Um sistema econômico alternativo começa a ganhar espaço, com a proposta de trabalhar um capitalismo mais humano. Nele, a moeda corrente vai além das tradicionais notas de papel. Valores intangíveis, como solidariedade, confiança e justiça social, formam o combustível que movimenta uma cadeia de negócios focada na inclusão. Os agentes financeiros dessa nova realidade são os chamados fundos de impacto social, ou social impact investing, como são conhecidos em inglês.

Sua estrutura lembra o de empresas de venture capital ou private equity, que investem em companhias com potencial de crescimento. O que muda é a filosofia,  na hora de escolher as empresas nas quais investir. Sem abrir mão dos lucros, esses fundos também procuram medir o nível de transformação que proporcionam à população mais carente da base da pirâmide.

 

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“Vamos captar US$ 40 milhões para destinar a dez empresas que invistam na melhoria de vida na base da pirâmide”

Antonio Moraes Neto, sócio da Vox Capital

 

Os fundos de impacto social têm uma abordagem idealista, mas seus números são para lá de tangíveis. Há mais de 100 deles em atividade em todo o mundo, movimentando US$ 400 bilhões. Esse montante pode chegar a US$ 1 trilhão em uma década, segundo o estudo Impact Investments: an Emerging Asset Class, do banco americano J.P. Morgan,  obtido com exclusividade por DINHEIRO. A outra boa notícia é que a novidade já chegou por aqui ( não há má notícia, nesse caso). O Brasil ganhou o primeiro representante desses fundos há dois anos, o Vox Capital, que tem como sócio o paulistano Antonio Moraes Neto, 25 anos. A pouca idade, no seu caso, é um mero detalhe: ele é neto do empresário Antônio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim. 

 

O sócio da Vox teve o privilégio de descobrir muito cedo qual era a sua vocação. No contato com uma organização não governamental (ONG) dedicada à formação de valores para jovens, ainda com tenros 14 anos, ele começou a sonhar em montar um empreendimento que pudesse gerar riqueza para os mais necessitados. “Naquela época, fui tomado por esse ‘vírus’ do empreendedorismo social”, disse Moraes Neto à DINHEIRO. Ele decidiu, então, mesclar seu ímpeto solidário ao DNA de empreendedor da família. “Meu avô, sem dúvida, é uma fonte de inspiração”, diz Moraes Neto. “Ele sempre pensou no desenvolvimento do Brasil a partir da industrialização e eu partilho essa visão de desenvolvimento social, mas num outro momento do capitalismo.”

 

Fundada em janeiro de 2009, a Vox conta com dois sócios: Kelly Michel, fundadora do Potencia Ventures, que ajudou a formar o capital inicial do fundo brasileiro, e Daniel Izzo, executivo que passou pela Johnson & Johnson, onde se envolveu com o processo de desenvolvimento de produtos para a base da pirâmide. Atualmente, a Vox investe um valor não declarado em três empresas e se prepara para captar US$ 40 milhões para destinar a outros dez empreendimentos. Sete investidores estrangeiros já pediram detalhes sobre a Vox, e empresários brasileiros veem com bons olhos o projeto de Moraes Neto.

 

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Rodrigo Baggio, da CDI Lan: investimento da Vox Capital ajuda a cumprir o objetivo de fortalecer 6,2 mil lan houses,

que oferecerão microcrédito em suas respectivas comunidades

 

Uma das companhias que integram o portfólio da Vox é a carioca CDI Lan, que atua como distribuidora de produtos e serviços em lan houses, essenciais para a inclusão digital na baixa renda. A companhia fornece desde o microcrédito, até produtos tecnológicos, como sistemas de e-learning, para estimular o crescimento dessas empresas. Rodrigo Baggio, fundador da CDI Lan, não revela quanto foi investido na empresa, mas diz que o equilíbrio financeiro será atingido até o fim do ano.

 

O que move o empresário, no entanto, é a possibilidade de obter respaldo para realizar sua missão altruísta. “Queremos gerar e distribuir lucros para toda a cadeia de valor”, diz Baggio, que trabalha com mais cinco funcionários. A maneira da CDI Lan operar é um bom exemplo de como as empresas com impacto social podem ser transformadoras. Para atingir seu objetivo, Baggio fechou várias parcerias importantes. Uma delas é com o banco Itaú, que permite oferecer microcrédito para os donos de lan houses. 

 

Outra parceira  é a Microsoft, que criou produtos sob medida para a base da pirâmide. Um pacote Office que custa R$ 900 no mercado foi adaptado para a CDI Lan e seu preço caiu para R$ 38. “As lan houses podem adquirir um pacote, pagando apenas R$ 3,80 mensais”, diz Baggio. A ideia é profissionalizar essas empresas em todo o País e fornecer-lhes ferramentas para que elas ampliem a oferta de produtos e serviços para seus clientes e possam – claro – faturar e lucrar mais.

