Em meio à alta temporada na Serra Gaúcha, a rede Laghetto enfrenta a pior crise de sua história. À primeira vista, o anúncio recente de que encerraria a captação externa de novos clientes para seus empreendimentos soou como um gesto de amadurecimento, uma tentativa de reduzir o assédio a turistas em restaurantes e lojas de Gramado. Nos bastidores, no entanto, a motivação é bem menos nobre. A Laghetto está perdendo judicialmente o controle de seus próprios hotéis.

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Documentos obtidos pela reportagem revelam que a restrição foi imposta por um tribunal arbitral, em meio a uma disputa acirrada entre os sócios do projeto que vem lesando clientes e investidores. O processo envolve acusações graves, que vão de concorrência desleal a desvio de recursos. A relação começa em 2016, quando a rede decidiu entrar no promissor mercado de multipropriedade, associando-se a investidores como WAM, Athivabrasil, ABL Prime, PRG e Wert. Enquanto a Laghetto se concentraria na operação hoteleira, a WAM, com experiência no setor, ficaria responsável pela comercialização dos empreendimentos. O conflito estourou, quando a WAM foi afastada da operação.

Esse modelo de negócio, que ganhou força no Brasil nos últimos anos, permite que diferentes pessoas adquiram uma fração ideal de uma unidade hoteleira, que poderá ser utilizada em determinado período do ano. Trata-se de uma espécie de “compra fracionada”, que reduz o custo de aquisição e garante ao comprador acesso a um imóvel em local turístico sem os custos e responsabilidades de uma segunda residência. Para os empreendedores, a multipropriedade permite acelerar as vendas e ampliar o acesso a financiamento, já que os recebíveis gerados pelas cotas podem ser antecipados por meio de securitização.

Foi exatamente isso que ocorreu nos empreendimentos da Laghetto. Para viabilizá-los, os sócios recorreram à Fortesec, uma securitizadora paulista que estruturou os investimentos por meio de CRIs, os Certificados de Recebíveis Imobiliários. O modelo prevê que a incorporadora antecipe os valores das cotas vendidas a longo prazo, cedendo os recebíveis à securitizadora e aos investidores.

A ruptura veio quando a Laghetto e demais sócios afastaram a WAM da comercialização e criou uma nova empresa com todos os demais sócios, a LGM, para assumir o papel de comercializadora. A operação, segundo a WAM, foi montada com uso indevido de informações estratégicas e aliciamento de colaboradores, em uma tentativa deliberada de tomar o controle da operação comercial. As acusações são acompanhadas de provas contundentes, incluindo e-mails entre executivos, a migração em massa de funcionários da WAM para a LGM cuja fundação ocorreu dias antes do fim oficial da prestação de serviço pela WAM.

As consequências vieram. A Justiça concedeu liminares impedindo a LGM de comercializar as cotas sem o aval da WAM, e a Fortesec entrou na disputa alegando violação contratual. A securitizadora também identificou indícios de fraude na gestão da carteira de recebíveis, apontando que a Laghetto teria alterado os boletos enviados aos clientes para redirecionar os pagamentos a contas fora do seu controle. Dessa forma, os valores que deveriam ser repassados aos investidores teriam sido desviados para outras finalidades, sem autorização.

A gravidade do caso levou a Polícia Civil de São Paulo a instaurar um inquérito para apurar a operação de 150 milhões de reais levantada via CRIs para financiar o resort Golden Laghetto. Segundo os investigadores, há indícios fortes de que parte significativa do dinheiro captado foi usada de forma indevida. Entre março de 2023 e maio de 2024, por exemplo, apenas um terço do valor arrecadado pela Golden Laghetto com a venda de cotas chegou à Fortesec. O restante, segundo a investigação, não foi justificado.

Com base nessas suspeitas, a polícia solicitou a quebra dos sigilos bancário e fiscal das empresas envolvidas, incluindo a Laghetto, a LGM e seus sócios. A recomendação, feita em setembro de 2024, também foi encaminhada à CVM e ao Ministério Público, devido ao risco de prejuízo aos investidores.

Internamente, os impactos já começaram a aparecer. A LGM promoveu demissões em massa nos últimos meses e afirmou estar abandonando a estratégia de abordagem de turistas e parceiros como uma medida de conscientização. Porém, a decisão arbitral que a impede de seguir comercializando ou gerindo os recebíveis nomeou um terceiro para assumir essas funções enquanto o litígio segue em curso; a mudança de gestor deve acontecer nas próximas semanas e cogita-se que seja o verdadeiro motivo da desidratação gradual das operações da LGM.

Agora, o grupo Laghetto corre o risco real de perder a propriedade dos empreendimentos. Sem conseguir quitar as parcelas do CRI e acumulando derrotas judiciais, a rede pode ver seus hotéis, hoje ativos valiosos no turismo de Gramado, serem executados para pagamento da dívida.

No mercado de multipropriedade, uma das principais alavancas para o crescimento do turismo na Serra Gaúcha, o caso Laghetto evidencia a urgência de uma governança mais robusta. A crise expõe como a falta de transparência, o enfraquecimento dos controles internos e a má condução de sociedades podem comprometer não só a confiança de investidores e securitizadoras, mas também a credibilidade de todo um destino turístico.

Procuradas, até a publicação desta reportagem, nenhuma das empresas envolvidas se manifestou.