01/09/2004 - 7:00
S e a tela de Edward Munch pudesse gritar, ela talvez clamasse por socorro. Ou então esbravejasse: ?Chame o ladrão!?. O sumiço de O Grito, surrupiada das paredes do Museu Munch, em Oslo, na semana passada, espanta pela facilidade com que os bandidos a tiraram da parede ? diante de dezenas de visitantes, sem que um único alarme fosse disparado ?, mas impõe também uma questão. Como os larápios podem fazer dinheiro com esse tipo de roubo? Há algumas respostas. Em primeiro lugar, é um péssimo negócio porque não tem liquidez. ?É quase impossível vender uma tela mundialmente conhecida?, diz Anderson Tonhato, da corretora brasileira Stremo Seguros, pioneira no País em apólices de objetos de luxo. ?Pendurá-la numa parede doméstica é uma confissão de crime.?
Quase sempre a malandragem funciona como um seqüestro. Os raptores anunciam a posse da obra-prima e exigem resgate. Há dez anos, uma outra versão de O Grito (Munch pintou quatro) desapareceu de um edifício na cidade norueguesa de Lillehammer, onde se realizavam os Jogos Olímpicos de Inverno. Os criminosos entraram por uma janela, desativaram os alertas de segurança e levaram a obra com ridícula facilidade. Em seguida, pediram US$ 1 milhão. O valor nunca foi pago pelas autoridades. As negociações, contudo, conduziram à gangue três meses depois. ?Arte pode ser usada como moeda para atividades escusas, como o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e o contrabando de armas?, diz Tony Russel, um ex-investigador da Interpol. Existe até uma estimativa desse mercado sujo. Calcula-se em US$ 5 bilhões o valor dos quadros desaparecidos nos últimos 100 anos.
São obras raramente recuperadas. O Registro de Arte Perdida, banco de dados criado para listar as preciosidades no limbo, informa que 467 telas de Picasso e 280 de Chagall estão sumidas. Há um agravante: a maioria delas não tem seguro ? como era o caso da tela sumida na semana passada ? porque os valores de proteção são elevados. O seguro de um quadro de qualidade varia de 0,75% a 1,20% do valor total. No caso de O Grito do Museu de Oslo, a apólice custaria pelo menos US$ 450 mil ? a tela é avaliada entre US$ 60 milhões e US$ 70 milhões. Os curadores do museu preferiram apostar na segurança do prédio. Até quinta-feira da semana passada ninguém havia reivindicado o crime. Até que se descubra quem o realizou, o ataque à imagem de Munch alimentará um mito do nosso tempo: o charme romântico dos ladrões de obras-primas.
Charme multiplicado pelo cinema. O Dr. No, inimigo de James Bond, despontou, num dos filmes da série, como o dono de uma tela de Goya, O Retrato do Duke de Wellington, que fora levada da National Gallery de Londres em 1961. Descobriu-se, em 1965, que o ladrão era um motorista de ônibus aposentado. Um personagem assim nunca iria para as telas de Bond. Dr. No, é inquestionável, tinha ? e ainda tem ? muito mais apelo. Chame o ladrão!
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US$ 5 bilhões é o valor dos quadros roubados nos últimos 100 anos |