DINHEIRO ? O que as empresas devem esperar para 2001?
HARRY SIMONSEN ?
Qualquer análise para 2001 deve levar em conta a inserção do Brasil no mercado mundial, como um ativo participante. Isso passa a ser uma condição inexorável e uma necessidade para o País. O que tem dificultado essa compreensão é o fato de sermos um País de grandes dimensões e com grande mercado consumidor. Por isso, às vezes não nos preocupamos com o que acontece fora daqui. Mas a globalização é indiscutivelmente a grande força propulsora de nossa economia e quanto mais entendermos isso e participarmos, melhor para nós. Mesmo porque não temos como ficar de fora.

DINHEIRO ? As empresas ainda não entenderam essa realidade?
SIMONSEN ?
Elas ainda não deram a devida importância para essa questão. Mas acho que isso acontecerá a partir do próximo ano. O World Economic Forum colocou o Brasil na 46ª posição no ranking de países globalizados. Ao mesmo tempo, somos o 9º PIB do mundo. Há uma diferença enorme. Onde estão as grandes oportunidades? Estão no 46º lugar, onde existe mais espaço para ganhar. Então esse é o caminho para o Brasil nos próximos tempos.

 

DINHEIRO ? O que o Brasil deverá fazer para melhorar essa posição?
SIMONSEN ?
A globalização é a capacidade do País de competir com os outros. Segundo o Banco Mundial, há três fundamentos para a globalização. Primeiro: insumos abundantes, como capital e mão-de-obra ? eles não consideram fundamental a disponibilidade de matéria-prima. Segundo fundamento: políticas econômicas, como impostos baixos, pequena interferência do governo, etc. Terceiro: estabilidade política e jurídica. Em alguns desses itens, o Brasil já avançou bastante. Em outros, não. Mas já melhoramos muito, pois em 1999 estávamos em 51º no ranking do World Economic.

DINHEIRO ? E qual o papel das empresas nesse cenário?
SIMONSEN ?
As empresas devem se voltar mais para o mercado externo. As grandes têm mais facilidade. As pequenas podem criar cooperativas ou ir de carona com as grandes. O que as empresas brasileiras fazem bem aqui podem fazer fora daqui. O primeiro estágio é exportar. O passo seguinte é se instalar no Exterior. Temos várias vantagens.

DINHEIRO ? Quais são?
SIMONSEN ?
A mais forte é que existe mais recurso do que projeto. Ou seja, há dinheiro disponível para o Brasil, por incrível que pareça. Tanto que uma série de empresas brasileiras lança papéis no Exterior e a receptividade é boa. Isso é bom porque é um dinheiro mais barato do que o dinheiro brasileiro.

DINHEIRO ? Mas nem todas as empresas têm acesso a esse dinheiro mais barato. Essa vantagem não está limitada a um grupo pequeno de companhias?
SIMONSEN ?
De certa forma, esse é outro fator de inibição, pois o único dinheiro interno que temos de longo prazo é do BNDES. Mas é uma fonte só, e muitas vezes o acesso é difícil. O acesso ao dinheiro externo muitas vezes não depende do tamanho da empresa, mas da disponibilidade dela de se tornar mais transparente em sua contabilidade, em sua organização. Com a continuação da estabilidade econômica teremos oportunidade de ter esse dinheiro aqui com duas características. Uma é o custo mais baixo. Outra é o prazo, que pouca gente fala. Então, o acesso aos recursos financeiros fora e dentro do País está ficando muito favorável.

DINHEIRO ? A conjuntura mundial hoje favorece esse movimento em direção ao Exterior, já que há um cenário de retração nas principais economias, sobretudo na dos Estados Unidos?
SIMONSEN ?
Há a velha máxima que diz que nas crises moram as melhores oportunidades. A melhor época para desenvolver a iniciativa das empresas é justamente nesses momentos. Porque as pessoas mudam de perspectiva. Quando as coisas vão bem, todos buscam uma vida mais fácil, mesmo que tenham de pagar por isso. Com o boom americano, nos últimos anos, foi isso que aconteceu. Mas, em épocas de crise, as pessoas querem uma vida mais barata. Aí o Brasil pode ser favorecido, pois nossos custos podem ser menores e temos como competir. As empresas brasileiras têm uma visão contrária, pois privilegiam o mercado interno sempre.

DINHEIRO ? O sr. acredita que isso vai mudar?
SIMONSEN ?
Vai mudar porque precisa mudar. Essa falta de compromisso com o mercado externo é o fator que torna o Brasil pouco confiável aos olhos dos investidores e clientes estrangeiros. É necessário equilibrar as demandas internas e externas. Isso faz parte da competência gerencial de uma empresa. Não vai acontecer de uma hora para outra, mas já temos um tamanho razoável para que nossas empresas possam fazer isso. Acho que 2001 será o começo da virada.

