Após a suspensão de talk show de Jimmy Kimmel, Casa Branca deve seguir interferindo no panorama midiático dos EUA, que se alinha cada vez mais a ideais conservadores. Hollywood também está na mira.A morte de Robert Redford na terça-feira (16/09) não caracterizou apenas a perda de uma lenda do cinema. Ela encerrou um capítulo de uma Hollywood que antes se considerava a consciência progressista dos Estados Unidos.

Redford, que interpretou, por exemplo, o jornalista Bob Woodward no filme Todos os Homens do Presidente – retrato do escândalo de Watergate nos anos 70 –, e fora das telas era um ativista climático e de direitos indígenas, personificava uma visão liberal da indústria do entretenimento dos EUA, que defendia vozes independentes e narrativas com consciência social.

A semana em que ele morreu, porém, revelou ainda mais sinais de uma guinada à direita no setor de entretenimento dos EUA, com o pêndulo do poder cultural se inclinando para mais longe da Hollywood de Redford e mais próximo dos EUA de Donald Trump.

Isso ficou claro na reação da mídia americana ao assassinato do ativista de ultradireita Charlie Kirk. Na quarta-feira, a rede nacional ABC, controlada pela Disney, anunciou que tiraria do ar “por tempo indeterminado” o popular apresentador de talk show Jimmy Kimmel, após Brendan Carr, chefe da Comissão Federal de Comunicações, o órgão regulador de radiodifusão no país, ameaçar tomar medidas contra a rede.

O pretexto de Carr para ameaçar a ABC foram comentários de Kimmel que foram interpretados como uma sugestão que o assassino de Kirk poderia ter sido um republicano apoiador de Trump.

Essa suspensão ocorre poucas semanas depois que a rede rival, a CBS, anunciou que cancelaria o programa The Late Show With Stephen Colbert no final da temporada, alegando motivos financeiros.

Magnata da Paramount alinha-se a Trump

O cancelamento do programa de Colbert gerou questionamentos e acusações que insinuam que isso teria ocorrido por motivos políticos. Em julho, a CBS, subsidiária da Paramount, discretamente pagou 16 milhões de dólares (cerca de R$ 85 milhões) a Trump para encerrar uma ação judicial relacionada a uma entrevista com Kamala Harris no programa “60 Minutes” em 2024 – Trump alegou, sem muitas evidências, que o programa alterou a entrevista para fazer Harris parecer melhor.

A rede cancelou o programa de Colbert depois que o apresentador criticou o pagamento como um “grande suborno”. Colbert ainda recebeu um Emmy no domingo passado, mas estará fora do ar a partir de maio de 2026.

Nesta semana, também houve mais especulações de que David Ellison – filho do bilionário Larry Ellison, cofundador e presidente da empresa de softwares Oracle, o segundo homem mais rico do mundo e aliado de longa data de Trump – dará continuidade à aquisição da Paramount, no valor de 8 bilhões de dólares, já mirando uma outra joia de Hollywood: a Warner Bros. Discovery.

Esse movimento uniria as participações da Paramount, incluindo a CBS e as franquias “Missão Impossível” e “Star Trek”, com os ativos da Warner: DC Studios (“Superman”, “Batman”), juntamente com a CNN e a HBO.

Em outros tempos, o acordo teria despertado grandes alarmes antitruste – a fim de evitar a formação de monopólios. Mas, sob Trump, os reguladores mudaram o foco. Agora, as autoridades enfatizam a “neutralidade” política em detrimento das preocupações com a concorrência, e a CNN deve enfrentar um escrutínio particular.

Ellison já demonstrou disposição para se alinhar à agenda de Trump. Ele nomeou Kenneth Weinstein, chefe de um think tank conservador e assessor do presidente, como ombudsman da CBS News. Ele tem mantido conversações com Bari Weiss, fundadora da Free Press, uma empresa de mídia contrária à chamada “cultura woke”, sobre uma possível função na CBS.

Série de processos por difamação

A Paramount não é a única, aparentemente, a capitular diante de poderosos atores da direita. A ABC News concordou em pagar 15 milhões de dólares para resolver um processo por difamação envolvendo comentários críticos a Trump feitos pelo apresentador George Stephanopoulos.

O Wall Street Journal e o New York Times ainda enfrentam processos semelhantes de bilhões de dólares movidos por Trump.

Há também uma razão comercial por trás da decisão da ABC de retirar Kimmel do ar. A Nexstar, proprietária de dezenas de afiliadas da ABC, está em busca de uma megafusão que a tornaria a maior proprietária de emissoras dos EUA.

