12/10/2005 - 7:00
DINHEIRO ? A CPI dos Correios acaba de autorizar a quebra do sigilo bancário de 11 corretoras, incluindo a sua. Como o sr. avalia a decisão?
CARLOS ALBERTO DE SOUZA ? No nosso caso, é uma decisão inócua para a CPI. Eles vão constatar que, na operação da qual eles dizem haver uma suspeita, a corretora teve um ganho inferior a 0,1%. Nós simplesmente fizemos a intermediação do negócio, ou seja, executamos uma ordem que partiu do cliente.
DINHEIRO ? A CPI vazou a informação de que o Serpros, fundo de pensão do Serpro, teria perdido R$ 4 milhões numa operação fechada com a Planner.
SOUZA ? A operação que está sendo objeto da discussão envolveu papéis de longo prazo. São títulos do Tesouro Nacional, com vencimento em 2021, chamados NTN-C (Notas do Tesouro Nacional do tipo C). Nos três dias em que foram executadas as ordens, os papéis foram vendidos com remunerações entre IGP-M mais 8,4% e IGP-M mais 8,65%. O cliente girou aproximadamente R$ 74 milhões e comprou os papéis com rendimento de IGP-M mais 8,5%. Nós ganhamos só a taxa de corretagem.
DINHEIRO ? Na quebra de sigilo irão aparecer só os R$ 71 mil de comissão?
SOUZA ? Isso.
DINHEIRO ? Não tem sobra para um eventual caixa dois do PT?
SOUZA ? Claro que não.
DINHEIRO ? Teria sido possível comprar os títulos com rendimento de 8,65%, em vez de 8,5%?
SOUZA ? A ordem partiu do cliente e operação foi fechada de acordo com as condições de mercado, naquele momento.
DINHEIRO ? Pode ter havido alguma incompetência da corretora na operação?
SOUZA ? Não. O negócio tinha que ser fechado naquele momento. Não foi incompetência não.
DINHEIRO ? É comum que sejam fechadas operações desse volume de uma só vez?
SOUZA ? É. Um negócio de R$ 74 milhões para um fundo de pensão é algo absolutamente normal. Uma fundação de porte médio tem investimentos de longo prazo, feitos de acordo com suas metas atuariais.
DINHEIRO ? Sua corretora foi procurada pela CPMI para esclarecer essa questão?
SOUZA ? Não. O que nos deixa indignados é que essas coisas são vazadas para a imprensa antes de qualquer investigação. Nós, inclusive, chegamos a procurar integrantes da CPMI, mas eles não quiseram nos ouvir. Pedimos uma audiência e não fomos recebidos.
DINHEIRO ? Isso foi um movimento individual da sua corretora?
SOUZA ? Não. Buscamos um contato via Ancor, a Associação Nacional das Corretoras, e mesmo assim não quiseram nos ouvir.
DINHEIRO ? Num fundo de pensão, quem dá as ordens de compra e venda de ações?
SOUZA ? Em geral, isso vem do diretor financeiro. Mas às vezes há outros operadores credenciados a transmitir as ordens às corretoras.
DINHEIRO ? O sr. acha que há falhas na fiscalização das corretoras?
SOUZA ? Nós já somos fiscalizados pela Bovespa, pela BM&F e pela Comissão de Valores Mobiliários. A CVM, inclusive, tem poder de polícia. Eles podem tirar uma corretora sumariamente do mercado. E, no nosso caso, criamos cuidados especiais. Nós temos até ISO 9001. As ordens dos clientes são todas gravadas. Há ainda uma série de checagens nos procedimentos. É evidente que tudo pode ser melhorado, mas não acho que o sistema seja pouco fiscalizado.
DINHEIRO ? E o controle dos fundos de pensão?
SOUZA ? Há também muitos controles. Os custodiantes dos títulos, por exemplo, não aceitam papéis comprados fora dos preços de mercado. Muitas fundações também gravam todas as ordens feitas às corretoras. Tem todo um ritual para comprar um título público federal. E há ainda o controle da Secretaria de Previdência Complementar, que não é desprezível.
DINHEIRO ? Que impacto a divulgação das notícias causou na sua corretora?
SOUZA ? É algo irreparável. Você leva décadas para construir uma imagem e conseguir operar para investidores institucionais, como os grandes bancos e os fundos de pensão. De repente, a CPI vem e nos transforma na Escola Base do mercado financeiro. No nosso segmento, uma empresa vive da sua imagem, da sua reputação. E antes mesmo da apuração, já estamos expostos nos jornais. Na prática, já fomos punidos.
DINHEIRO ? Os clientes estão deixando a empresa?
SOUZA ? Alguns já estão se acautelando. O prejuízo é real.
DINHEIRO ? Que horizonte o sr. enxerga para a empresa?
SOUZA ? Eu tenho que encontrar uma solução rápida. Preciso ser recebido pelos parlamentares para prestar as informações que eles desejam, mas também quero receber da CPMI, com agilidade, um atestado de idoneidade.
