10/04/2025 - 6:26
Minha família se mudou do Nordeste para Goiás. Nas escolas que passei, achei que encontraria amigas, mas o que eu ganhei foi muito sofrimento e bullying.Infelizmente, ainda existe um grande preconceito com nordestinos quando mudam para outras regiões do país. Em fevereiro de 2022, eu comecei a estudar em um colégio estadual em Goiás. Tinha acabado de me mudado do agreste paraibano para o estado.
Aos 12 anos, em uma cidade nova, escola nova, eu comecei a ouvir alguns comentários que discriminavam as minhas origens, como: “esse povinho do nordeste tem que sofrer mesmo, tem que comer capim, nordestinos tinham que morrerem todos, são a praga do Brasil”. Eu, com 12 anos na época, fiquei muito triste. Tudo o que eu gostaria era de ter feito amizades, só que aconteceu totalmente o contrário.
Porém, no mesmo ano, me mudei para outra cidade localizada ao sul de Goiás. De agosto de 2022 até maio de 2024, eu sofri bullying por ter minhas raízes nordestinas. Primeiro eram somente três meninas que me discriminavam, mas em 2023 passaram a ser cinco meninas e em 2024 foram doze, todas elas eram da região sul e sudeste do país.
O que antes eram só alguns comentários, se tornaram em constantes ameaças. Chegou ao ponto em que eu me encontrei em um quadro de depressão profunda e ansiedade. Meus pais não sabiam o que estava acontecendo, e eu não tive coragem de contar para eles o que eu vinha enfrentando no ambiente escolar. Certo dia, as doze meninas marcaram para me agredirem na saída, foi aí que eu precisei criar coragem e contar para meus pais.
Gestão da escola não me ajudou
Eu sempre relatava o que acontecia para o coordenador de turno no colégio, e ele dizia que iria resolver a situação e que não ia mais acontecer, mas toda vez que eu falava com ele, minha situação piorava.
Então, quando meus pais descobriram, eles foram até a diretoria da escola e lá tivemos que escutar dos próprios lábios da diretora as seguintes palavras: “se vocês têm origens nordestinas, eu não posso fazer nada, o que aconteceu com você vai continuar acontecendo pois eu tenho questões mais importantes para resolver, e elas até tem razão, nordestino como vocês não deveriam estar aqui e sim na região de vocês”.
Ao escutar tais palavras, meu pai apenas se levantou, saiu e foi diretamente ao Conselho Tutelar denunciar as agressões que eu estava sofrendo. Após isso, ele ligou para o Centro Regional de Educação (CRE), que nos garantiu que essa situação não ficaria assim e que iriam punir a diretora e as alunas de maneira justa. Naquele ponto, eu já estava tomando remédios controlados e minha saúde mental nunca mais seria a mesma.
E por fim, em maio de 2024 e me mudei novamente para outra cidade. Hoje, eu tenho 16 anos, farei 17 em julho, e não consigo fazer amizades por conta dos traumas que carrego, tenho crises de ansiedade de vez em quando. O bullying pode sim acabar com a saúde mental de uma pessoa. É importante que a vítima procure seus direitos e não sinta medo da situação.
Em vigor desde 2016, a lei 13.185/2015 instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying), que determina que escolas capacitem docentes e equipes pedagógicas “para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema”. A legislação prevê que vítimas tenham assistência pedagógica, social e jurídica, além de campanhas de educação e conscientização para evitar a prática.
Vítimas de bullying devem procurar primeiramente a escola para resolver o problema. Se necessário, é recomendado também acionar as autoridades responsáveis, fazendo um boletim de ocorrência e entrando em contato com o Conselho Tutelar.
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.
Este texto foi escrito pela estudante pernambucana Lívia Maria de Souza e Silva, de 16 anos, que viveu boa parte de sua vida na Paraíba e desde 2022 mora em Goiás. O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.