DINHEIRO ? O sr. acha que, com ou sem recessão mundial, o cenário externo é favorável. E no mercado interno?
SIMONSEN ?
Nossa visão é de que haverá uma taxa de crescimento boa, acima de 4%. Nós, da Simonsen, temos um indicador que chamamos de intenções de investimentos no Brasil. Esses investimentos surgem de uma expectativa por parte dos empresários de que o País e o mercado crescerão nos próximos anos. Nos primeiros nove meses de 2001, as intenções de investimentos são de US$ 228 bilhões. É muito mais do que qualquer ano anterior e nós medimos isso desde 1989. Não são investimentos de curto prazo, como marketing e publicidade. São investimentos cujo retorno é de longo prazo. Ninguém investe em telecomunicações esperando lucro para o ano que vem.

DINHEIRO ? Quais os setores que mais vão se destacar nos próximos anos?
SIMONSEN ?
Seguramente, serão os setores com tecnologia de ponta. Telecomunicação continuará na ponta nos próximos anos. Ganha disparado. Energia é outro setor com desenvolvimento muito forte porque precisamos urgentemente dela e porque é uma oportunidade de ganhar muito dinheiro do ponto de vista dos investidores. Agora, um setor que está explodindo é a logística, algo muito mais complexo e sofisticado do que colocar mercadoria sobre o caminhão e entregar em algum lugar. Somos um País de tamanho continental. Por isso, o transporte aéreo, apesar dos percalços, tem muito futuro por aqui. Temos uma costa enorme e pouco uso de cabotagem. Mas dentro da logística, o que vai crescer mesmo, e com atração de muito investimento, é o chamado ?last mail?, o último quilômetro, que é a entrega da encomenda nas mãos do consumidor final. Além de nossa dimensão territorial, há um empurrão que vem da expansão do varejo e da popularização da Internet e do e-commerce.

DINHEIRO ? A maioria dos setores citados pelo sr. são setores privatizados recentemente. Esse ciclo de investimento não estaria ligado a uma demanda reprimida, que, assim que for atendida, tende a não atrair novos investimentos?
SIMONSEN ?
No curto e médio prazos isso é verdade. Mas quando chega no momento em que a demanda estiver satisfeita, começa um outro ciclo de investimentos ainda mais consistente. Esse ciclo de desenvolvimento caracteriza-se pela busca de aperfeiçoamento e não de crescimento. É a busca da competitividade. O consumidor fica mais sofisticado, mais exigente depois que suas necessidades básicas são atendidas. Note a indústria automobilística. Até anos atrás, tínhamos um parque que atendia às necessidades básicas dos consumidores e um excedente para a exportação. A partir de certo momento, quando o potencial do mercado apareceu, surgiram outros competidores, com modelos mais modernos. Isso gerou um investimento total superior a US$ 20 bilhões nos últimos anos. Veja hoje o que é o setor automobilístico.

DINHEIRO ? O que as empresas precisam fazer para se sair bem nesse cenário?
SIMONSEN ?
São basicamente três coisas. Primeiro, a empresas, mais do que nunca, devem investir em gente, em talento. Aliás é isso que vai fazer as outras duas coisas acontecerem. Segundo fator: informação, conhecimento. E o terceiro é evidentemente dinheiro, conforme já comentamos. Com esses três fatores em dia, as empresas vão buscar todo o resto de que precisam. Então, são fundamentais o desenvolvimento e a atração de talentos para a empresa. Como estamos vivendo numa época em que o fluxo de informação é crucial, talvez mais importante do que o próprio conteúdo dessa informação, as empresas terão que investir muito na infra-estrutura de comunicação. Outra coisa importante é que as empresas têm de entender que dentro de casa, elas só geram custos e despesas. Para ganhar dinheiro e gerar valor, elas têm de ir ao mercado, vender e depois cobrar pelo que venderam. Parece simples, não? Mas muitas vezes as empresas têm dificuldades de entender isso. Essa orientação para fora faz parte da competência empresarial. Ainda há uma força grande das empresas dirigida para seus produtos e sua organização interna, como se a conquista de fatias de mercado fosse uma simples conseqüência da preocupação com a qualidade do produto e com o bom funcionamento de sua organização interna.

DINHEIRO ? Isso não é resultado da pouca exposição das empresas brasileiras ao mercado externo?
SIMONSEN ?
Em parte, sim. Se tiver de se preocupar com vários mercados ao mesmo tempo, a empresa ficará mais esperta. Isso é aprendizado, algo que as companhias desprezam, mas é importantíssimo.

 

DINHEIRO ? Como as empresas poderiam mudar essa cultura?
SIMONSEN ?
Elas poderiam fazer uma espécie de exercício. Seriam três perguntas. Primeira: o que meu cliente diz que quer de mim? Segunda pergunta: o que meu cliente realmente quer de mim? Terceira e última pergunta: o que meus clientes, efetivamente, precisam de mim? Vão encontrar respostas interessantíssimas e úteis para seu futuro.