 

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As cerca de 6,2 mil lan houses que serão atendidas pela CDI Lan serão preparadas para atuar como correspondentes bancários, em suas respectivas regiões. E poderão também oferecer cursos de e-learning para os jovens das classes D e E,  que formam o grosso de seus clientes. Posteriormente, elas ainda poderão funcionar como agentes financeiros, oferecendo-lhes dinheiro, por meio do microcrédito. Mais do que meros negócios, as lan houses são empreendimentos com um enorme potencial de inclusão social. 

 

Diversas pesquisas no Brasil já identificaram que os bairros carentes bem servidos por serviços do gênero têm redução no índice de violência. Ao oferecer aos jovens as perspectivas mais amplas da realidade virtual, a inclusão digital mostra outras alternativas, além da criminalidade, algo que Baggio conhece bem – há alguns anos, além de empreender, ele realiza um trabalho voluntário de divulgação e capacitação tecnológica em comunidades carentes no Rio de Janeiro.

 

Como investidor interessado em ver os dois objetivos cumpridos – retorno financeiro e social –, Moraes Neto passou a integrar o Conselho da CDI Lan, ajudando a estruturar a governança para tornar a empresa sustentável. “As principais decisões são tomadas em conselho”, diz ele. Nessa função, Moraes Neto monitora não só as metas para alcançar o retorno financeiro almejado, mas também mede o impacto social efetivo. “Nossa medida, no caso da CDI Lan, é avaliar qual é o ganho de geração de renda para o dono da lan house”, diz. 

 

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Bill Gates e a filantropia: o criador da Microsoft é um dos maiores patrocinadores dos fundos de impacto social no mundo,

por meio da Fundação Bill & Melinda Gates

 

A presença de um sobrenome que se confunde com a história econômica recente do Brasil ganha mais relevância quando se conhece quem são os responsáveis por capitalizar os fundos de impactos sociais. O manancial de recursos que vai chegar aos negócios voltados à base da pirâmide flui de grupos filantrópicos bilionários, como a Gates Foundation, patrocinada por Bill Gates, criador da Microsoft, ou o KL Felicitas, de Charly Kleissner, um bem-sucedido empresário do Vale do Silício, que decidiu trabalhar em prol do empreendedorismo social. Esses são apenas alguns dos abonados que irrigam o sistema do capitalismo social. Ao menos 65% das doações da KL Felicitas, por exemplo, seguem para os fundos com esse perfil.

 

Um dos agentes que receberam recursos da KL Felicitas é a rede americana Toniic, criada no ano passado, e que já investiu cerca de US$ 100 milhões em 12 empreendimentos vinculados ao impacto social. São desde fornecedoras de crédito educativo para a baixa renda, como a Lumni, que atua em cinco países, até organizações focadas na sustentabilidade, como a Biolite, companhia que trabalha com a geração de energia a partir de um sistema termoelétrico que permite, por exemplo, carregar celulares sem desperdício da energia tradicional. “O capitalismo como o conhecíamos mudou, e agora sabemos que tentar fazer dinheiro sem retorno social não traz resultados no longo prazo”, diz Morgan Simon, cofundadora do Toniic, que começou a operar no ano passado. “Falo isso, inclusive, como americana”, diz Morgan, lembrando a crise financeira de 2009, que teve os Estados Unidos como epicentro.

 

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O novo capitalismo, porém, não vive apenas das boas intenções. Os negócios selecionados pelos fundos também têm de mostrar qualidades na última linha do balanço. Segundo o estudo do banco JP Morgan, os fundos já consolidados têm obtido uma rentabilidade média que oscila entre 8% e 12% ao ano. No entanto, é possível mirar mais alto, diz Marcus Regueira, um dos criadores do Fundo de Investimento em Riqueza Social para Todos (First), de Belo Horizonte. “Um fundo do gênero pode alcançar os mesmos ganhos dos investimentos dos venture capital, ou seja, algo como 25% ao ano”, diz Regueira, que é também diretor da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap).

 

“Os exemplos no Exterior mostram que isso é inteiramente possível.” O First está captando recursos de fundações estrangeiras para poder financiar negócios sociais no Brasil e já tem oito iniciativas pré-selecionadas, todas voltadas para um público que vive com renda mensal de até três salários mínimos. Regueira avalia que o madurecimento do sistema de fundos de impacto social é uma questão de tempo. Por enquanto, diz ele, essas aplicações são vistas como seres à parte na atividade de administração de investimentos, mas em breve elas serão um dos eixos principais da economia. “É um processo em evolução, que vai se aperfeiçoando com a própria prática do mercado”, afirma.