28/07/2001 - 7:00
Nos próximos dias, o governo brasileiro deve tomar uma decisão que mudará radicalmente os rumos da agricultura do País e de toda a cadeia de produtos alimentares que você encontra nos supermercados, como margarinas, feijão, milho e mesmo chocolates. Após três anos de duras batalhas judiciais com entidades de defesa do consumidor e do meio ambiente, como Idec e Greenpeace, o ministro da Agricultura, Marcos Vinicius Pratini de Moraes, pretende liberar em breve o plantio comercial da soja transgênica. A decisão visa garantir a competitividade do produto brasileiro, já que os Estados Unidos e a Argentina utilizam há anos as sementes Roundup Ready, que contém um gene da bactéria agrobacterium, resistente ao forte herbicida Roundup. Armados do artefato, os dois países têm conseguido uma redução de 20% nos custos dos plantios. E avançam firmes no mercado internacional, prejudicando o Brasil. O problema é que nesta história não está em jogo apenas a economia. Pode estar em xeque também a saúde da população, pois, segundo as ONGs ambientalistas, não existe no momento nenhuma garantia de que os transgênicos não fazem mal ao corpo humano ou às próprias plantações. No centro deste tiroteio de interesses está a norte-americana Monsanto, dona da patente da Roundup Ready. A empresa é hoje praticamente o símbolo dos transgênicos por aqui. Resiste bravamente aos ataques dos opositores e tem bons motivos para isso: está de olho no mercado de US$ 5 bilhões que a soja movimenta ao ano no País.
Há tempos a Monsanto prepara a invasão do solo brasileiro com
suas sementes. Agora, diante da perspectiva de que finalmente o sinal verde será dado por Brasília, a multinacional não hesitou em nomear para presidente da filial brasileira o executivo Richard Greubel, que ajudou a comandar o tremendo sucesso obtido com o plantio da soja na Argentina, a partir de 1997, como gerente de marketing em Buenos Aires. Hoje, cerca de 90% dos 10 milhões de hectares de soja do outro lado da fronteira são cultivados com sementes transgênicas. No Brasil o clima é diferente, e o executivo tem se recusado a dar entrevistas, à espera da reação de seus opositores, como o Greenpeace, que só tende a crescer nas próximas semanas. ?Assim que o governo assinar a autorização do plantio da soja, entramos com recurso na Justiça Federal?, afirma Mariana Paoli, coordenadora no País da campanha contra transgênicos da entidade internacional.
Na segunda-feira 30, o Greenpeace fez inclusive mais um dos seus inúmeros protestos contra a soja modificada geneticamente. Enterrou com gesso uma réplica tamanho família da Constituição em frente ao prédio
do Ministério da Agricultura. ?Se liberar a Roundup Ready, o governo estará desrespeitando o poder judiciário?, diz Paoli.
O fato é que o Palácio do Planalto adotou
uma solução um tanto heterodoxa para
liberar os transgênicos. Driblou a sentença
de junho de 2000 do juiz da 6ª Vara de Brasília, Antônio Souza Prudente, que determinava a realização de um estudo de impacto ambiental das culturas que a Monsanto poderia financiar no Brasil. Na sua manobra, o presidente Fernando Henrique Cardoso ignorou a sentença ao assinar em dezembro a Medida Provisória 2137, que torna a CTNBio, Comissão de Biotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia, o único órgão com direito de autorizar ou não cultivos de transgênicos.
Longe da batalha dos tribunais, as fazendas vivem outra realidade.
O Brasil é o segundo maior produtor de soja do mundo, produzindo
37 milhões de toneladas ao ano. Perde apenas para os 80 milhões dos Estados Unidos. Na avaliação da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes (Abrasem), cerca de 10% da colheita do País neste ano terão origem de sementes transgênicas contrabandeadas da Argentina. ?No Rio Grande do Sul, o porcentual chega a 40%?, avalia Iwao Miyamoto, especialista da entidade.
A invasão ilegal tem um motivo simples: os produtores querem garantir competitividade frente aos concorrentes do outro lado da fronteira. Até mesmo o megafazendeiro Blairo Maggi, maior empresário da soja do Brasil, mudou sua opinião contrária às sementes geneticamente modificadas de 12 meses atrás. ?Eu era contra os transgênicos. Acreditava que países favoráveis às sementes naturais, como o Japão e os da União Européia, pagariam
a mais para ter uma produção natural. Nada disso aconteceu.
A saída é aderirmos aos transgênicos?, afirma Maggi. Quem
quiser ter produto não-transgênico, prevê o agricultor, terá que pagar por isso. ?É perfeitamente possível o Brasil conviver com culturas naturais e modificadas.?
O governo parece mesmo disposto a liberar os transgênicos. Determinou até que a partir de 31 de dezembro os produtos de consumo, como margarinas, compostos com mais de 4% de ingredientes geneticamente modificados, terão de explicitar isto no rótulo. A Monsanto assiste silenciosa o que pode ser os últimos dias da era em que o Brasil rejeitava produtos geneticamente modificados. Sairá ganhando, e muito. Atualmente fatura US$ 430 milhões ao ano no País, mas deve ganhar muito espaço no mercado sobre concorrentes como a Aventis e Syrgenta. Além disso, praticamente não comercializa grãos de soja por aqui, o que lhe torna muito palatável o mercado de US$ 5 bilhões onde pretende começar a atuar. Depois da implantação da nova soja, será a vez da criação dos mais variados tipos de derivados do produto, como óleos de cozinha com diversas fórmulas. Este poder que a Monsanto está prestes a ganhar levou o tema da soja aos palanques dos pré-candidatos à Presidência da República. Na semana passada, o petista Luís Inácio Lula da Silva não mediu palavras contra os defensores do fim das barreiras à biotecnologia. ?É burrice pensar que a soja transgênica abrirá mais mercado para exportação. O Brasil vai ficar é dependente da Monsanto.? O alerta faz sentido: as sementes distribuídas pela empresa não são reprodutivas, o que deixará os fazendeiros dependentes do fornecimento de seus insumos ou de seus parceiros, como a Embrapa. O mundo inteiro acompanha o que acontece no Brasil nesta área. No início do ano, o ativista francês antiglobalização Jose Bové não teve dúvidas. Na visita a Porto Alegre para o Fórum Social Mundial, aproveitou a oportunidade e foi a uma fazenda experimental da Monsanto. Arrancou folhas e sementes de soja à vontade. Talvez um ato de desespero diante do que parece ser inevitável: o abraço brasileiro ao que alguns chamam de tecnologia do século 21.