02/02/2001 - 8:00
Eu e o seu presidente somos verdadeiros chapas. Não existe disputa entre nós
DINHEIRO ? Existe rivalidade entre o sr. e o presidente brasileiro pela liderança na América Latina?
VICENTE FOX ? De forma nenhuma. Eu e o seu presidente somos grandes amigos, verdadeiros chapas. Nós conversamos muito. Não existe qualquer disputa entre nós.
NHEIRO ? Interessa ao México criar a Área de Livre Comércio das Américas e dividir com países como Brasil e Argentina os ganhos que está tendo com o Nafta?
FOX ? Que fique claro: temos muito interesse nisso. Nos interessa avançar mais e mais no comércio. Nós temos visto os benefícios do comércio e da abertura. O comércio entre México, Estados Unidos e Canadá já alcançou US$ 250 bilhões. Isso significa empregos, desenvolvimento. Agora, temos um acordo com a Europa e esperamos torná-lo tão grande como o que temos com Estados Unidos e Canadá. Também esperamos que Europa e Mercosul consigam um acordo. Se isso acontecer, teremos um circuito completo: México-Mercosul, Mercosul-Europa, México-Europa. Todos os países envolvidos vão ganhar. Estamos a favor de acordo comercial continental, mas temos, primeiro, que terminar os acordos individuais, bilaterais e regionais.
DINHEIRO ? O que é o Nafta-Plus, a que o sr. tem se referido?
FOX ? É não ficar só num acordo comercial e, sim, aprofundar a integração, começando com os acordos de imigração até atingir a abertura das fronteiras, ao livre trânsito das pessoas. É ir pensando, em mais alguns anos, em outros programas, como ter um pequeno parlamento que trabalhe sobre a instituição do Nafta ou, a seu tempo, da Alca. Seria um pouco o processo europeu, em 40 ou 50 anos.
DINHEIRO ? O México já não tem medo de perder sua identidade frente aos Estados Unidos?
FOX ? De jeito nenhum. Cada vez lhes vendemos mais tacos, mais tequila. Cada vez temos mais turismo de lá. É um erro pensar que as aberturas comerciais ou que os processos de integração terminam diluindo a nacionalidade ou culturas. Acontece exatamente o contrário. A cultura se projeta de forma mais radical e a nacionalidade se torna mais importante. Novamente, tome o exemplo europeu. Os espanhóis são mais espanhóis do que nunca, os portugueses são mais portugueses do que nunca e o mesmo pode acontecer na América Latina. Não se deve ter medo de que o processo de integração vá provocar uma perda de soberania ou perda de cultura ou perda de raízes para alguém.
DINHEIRO ? Os economistas prevêem que México e Canadá serão muito prejudicados com a desaceleração da economia americana. Teria sido um erro apostar tão alto na dependência comercial com os Estados Unidos?
FOX ? De jeito nenhum. Somos a inveja de todo o mundo, incluindo o Brasil e a Argentina. Ser vizinhos dos Estados Unidos nos dá uma grande vantagem, permite fazer muitas coisas que outros países não podem fazer. O México tem uma situação única, privilegiada. Temos acordos de livre comércio separados, mas simultâneos, com União Européia, com Estados Unidos e Canadá. Isso nos dá uma posição estratégica. Por isso, os investidores de todo o mundo estão vendo o México como o lugar de melhor oportunidade para investir e de maior rendimento para o investimento. Estamos muito contentes de sermos sócios dos Estados Unidos, vizinhos dos Estados Unidos e amigos dos Estados Unidos.
DINHEIRO ? Aqui em Davos manifestou-se claramente o temor de que acordos regionais como Nafta e Alca tirem energia das negociações multilaterais na Organização Mundial do Comércio…
FOX ? Se a meta é a mesma, não importa o caminho que se use. Se a meta é mais comércio, para atingi-la funciona igual um acordo bilateral, regional, continental ou mundial. Mas se a gente começa por um acordo mundial, é muito mais difícil por-se de acordo. Por isso, a OMC tem batalhado tanto. Pôr em acordo 50 países não é fácil. Dois países chegarem a um acordo bilateral é muito mais simples. Por isso, eu volto a assinalar que, no caso da Alca, o mais importante é fazer primeiro os acordos bilaterais e regionais, porque constróem, dão cimentação ao passo seguinte. Nós estamos de acordo que se retomem as atividades da OMC, que ela volte a ser ativa. Mas temos que ser justos, temos que ser sérios, temos todos que ser honestos, temos todos que pôr as cartas na mesa. Não é possível, como bem assinalou o Brasil, que se esteja subsidiando a agricultura e os setores básicos da Europa e dos Estados Unidos com cifras que chegam a US$ 1 bilhão por dia. Isso nos põe em enorme desvantagem com outros países. Claridade, transparência, justiça, eqüidade devem ser fatores fundamentais em qualquer acordo. E eu acrescentaria ética e moralidade. Se aos acordos de comércio não lhes pomos esses ingredientes de valores, nos estaríamos fazendo de tolos a todos os países e perdendo tempo. Os acordos têm que ter um forte conteúdo de valores.
