagista está se fechando no Brasil, a exemplo do que acontece em todo o mundo. Aqui, porém, a ofensiva tem um ingrediente apimentado. Enquanto o governo decreta uma guerra contra o fumo, as maiores fabricantes em operação no País ? Souza Cruz e Philip Morris ? não conseguem se entender. Quase ao mesmo tempo em que o Ministério da Saúde concluía, na semana passada, projeto de lei propondo um novo imposto para o setor e proibindo propagandas na mídia, o conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Mércio Felsky, se debruçava sobre processo movido pela dona da marca Marlboro contra a titular do Free e do Hollywood. A Philip Morris acusa a Souza Cruz de dominar os principais pontos de venda do País por meio de prática condenada pelas leis de defesa da concorrência. Resumidamente, seria o seguinte: estabelecimentos comerciais espalhados pelo território brasileiro formalizam contratos de exclusividade em troca do pagamento de luvas (que chegam, em alguns casos, a R$ 300 mil) e de outros recursos, como reforma de imóvel, ampliação do prazo de pagamento dos produtos, apoio de merchandising etc.
No mapa da distribuição, mais de 220 mil pontos de venda estão articulados com a Souza Cruz, presidida por Flávio de Andrade, e somente 90 mil vendem os cigarros da Philip Morris, cuja área jurídica e de assuntos corporativos é dirigida por Clodoaldo Celentano. ?O varejista que tem esse contrato fica impedido de comercializar os produtos da concorrência?, dispara José Del Chiaro, advogado da Philip Morris. O advogado da Souza Cruz, Tulio do Egito Coelho, retruca: ?Não existe relação de causa e efeito entre os contratos e a queda nas vendas da Philip Morris?. Na briga entre as duas gigantes, estão em jogo mais de US$ 6,5 bilhões por ano no Brasil, repartidos assim: a Souza Cruz detém mais de 80% (contra 70% de quatro anos atrás) e a Philip Morris, perto de 15% (menos do que os 25% de participação de 1996). O restante está nas mãos de pequenos fabricantes.
Ofensiva. ?A exclusividade adotada pela Souza Cruz constitui uma prática anticoncorrencial, que resulta em efeitos perversos?, diz o processo movido pela Philip Morris, a que a DINHEIRO teve acesso. O documento, baseado na lei 8.884/94, de defesa da concorrência, sustenta que a prática, se mantida, dará à Souza Cruz poder de monopólio. O Cade recusou-se a falar sobre o processo, mas os órgãos antitruste federais se mostram conflitantes. A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) condenou os contratos de exclusividade, mas a Secretaria de Direito Econômico coibiu a prática apenas em shopping centers e aeroportos. A Souza Cruz aproveitou a deixa e se comprometeu a restringir a exclusividade a estabelecimentos de venda pulverizada (bares, restaurantes, padarias, supermercados etc.) e a ter um número limitado de contratos nos shopping centers. ?A proposta continua transgredindo as regras da livre concorrência?, frisa Del Chiaro.
Enquanto a contenda continua, o governo se arma para controlar o fumo no Brasil. Além de aumentar a tributação, o Ministério da Saúde quer proibir propaganda de cigarros na mídia e o patrocínio a eventos culturais e esportivos. A ofensiva cresceu em todo o mundo, desde que documentos confidenciais se tornaram públicos mostrando a extensão do conhecimento da própria indústria sobre os males do fumo. No Brasil, as fabricantes têm se armado para tentar se ajustar ao cerco. Na Philip Morris a estratégia é investir cada vez mais em outras áreas, principalmente de alimentos e bebidas. Já a Souza Cruz prefere comprar a briga com os antitabagistas. Segundo um ex-executivo da companhia, que preferiu não se identificar, a empresa está tentando desenvolver um produto menos prejudicial à saúde. Se depender do advogado Jorge Béja, que defende processo contra a companhia desde 1997, ela em breve sentirá no bolso, no Brasil, que o fumo é nocivo não só à saúde, mas também aos negócios. Sua causa, ganha em primeira instância, seguiu, nesta semana, para o Superior Tribunal de Justiça para a decisão final. Béja defende a família de Nelson Cabral, que morreu aos 42 anos vítima de infarto agudo do miocárdio. Cabral fumava quatro maços por dia. Nos Estados Unidos, uma série de processos semelhantes deu origem a indenizações bilionárias.