28/03/2014 - 21:00
O empresário Flávio Rocha, presidente da varejista de moda Riachuelo, aprecia a velocidade. Por conta dessa paixão, em 1982, aos 24 anos, ele convenceu sua família, que controla o grupo pernambucano Guararapes, conglomerado que atua nos setores têxtil, financeiro e logístico, a patrocinar um piloto iniciante da Fórmula 3: o novato atendia pelo nome de Ayrton Senna. Em 2007, ele apostou novamente na velocidade ao implantar o modelo fast- fashion na Riachuelo. Não por acaso, ele compara o papel do varejo na economia a um trem-bala. “Estamos na era do varejo”, diz. Rocha recebeu a DINHEIRO em seu escritório, em São Paulo, para falar sobre moda, economia e até sobre o “rolezinho”. Confira os principais trechos da entrevista.
DINHEIRO – Nos últimos meses, grandes varejistas de moda, como as americanas Forever 21 e GAP, desembarcaram no Brasil. É um sinal de que o varejo está evoluindo?
FLÁVIO ROCHA – O varejo brasileiro é uma somatória de dois planetas completamente diferentes. Temos o que chamamos de varejo de alta performance, que não deve nada aos mercados mais avançados. Mas, ainda há uma grande parte, que representa cerca de metade do setor, constituída por empresas precárias e informais. É um tipo de comércio que mudou muito pouco desde a Idade Média. Essas duas metades se neutralizam, e uma tira a competitividade da outra. A consequência desse cenário foi a paralisação do varejo brasileiro desde os anos 1980 até agora. Nesse período, o Brasil ficou de fora da revolução proporcionada pela adoção do código de barras, por exemplo.
DINHEIRO – Que revolução foi essa?
ROCHA – Quando Sam Walton (fundador do Walmart) implantou o código de barras na sua rede, na década de 1980, virou a cadeia de suprimentos de cabeça para baixo. Até então, ela era puxada pela produção. Com a possibilidade de saber em tempo real e na boca do caixa o que as pessoas estavam realmente consumindo, todo esse processo passou a ser comandado pelo varejo, com base nas demandas, e não na oferta. Se antes a inteligência estava na indústria, a capacidade de ler a vontade do consumidor deu ao varejista o poder de traçar sua estratégia. Isso demorou a chegar ao Brasil. A grande transformação que estamos vivenciando no momento é essa: a substituição de uma cadeia de suprimentos, puxada pela indústria e pelo agronegócio, por uma cadeia de demanda, tendo o varejo como a locomotiva.
DINHEIRO – Na última década, a nova classe média brasileira puxou o crescimento do varejo. E daqui para a frente?
ROCHA – Nessa transformação do Brasil em um país majoritariamente de classe média, o varejo teve um papel muito importante. A democratização do crédito se deu via capilaridade das redes varejistas. Estamos vivendo a era do varejo. Nós somos, hoje, a locomotiva do trem-bala que puxa a economia e a cadeia de suprimentos, e não, como era até bem pouco tempo atrás, o último vagão da maria-fumaça da cadeia empurrada pela produção. Nossa preocupação é tornar esse modelo sustentável. Agora, para isso, a pior solução é você parar a locomotiva. Não precisamos esfriar a demanda. Precisamos azeitar os vagões que vêm atrás. Isso significa lutar contra a queda vertiginosa de produtividade que a economia tem apresentado. A luta é contra o chamado “custo Brasil”. Precisamos melhorar a qualidade de vida, mas via aumento da produtividade.
DINHEIRO – Essa queda de produtividade é o motivo pelo qual a indústria enfrenta dificuldades, enquanto o varejo apresenta bom desempenho no País?
ROCHA – Ao mesmo tempo que o salário mínimo calculado em dólar triplicou, houve uma queda de competitividade. O Brasil ficou caro. A produção brasileira está extremamente onerada. Nos setores de varejo e serviços, a competição se dá territorialmente. Por isso eles conseguem lidar com esse aumento de custo de forma mais tranquila. Para quem compete internacionalmente, e a indústria é o melhor exemplo, é fatal.
DINHEIRO – Onde mais cresceu o “custo Brasil”?
ROCHA – Imposto já foi a parte mais importante. Hoje, o mais preocupante é a complexidade do ambiente de negócios. Muitas leis, que são feitas com a melhor das intenções, como as de proteção ao consumidor, acabam aumentando o custo. Daí o efeito é contrário. Em vez de beneficiá-lo, o prejudicam. Por isso, temos o iPhone mais caro do mundo.
DINHEIRO – Essa complexidade não beneficia as redes brasileiras, uma vez que afasta competidores internacionais?
ROCHA – É um ciclo vicioso. Com o aumento do custo Brasil, você tem de subir o muro protecionista, o que leva à perda de competitividade e a novo aumento do protecionismo. Mas é possível transformar esse ciclo vicioso em virtuoso, aumentando a competitividade brasileira. A redução do protecionismo tem de vir acompanhada de uma simplificação dos fatores normativos, tributários e regulatórios, que estão tirando o País do jogo competitivo.
Rua 25 de Março, no centro de São Paulo,que atrai consumidores de todo o País
DINHEIRO – Não cabe também às empresas, aumentar a produtividade, reduzindo desperdícios e adotando práticas modernas de gestão?