DINHEIRO ? Durante um jantar ibero-americano, o escritor peruano Mário Vargas Llosa recomendou ao sr. que fosse ?medíocre?, para escapar do risco de perseguir utopias. O que o sr. achou da recomendação?
FOX ? Eu creio que a palavra medíocre precisa ser melhorada. Mas o sentido do que estava dizendo Vargas Llosa, no fundo, está muito correto. A palavra medíocre ou mediana é negativa. O que ele dizia é que temos de trabalhar com disciplina. Trabalhar com idéias práticas é mais importante do que sair com demagogia ou populismo ou com idéias fora da realidade. Ele se referia a idéias práticas, idéias alcançáveis, idéias realizáveis. Mas a palavra mediocridade não cabia. Tivemos governos no século 20 na América Latina que perderam a cabeça e ?se les fue la onda?, como se diz no México. Eles começaram a construir castelos no ar. Começaram a vender sonhos e demagogia impossíveis de se cumprir. Então esse populismo, essas formas de governo são as que Mário Vargas Llosa rechaçou. Em troca, propunha governos muito sensatos, governos com as botas postas no chão, na realidade, governos disciplinados, coordenados. A economia e os mercados limitam as alternativas e a capacidade que tem um governo para fazer coisas. O que ele assinalava é que é preciso ter consciência do que se pode fazer, e não fazer por fazer.
DINHEIRO ? Quais são as perdas esperadas com a desaceleração da economia americana e como o México pretende compensá-las?
FOX ? O México faz 80% de seu comércio com os Estados Unidos. Certamente se os Estados Unidos têm uma economia que perde crescimento, é uma coisa que nos atinge. Que temos previsto? Bom, primeiro, o mercado americano é muito grande. Se hoje lhes vendemos automóveis da Volkswagen e isso vai perder um pouquinho de encomendas, podemos vender outras coisas. Os investimentos que as empresas americanas estão fazendo no México vão seguir adiante; os investimentos são para vender esses produtos ao resto do mundo e aí estamos protegidos. Como vamos substituir o que poderíamos perder no nosso crescimento? Com o tratado de livre comércio da Europa. Por isso estamos aqui na Europa. Por isso estamos promovendo investimentos. Por isso, estamos fazendo ver bem claro a cada empresário, seja brasileiro, espanhol, alemão, americano, que hoje quem investe no México tem melhor rendimento do seu investimento. Assim, espero que vamos repor investimentos que poderíamos perder dos Estados Unidos. O mundo não está fechado para nós, não sentamos para chorar quando desacelera a economia americana. Ao contrário. Nos pomos a trabalhar, a viajar e a repor esse crescimento.
DINHEIRO ? Em que medida os 40 milhões de mexicanos pobres que vivem com menos de um dólar por dia estão se beneficiando dessa liberdade comercial? As grandes companhias tiram muito benefício, mas a pobreza não diminuiu…
FOX ? Este é o grande desafio que temos na América Latina, que tem o Brasil, o México. A nós e a nossos países não basta crescer a economia. Temos que distribuir riqueza e oportunidades. Isso requer uma política pública eficaz. É uma tolice deixar por conta só do mercado. O mercado não distribui riqueza. O mercado serve para algumas coisas, mas é prejudicial para outras. Aí ele tem que ser substituído pelo governo, por intervenções seletivas, temporais, dos governos. O mercado tem que ser substituído por políticas públicas de distribuição de renda. No México, estamos massificando o conhecimento e a educação. Uma comunidade ou nação que tem mais grau de educação em todos os seus cidadãos, tem muito mais renda per capita.
DINHEIRO ? Há uma grande discussão hoje em torno da antecipação ou não da Alca para 2003, como querem os Estados Unidos. O Brasil defende a data de 2005. O que diz o México?
FOX ? Nós trabalharemos em quaesquer dos dois prazos. O importante é que ao final tenhamos uma Alca. Pode ser em três anos, pode ser em cinco anos. É importante acabar de costurar e consolidar todos os acordos regionais em andamento. Se esquecermos de todos esses acordos regionais para saltar ao acordo continental, vamos perder ritmo, pedras que dêem solidez ao edifício que vamos construir. É preciso fazer as coisas bem, não importa em quanto tempo. Por isso, o acordo da Alca pode demorar entre três e cinco anos. Não estamos atrelados a nenhuma das duas datas.
DINHEIRO ? O sr. tem defendido uma transformação do Nafta numa espécie de União Européia. Nesse caso, haveria uma união monetária?
FOX ? Agora já estamos falando do longo prazo. O primeiro passo é o acordo comercial e depois podemos buscar avançar na integração até chegar a uma integração total, 20, 30 anos depois. Temos que ir comendo o que está no prato para depois pegar mais. Temos um regime de flutuação da moeda e vamos mantê-lo nos próximos seis anos. Não vamos mudar esse regime. Unidade monetária, somente em 20, 30 anos poderíamos pensar em algo assim, porque isso requer muitíssimo trabalho e obrigações de cada país para ser bem-sucedido. Não podemos saltar etapas em um processo de integração.