O atestado de óbito foi expedido na noite de quarta-feira 24. ?Morre aos 38 anos, vítima de diversas doenças incuráveis, como traições e ingratidões comerciais, juros escorchantes, descontrole na política cambial, competidores na informalidade e, possivelmente, decepção e velhice de seu fundador.? O texto foi escrito pelo presidente da Soletur, Carlos Guimarães, em uma carta enviada minutos antes do final do expediente a seus 480 funcionários. Acabava assim, sem muitas explicações, a Soletur, uma das maiores operadoras de turismo da América Latina. Com matriz no Rio de Janeiro e filiais em 12 cidades, cinco hotéis próprios e uma empresa receptiva em Nova York, a companhia se gabava de ter carimbado os passaportes de 350 mil passageiros em 2000. Nos últimos anos, vinha focando seus negócios no exterior, o que garantia 70% de seu faturamento. Com a crise, a alta do dólar e os atentados de setembro, seu prejuízo aumentou. Após os incidentes nos Estados Unidos, a empresa perdeu R$ 2 milhões apenas com cancelamentos. O movimento caiu 80%. A decisão foi rápida. Na terça-feira 23, os proprietários da Soletur decidiram pela auto-falência. Na quarta-feira, o pedido chegou à 8ª Vara de Falências e Concordatas do Rio. As dívidas chegam a R$ 30 milhões ? e o patrimônio da empresa é estimado em R$ 25 milhões. ?Os maiores credores são bancos, companhias aéreas e hotéis?, resume Yamba Souza Lanna,
advogado da Soletur.

A história está mal contada. Há cerca de dois anos, a Soletur vinha cambaleando. Por diversas vezes tinha entregue seus hotéis como garantia de pagamento. Em julho, corria um boato de que ela seria vendida para uma operadora européia. Nada disso se concretizou. O golpe fatal ocorreu em 14 de setembro. A ?ingratidão comercial? a que se refere Guimarães teria partido da Varig, a maior linha aérea nacional que operava os vôos internacionais da Soletur. Numa reunião a portas fechadas, George Ermakoff, presidente da RioSul (coligada à Varig), não teria aceito uma nova rolagem de dívidas. E teria ameaçado: ou a Soletur pedia sua falência ou a Varig iria fazê-lo. ?A operadora vendia e não pagava. Fazia dinheiro com capital de giro?, garante um executivo que não quis se identificar. Com a pressão das companhias aéreas aumentando, teve de recorrer a ajuda financeira. Um alto funcionário chegou a mencionar que, desde 1999, a operadora havia tomado empréstimos de bancos estrangeiros. ?As taxas de juros estavam em 40% ao ano?, revela.

Salários adiantados. A notícia pegou os funcionários de surpresa. No dia em que decretou a falência, a Soletur havia vendido 884 pacotes. ?Para nós, da área comercial, a orientação era
vender?, conta um funcionário
que trabalhava há três anos na
matriz da Soletur. O único indício de que algo estranho poderia ocorrer foi o adiantamento de 50% dos salários ? a empresa sempre pagava os salários no final do mês. ?Eles disseram que era para não pesar na hora do 13º?, diz outro funcionário. Na manhã seguinte, veio a notícia. As portas das lojas estavam lacradas.

Além dos funcionários, quem mais sofre com a decisão são os cerca de 7 mil passageiros que haviam comprado pacotes da Soletur. Desses, 1 mil viajariam ainda no final de semana. Para clientes e agentes de viagem, a única satisfação foi o silêncio. A Letieri Turismo, de Brasília, já contabiliza prejuízos. Na própria quarta-feira vendeu um pacote para uma família passar o Natal em Fortaleza. Os R$ 6 mil foram entregues, em dinheiro, na loja da Soletur. No dia seguinte, nenhuma notícia. ?Vamos assumir o prejuízo e repassar o caso para os advogados. Mas duvido que seremos ressarcidos?, diz Wagner Romualdo Silva, proprietário da agência.

TAM e Varig, entretanto, não vão deixar os passageiros na mão. As empresas aéreas correram a anunciar que honrarão seus compromissos. Em termos. Farão os vôos regulares cujas passagens já tenham sido emitidas, mesmo que não tenham sido pagas. Já os vôos charters ? aviões fretados para grupos e excursões ? só trarão os turistas em sua viagem de volta. ?Faremos nove vôos neste final de semana?, garantiu o porta-voz da TAM, Paulo Pompílio. Todos os fretamentos com saída programada a partir desta segunda-feira estão cancelados. A partir daí resta recorrer à Justiça. Com a decretação de falência, um ?síndico?, escolhido judicialmente, assumirá a Soletur. ?O consumidor é o último a receber o dinheiro. Quando recebe?, diz Maria Lumena Sampaio, diretora do Procon.

O mercado espera por mais quebradeiras. Um efeito dominó que deve levar hotéis que trabalhavam exclusivamente com a operadora e pequenas agências de viagens, cujas receitas eram garantidas pela Soletur. O óbito da maior operadora de turismo nacional deve ser apenas o primeiro.