19/05/2004 - 7:00
DINHEIRO ? O Petróleo está a US$ 40 o barril. É caso de se preocupar ou não passa de outra crise passageira?
SHIGEAKI UEKI ? Merece preocupação, porque US$ 40 o barril é relativamente alto. Mas se olharmos para outras crises -? 1979 por exemplo -? veremos que o barril já atingiu US$ 42 o barril. Na guerra do Golfo, em 1991, o petróleo chegou a US$ 40. O preço de 1979 significa, a preços de hoje, mais de US$ 100 o barril. E o preço de US$ 40 na década de 90 significa, em preços atualizados, mais de US$ 50 o barril. Acho que os US$ 40 de hoje não justificam toda essa perturbação no mercado mundial.
DINHEIRO ? O que está por trás da elevação dos preços?
UEKI ? Há dois tipos de explicação, a política e a econômica. Na parte econômica o preço do petróleo subiu por causa do superaquecimento da economia da China. Há 20 anos a China consumia mais ou menos o mesmo que o Brasil e hoje está consumindo três vezes mais. Ela é o segundo consumidor de petróleo do mundo, depois dos EUA. Só no ano passado o consumo chinês cresceu 12%. É uma bolha insustentável e o governo chinês já está preparando o pouso suave. Há também o aquecimento de verão na economia americana, que aumentou muito a demanda por gasolina. Nesse caso, o simples anúncio de que o Fed pretende aumentar a taxa básica de juros já tem o sentido de esfriar a economia.
DINHEIRO ? O sr. está tranqüilo, mas muitos especialistas dizem
que o mundo está gastando petróleo demais…
UEKI ? De fato, nos últimos 10 anos houve um crescimento de consumo da ordem de 10 milhões de barris por dia. Passou do pa-
tamar de 70 milhões para 80 milhões de barris. Na área de produ-
ção não houve um aumento equivalente. Não houve investimento. Basta ver o balanço das empresas de petróleo. Elas estão regis-
trando lucros em um patamar que não tiveram no passado. A demanda é maior do que a oferta.
DINHEIRO ? Isso quer dizer que falta petróleo.
UEKI ? Sim, mas é uma coisa momentânea. Basta a Arábia Saudita colocar um milhão a mais de barris por dia no mercado para a situação mudar. Os sauditas sabem há décadas que preços muito altos não são interessantes para eles, porque forçam todo mundo a buscar fontes alternativas de energia. Certamente a Opep, na reunião do final deste mês em Amsterdã, vai rever a decisão que tomou de reduzir a produção no começo deste ano. Tenho certeza de que os grandes produtores vão anunciar uma elevação da produção e os preços superaquecidos vão começar a cair.
DINHEIRO ? Então podemos todos ficar tranqüilos?
UEKI ? Se dependesse apenas da economia, sim. Mas existe também a política. Os terroristas e todos os que se opõem à ocupação do Iraque têm intenção de perturbar a economia do Ocidente. E não há melhor maneira de alcançar esse objetivo do
que criar distúrbios no mercado de petróleo. Basta, por exemplo,
um grande terminal de petróleo na Arábia Saudita ficar desativado
por 30 dias para o preço do petróleo ultrapassar US$ 100 o barril. Esse é o grande risco hoje ? um atentado terrorista que perturbe o fluxo de petróleo para as economias industriais. Na primeira crise do petróleo, no início dos anos 70, os preços começaram a subir com a interrupção do oleoduto conhecido como Arabian Pipeline, que
saia da Arábia Saudita para o Mediterrâneo. Os terroristas ex- plodiram o duto e isso deu início à crise, que culminaria em 1973.
Isso pode acontecer de novo.
DINHEIRO ? Não existem reservas capazes de sustentar a demanda?
UEKI ? Lamentavelmente, não. O nível de reservas dos países consumidores não é suficiente para fazer face a uma eventual interrupção de suprimento de um terminal importante de exportação de petróleo. Por causa do mercado futuro, os agentes procuram trabalhar com o nível de estoque mais baixo possível. Isso contribui para a volatilidade. O mercado é completamente solto, sujeito a flutuações de preço para cima e para baixo. Não há mais o lastro dos estoques reguladores e qualquer fato político tem um impacto muito maior do que no passado. O nível de estoques nos Estados Unidos, por exemplo, é ridículo. Mais ou menos 200 milhões de barris, que é o consumo de 10 dias. Não é nada.
DINHEIRO ? Qual a importância do Iraque nisso tudo?
UEKI ? É enorme. Quando terminou a guerra do Iraque, há um ano, o mercado futuro do petróleo apontava um preço entre US$ 20 e US$ 24 por barril para maio de 2004. Havia uma crença geral de que os preços do petróleo cairiam com o aumento da produção iraquiana. Obviamente isso não aconteceu. Na verdade o preço quase dobrou. Havia essa expectativa, porque o Iraque tem a segunda maior reserva do mundo de petróleo e suas instalações para exportação de petróleo saíram quase intactas da guerra. Ninguém esperava que a ocupação do Iraque criasse tantos problemas quanto está criando. O quadro hoje é muito pior do que um ano atrás. Calcula-se que algo entre US$ 6 e US$ 10 por barril se deve à incerteza política.
DINHEIRO ? O preço do petróleo já está sendo ditado pelo horizonte de escassez? O petróleo está mesmo acabando?