DINHEIRO ? Se isso não vier, sua empresa pode fechar?
SOUZA ? O governo pode quebrar uma instituição sim. Primeiro acusa, em público, e depois pede desculpas privadamente. O que está havendo é algo de uma irresponsabilidade sem tamanho.
DINHEIRO ? Mas a CPMI não é o governo?
SOUZA ? Não é Executivo, mas é governo sim. O Congresso é uma instituição da República. São parte da nossa governança. E eles nem sabem nem o que estão pedindo.
DINHEIRO ? Como assim?
SOUZA ? O deputado Antônio Carlos Magalhães Neto reclamou que a CPMI não tem nem estrutura para analisar os documentos. E, além do mais, quebrar o sigilo da corretora é inócuo. Uma corretora tem seus dados permanentemente acompanhados pela CVM.
DINHEIRO ? O sr. pensa em acionar a União se vier a sofrer prejuízos maiores?
SOUZA ? É uma das possibilidades que estou estudando. Posso acabar terminando na fila dos precatórios. Se não tiver outro jeito, fazer o quê?
ACM Neto: “Ele quis quebrar o sigilo, mas diz que a CPI nem tem como analisar os dados”
DINHEIRO ? Mesmo que não tenha havido um desvio da corretora, poderia haver um acordo entre o comprador e o vendedor de um papel para que ele fosse negociado em condições atípicas?
SOUZA ? Isso, em tese, pode até acontecer. Mas, numa situação desse tipo, não haveria por que quebrar o sigilo da corretora, que faz apenas a intermediação do negócio. Na hipótese que vocês sugerem, a maracutaia não estaria acontecendo no ambiente das corretoras, que é extremamente regulado. Se tem maracutaia, é fora. Qualquer pessoa minimamente informada sobre mercado de capitais, sabe disso.
DINHEIRO ? Mas é possível que a maracutaia ocorra fora das corretoras?
SOUZA ? Em tese, é possível. Mas não estou falando de nenhuma operação específica.
DINHEIRO ? Como agente do mercado, o sr. tem alguma sugestão para melhorar a fiscalização do setor?
SOUZA ? Neste momento, não tenho cabeça para isso. Mas eu diria que o ponto chave do mercado financeiro deve ser a transparência. Na Bovespa, eu sou um dos coordenadores do Bovespa Fix, o sistema de operações de títulos de renda fixa da bolsa, como debêntures. Lá é tudo transparente e eletrônico. A questão é que os títulos públicos brasileiros ainda são negociados em balcão. Só que não fui eu quem inventou esse mercado.
DINHEIRO ? Seria o caso de acabar com o balcão?
SOUZA ? Nós achamos que negociar quaisquer títulos em sistemas eletrônicos é melhor. Dá mais liquidez e mais transparência.
DINHEIRO ? Vale a pena operar com fundos de pensão? Eles não estão sempre no olho do furacão?
SOUZA ? São bons clientes, são profissionais e são técnicos. Todas as corretoras brigam e brigam forte para tê-los como clientes, porque eles remuneram adequadamente quem opera com eles. Mas seria bom que houvesse mandato fixo para os dirigentes de fundos de pensão, evitando as indicações políticas. Agora, os fundos têm também uma função institucional que é muito importante. Eles vendem quando tem comprador e compram quando tem vendedor. A visão deles é de longuíssimo prazo.
Controle: “A Bovespa já fiscaliza corretoras. Se há fraude, elas estão fora do nosso ambiente”
DINHEIRO ? Em parte do noticiário, sua corretora vem sendo comparada à Bonus-Banval. Essa comparação lhe agrada?
SOUZA ? Não agrada. Até porque nós temos perfis diferentes de clientes. Nós trabalhamos com bancos e fundos de pensão. E eu não sei qual é o perfil dos clientes deles. Sei que é diferente.
DINHEIRO ? Fala-se de gente que opera com dólar.
SOUZA ? Parece que sim, mas a minha informação é de jornal.
DINHEIRO ? A quebra de sigilo não mostraria a diferença entre as corretoras?
SOUZA ? Desde que seja algo objetivo. Se os deputados acham que houve prejuízo de R$ 4 milhões, eles terão que procurar o dinheiro em outro lugar. Não foi na Planner.
DINHEIRO ? E como os outros corretores estão vendo a quebra de sigilo?
SOUZA ? Esse nosso mercado é muito competitivo, muito ofertado. Os concorrentes olham a situação com a postura de um agente que pode vir a ocupar o nosso espaço. E notícias como essa da CPMI desestruturam uma corretora profundamente. Empresas como a nossa trabalham com funcionários autônomos e comissionados, que não podem deixar de receber. A concorrência pode acabar absorvendo alguns de nossos operadores.
DINHEIRO ? Não há nenhuma solidariedade corporativa?
SOUZA ?
De jeito nenhum. O concorrente sente o cheiro de sangue e pensa em crescer ocupando o nosso espaço