ROCHA – O desperdício no varejo brasileiro é um dos menores no mundo. Obviamente, refiro-me ao varejo de alta performance. Se considerarmos a parte informal do mercado, esse desempenho piora. Mas os grandes vilões da competitividade são o excesso normativo, a complexidade tributária e o aumento dos gastos públicos. O Japão, por exemplo, tem 1,5 mil ações trabalhistas por ano, os Estados Unidos, 15 mil. No Brasil são 3 milhões de processos.
DINHEIRO – Grandes redes de varejo, como a Zara e a Restoque, no entanto, estiveram envolvidas em episódios de trabalho escravo. Isso não demonstra que as empresas também são responsáveis por essa realidade?
ROCHA – Sim. Eu podia até usar esses episódios para tripudiar em cima de concorrentes. Não tenho nenhuma dúvida quanto à ética das empresas mencionadas. Mas o desafio de manter o controle de sua produção é muito grande, levando em consideração que a atividade de confecção só sobrevive por meio do regime tributário do Simples. Tal regime traz um enorme benefício, mas também uma dificuldade, que é a questão da escala. O Simples impõe ao elo principal da cadeia, no qual estão 80% dos empregos, uma limitação de escala muito grande. Isso leva à precariedade das relações trabalhistas. Hoje, quando uma oficina começa a atingir o limite do Simples, ela subloca para outra, que subloca para uma terceira, tornando o rastreamento muito desafiador. São, literalmente, milhares de pequenas oficinas. É preciso fazer um redesenho da cadeia têxtil.
DINHEIRO – As empresas que mantêm a produção sob seu guarda-chuva, como a Riachuelo, levam vantagem em relação às que terceirizam a maior parte?
ROCHA – Ter a cadeia integrada possibilita duas coisas: baixíssimo custo e velocidade. É isso que define o “fast-fashion”. É o que a Forever 21 reinseriu nos Estados Unidos. Desde os anos 1980, a atividade de confecção estava extinta no país, tinha migrado toda para a Ásia. Isso trouxe uma grande vantagem em termos de custo, mas tornou o processo de criação demorado. Leva meses para chegar um navio com a coleção mais recente produzida no exterior. A Forever 21 ressuscitou essa atividade internamente e, com isso, passou a ter uma velocidade que os concorrentes não tinham. O que você via nas lojas das outras redes estava na prancheta um ano atrás. No caso deles, o tempo que uma peça leva da prancheta até a loja é de um mês.
DINHEIRO – As principais varejistas que atuam no Brasil estão adotando esse modelo, como é o caso da Renner. Como o sr. vê essa concorrência?
ROCHA – Aí entra uma questão conceitual. O fast-fashion foi uma expressão cunhada na Harvard Business School, em 2000, a partir de um estudo de caso da Inditex (grupo espanhol que controla a Zara). Esse modelo vai além da mera verticalização. Ele pressupõe uma integração de toda a cadeia. Indústria e varejo sob o mesmo guarda-chuva. Nós estamos até mais avançados, porque pegamos desde o desenvolvimento do fio até a parte financeira.
Sam Walton, fundador do Walmart
DINHEIRO – Como o sr. vê o desenvolvimento desse modelo? Mais recentemente, surgiu a japonesa Uniqlo, que trouxe a alta- costura para o fast-fashion.
ROCHA – Nosso modelo tem benchmarks de Uniqlo e Zara. Os japoneses são mais voltados a produtos básicos, com gigantescas cartelas de cores. Você não encontra produtos criados em suas lojas. São clássicos. Já a Zara é mais moda. São produtos de vida curta. Nosso desafio é, justamente, proporcionar ao consumidor aquilo que a China e a Ásia não conseguem: velocidade. Estamos voltados para a produção de moda. Ao mesmo tempo, temos nossos produtos básicos, que respondem por metade do negócio, e são mais previsíveis.
DINHEIRO – O sr. comentou sobre a revolução do código de barras. Hoje temos em curso outra revolução, proporcionada pela internet. De que forma as redes sociais estão mudando o mercado da moda?
ROCHA – Com a internet, a revolução iniciada pelo código de barras, que informatizou a cadeia, chega à casa do consumidor. Paralelamente à internet, há a identificação por radiofrequência, chamada de RFID. Essa tecnologia permite rastrear todas as etapas do processo, desde a saída do produto da fábrica até o momento em que ele é consumido. Isso tudo alarga os horizontes dos varejistas. Não é só a venda online, é a integração da empresa com seus clientes. Antes, o ciclo de aprendizado das empresas de moda acontecia a cada estação. Hoje, é a cada dez dias.
DINHEIRO – O varejo brasileiro tem dificuldade para entender os consumidores, especialmente os da classe emergente?
ROCHA – Sem sombra de dúvida, o cliente mais incompreendido é a nova classe média. A única diferença entre uma pessoa de baixa renda e uma pessoa de alta renda é o seu orçamento. Cada vez mais a informação é universal. Em moda, isso é evidente. As empresas que erram violentamente são aquelas que pioram seus produtos para vender para a classe C. O orçamento pode ser diferente, mas as aspirações e o senso estético são os mesmos. Nossos maiores sucessos comerciais foram produtos pinçados do mercado de luxo, que vendemos com um zero a menos na etiqueta. A renda está se democratizando gradualmente. Mas a informação já foi democratizada.
DINHEIRO – Qual é sua visão sobre o fenômeno do “rolezinho”?
ROCHA – São celebridades de universos menores da periferia, que têm seu poder de comunicar e seus seguidores, que não estão na comunicação de massa. Tudo isso está sendo usado por oportunistas notoriamente minoritários para suas causas individuais. Não vejo nenhum traço de hostilidade ou agressividade no rolezinho.