UEKI ? Isso é muito difícil de responder. Não há dúvida de que
no mundo ainda há mais petróleo, a questão é quanto. O primeiro alerta de que o petróleo estaria no começo do fim foi em 1950. Naquela época as reservas comprovadas davam para 35 anos.
Agora, com o petróleo a US$ 40, as reservas devem estar por
volta de 40 anos. Quer dizer: faz 50 anos que nós temos pelo
menos 35 anos de reservas.
DINHEIRO ? Falando do Brasil, a situação é confortável?
UEKI ? Eu estou otimista. Passei no governo por duas crises duríssimas na área de petróleo. Em 1973 eu era diretor comercial da Petrobras e, na crise de 1979, estava na presidência da empresa. Os números naquela época eram dramáticos. O presidente Figueiredo tinha me convidado para ser ministro da Indústria e Comércio, mas, quando estourou a crise, me pediu para ficar na Petrobras. Agora as reservas provadas aumentam todo ano, apesar da produção ter crescido muito. A indústria de petróleo do Brasil ainda pode nos dar surpresas boas.
DINHEIRO ? Isso significa que o Brasil já está bem do ponto de vista do petróleo?
UEKI ? Eu acho que não. Temos que considerar que nosso País é pobre e que há um subconsumo de energia. Se o Brasil tivesse progredido como esperávamos, nossa renda per capita hoje seria do nível da Espanha, de US$ 14 mil. Estamos com US$ 2.500. Como ministro eu fui acusado de realizar obras faraônicas como Itaipu, Tucuruí e as usinas nucleares. Mas tínhamos certeza de que o País continuaria crescendo a taxas relativamente altas. No período em que trabalhei no governo o crescimento médio foi acima de 7% ao ano. Não vejo com tranqüilidade essa auto-suficiência atual, baseada na estagnação da economia. Eu gostaria de estar consumindo tanto quanto a China, importando talvez três milhões de barris para um consumo de seis milhões.
DINHEIRO ? Quer dizer que a nossa auto-suficiência é resultado do crescimento medíocre e não do nosso brilhante desempenho no setor de petróleo.
UEKI ? Exato. É o mesmo motivo pelo qual temos sobras de ener-
gia elétrica. O País cresceu muito menos do que deveria. No ano passado houve decréscimo do consumo de petróleo no País. Se
você pára a demanda é fácil ficar auto-suficiente. Mas essa auto-suficiência não convence.
DINHEIRO ? Agora que o sr. está do lado privado da economia, como vê a atuação da Petrobras?
UEKI ? Agora que não há mais monopólio, que as empresas podem se instalar e importar à vontade, não vejo mal nenhum em que ela seja privatizada, desde que o governo tome cuidado para que não haja desmembramento e nem desnacionalização da Petrobras. Ela não precisa pertencer a uma pessoa só. Pode ser pulverizada. Já não existem no mundo empresas de petróleo em que alguém detém 51% das ações. A Petrobras poderia ser uma grande empresa privada com atuação global, ações cotadas em bolsas do mundo inteiro e controle brasileiro. Aliás, eu defendi que fizessem isso com a Telebrás e a Siderbrás, que hoje poderiam ser grandes empresas brasileiras.
DINHEIRO ? Como o sr. vê a gestão do setor elétrico, que em boa medida ainda está nas mãos do Estado?
UEKI ? Acho que o governo precisa dar mais atenção a esse se-
tor. Os novos atores do setor elétrico que entraram na área de distribuição tomaram grandes empréstimos em dólares e pagaram um tremendo ágio na compra dos ativos. Esperavam que o governo bancasse uma tarifa capaz de justificar o investimento. Como o governo não aceitou essa imposição, eles estão amargando prejuízo. Na privatização prevaleceu o curto prazo, a busca de caixa em
vez do planejamento de longo prazo que esse setor exige. Sou a
favor da privatização, mas tem de escolher o modelo certo. No
setor elétrico escolheram um modelo de liberdade total, vigente em algumas partes dos Estados Unidos e da Europa. É o modelo da Califórnia, que foi um fracasso total.
DINHEIRO ? O sr. gostou do projeto da ministra Dilma Rosset para o setor?
UEKI ? Vejo de forma mais positiva do que negativa. Ela colocou o dedo na ferida, apontou os pontos a serem corrigidos. Eu não concordo com tudo, mas a direção é correta. A linha da ministra é ter a tarifa mais baixa possível e eu acho isso um ponto alto do modelo. Quando se quer vender com ágio, como fez o governo passado, não se pensa em tarifas. Tem gente que diz que o modelo da ministra não dá segurança para os compromissos já assumidos pelas empresas, mas o fato é que quem pagou ágio alto fez mau negócio, sinto muito. Acho o projeto atual melhor que o do governo anterior. Acredito que vá atrair investidores.
DINHEIRO ? O sr. não se incomoda com o aparente enfraquecimento da agência regulatória?
UEKI ? No mundo capitalista as regras têm de ser claras e duradouras, por isso é importante fortalecer a agência. Mas não devemos exagerar. Qualquer agência vai sofrer interferência de um Executivo forte. É inevitável. Veja se nos Estados Unidos o governo não tem influência sobre as agências. É claro que tem. A globalização está nos ensinando a ser pragmáticos. Acho que a solução para o setor elétrico é mista. Se a gente quer um Brasil grande, há investimentos que o Estado tem de bancar.