Como a fusão ainda requer aprovação do governo, a Nexstar se antecipou e decidiu encerrar o talk show. Há algumas semanas, o CEO da empresa também elogiou o governo Trump quando anunciou uma fusão com a rival Tegna por 6,2 bilhões de dólares.

Os críticos alertam que o efeito dessas ações tem sido assustador, com redes, estúdios e plataformas de streaming cada vez mais cautelosos com programações que podem despertar a ira presidencial.

Gigantes midiáticos renunciam a valores “woke”

Recentemente, a Disney renunciou aos chamados valores “woke”, com o CEO da empresa, Bob Iger, declarando que sua missão é “entreter” e não promover “qualquer tipo de agenda”.

Nos meses seguintes à eleição de Trump, os maiores estúdios silenciosamente reduziram seus programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI). A Disney reformulou suas iniciativas culturais, enquanto a Amazon e a Paramount eliminaram metas de contratação e treinamento antes vinculadas ao DEI.

As mudanças seguem a ordem executiva de Trump, que desmantelou os programas federais de DEI e sinalizou um escrutínio regulatório para as empresas que os mantiverem.

Produção de conteúdo conservador

A mudança na programação é igualmente perceptível. A Amazon está investindo a espantosa quantia de 40 milhões de dólares em dois documentários sobre Melania Trump, um deles dirigido por Brett Ratner, diretor e produtor cancelado pelo movimento #MeToo. A plataforma de streaming também está reprisando as sete primeiras temporadas de The Apprentice”, reality show estrelado por Trump que o deixou famoso nos EUA.

A guinada conservadora de Hollywood já estava em andamento antes da segunda presidência de Trump. A série Yellowstone, de Taylor Sheridan, e suas derivadas – programas melodramáticos do horário nobre que abraçam uma visão de mundo mais comum do interior dos EUA do que dos centros urbanos das duas costas – tornaram-se franquias bilionárias, apesar de terem sido ignoradas pelo Emmy.

O mais recente trabalho de Sheridan, Landman, exibe trabalhadores do setor petrolífero no centro de sua narrativa, com personagens que se opõem à energia limpa e à burocracia governamental.

Também tem ocorrido um renascimento de filmes e séries de TV com temática cristã. Destaque para a Angel Studios, uma produtora “afeita à fé”, sediada em Utah. O filme O Som da Liberdade, estrelado por Jim Caviezel, ator de “A Paixão de Cristo”, arrecadou 250 milhões de dólares em todo o mundo. O Rei dos Reis, um filme de animação sobre a vida de Jesus, arrecadou outros 77 milhões de dólares.

Na semana passada, a Angel Studios abriu suas ações, avaliadas em 1,3 bilhão de dólares. Seus próximos projetos incluem Zero A. D., um thriller bíblico épico, e Young Washington, um olhar patriótico sobre os anos iniciais de vida do primeiro presidente americano.

Ideologia e economia

Essa reorientação não se resume apenas a questões ideológicas, mas sim econômicas. As bilheterias dos cinemas continuam abaixo do nível pré-pandemia. O streaming acabou com os DVDs, que eram uma grande fonte de renda para os estúdios. Há também a queda nas assinaturas de TV a cabo.

Desesperada por lucros, Hollywood busca apostas seguras e de baixo custo. Filmes e séries com temática religiosa e conservadora, muitas vezes produzidos com baixo orçamento e sem estrelas de primeira linha, podem atrair um público fiel e gerar margens de lucro mais altas. Os anunciantes também preferem conteúdos que evitem temas que levem à polarização.

O risco, no entanto, é de que Hollywood esteja trocando um tipo de conformidade por outro. Esse “grande unwokening”, ou “repúdio à cultura woke”, como a revista progressista New Republic e outros veículos abordam a questão, pode não refletir tanto a demanda do público quanto o desespero da indústria.

Assim como o surgimento da narrativa progressista no final da década de 2010 coincidiu com a expansão do streaming e a busca por assinantes mais jovens, a guinada à direita de hoje ocorre em um momento em que os estúdios se esforçam para cortar custos e estabilizar seus balanços patrimoniais.

Robert Redford incorporou a ideia de que Hollywood poderia desafiar o poder estatal. Hoje, a indústria do entretenimento parece menos interessada em desafiar do que em sobreviver – e a sobrevivência, por enquanto, parece estar alinhada com a ideologia “Make America Great Again” de Trump.