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“Um churrasco com Fidel é provocação aos EUA? Tenha paciência!”

 

 

 

DINHEIRO ? No dia seguinte à posse, o presidente Lula recebeu Hugo Chávez em primeiro lugar e jantou com Fidel Castro depois do expediente. Foram recados para os EUA?
CELSO AMORIM ? Você se esquece de dizer que, na véspera, portanto no dia 1º, a primeira autoridade com a qual o presidente Lula jantou foi o presidente Alejandro Toledo, do Peru. Nisso ninguém vê uma segunda conotação e todo mundo esquece. Já se começa do Chávez. Era evidente que o presidente da Venezuela, um país que está em dificuldades, precisaria de um tempo maior com o presidente. Por isso, houve o café-da-manhã. E o jantar com Fidel Castro foi uma coisa amistosa. Eu estava lá presente e praticamente não se discutiu política. O presidente Fidel Castro falou muito sobre a experiência dos programas sociais em Cuba, elogiou a idéia do Fome Zero e do Analfabetismo Zero. Foi tranqüilo.

DINHEIRO ? Não seriam gestos capazes de serem interpretados pelos americanos como preferências do Brasil por líderes que lhes fazem oposição?
AMORIM ? Um café-da-manhã e um churrasco? Tenha paciência, é claro que não!

DINHEIRO ? Em relação à Venezuela, o Brasil não estaria interferindo em problemas alheios?
AMORIM ? Estamos tentando justamente resolver a questão com base no diálogo e no entendimento. É nesse sentido que temos tentado agir, para ajudar.

DINHEIRO ? O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, nomeado secretário-geral do Itamaraty, é um notório adversário da Alca. Por que o sr. o escolheu?
AMORIM ? O secretário-geral do Itamaraty já foi meu colaborador antes. É um diplomata de grande capacidade. Foi um dos arquitetos da aproximação Brasil-Argentina na época do governo Sarney com o governo Alfonsin. E a política em relação à Alca está traçada no discurso do presidente Lula. Aliás, ele já havia se referido a isso nos discursos que fez no Clube de Imprensa em Washington e novamente na sua posse.

DINHEIRO ? O que muda então na política externa brasileira?
AMORIM ? Essencialmente, muda o ânimo no Brasil, a confiança em nossa capacidade de fazer uma nova agenda internacional e de transformá-la em pontos do nosso interesse. Nesse contexto, prioridade máxima é a América do Sul. E o Mercosul é o pilar, o degrau inicial dessa integração que desejamos promover. Outra prioridade paralela é procurar um relacionamento mais dinâmico com grandes países como a Índia, China, Rússia e África do Sul.

DINHEIRO ? Relações com os EUA deixam de ser prioritárias?
AMORIM ? De forma nenhuma, não se pode deixar de priorizar o diálogo com a maior potência do mundo. Além de serem nosso maior parceiro comercial e principal motor da economia global, um bom diálogo com eles é essencial se o Brasil quiser exercer o seu peso nas relações internacionais, em todas as frentes, não só a comercial. Ademais, o fato de o presidente George Bush ter chamado o presidente Lula para visitá-lo em Washington antes da posse já é uma demonstração da importância que ele atribui ao governo Lula. Isso dá a base para um diálogo maduro. Não será de igual para igual, pois há uma diferença muito grande entre as economias, mas maduro no sentido de serem duas nações soberanas, que respeitam seus objetivos próprios, muitos deles coincidentes, outros não. Diálogo maduro significa que quando os interesses não forem coincidentes, nós vamos defender os nossos da mesma forma que os americanos defendem os seus, sem medo de discordar. Disputas comerciais são naturais entre países de relacionamento intenso. O que não podemos é deixar que cada pendência se transforme em um conflito.

DINHEIRO ? Onde dá para avançar nas negociações da Alca?
AMORIM ? Primeiro é preciso negociar com os EUA com espírito aberto, mas de maneira muito firme. É preciso ver se as coisas que são do nosso interesse estão nessas negociações. Se for para excluir questões como medidas antidumping e as questões ligadas ao protecionismo agrícola dos Estados Unidos, aí uma negociação comercial se torna menos importante para nós. Por isso, todas as ofertas que forem feitas pelo Brasil serão condicionadas. Se não houver o que nos interessa em agricultura, em salvaguardas, em antidumping, por que vamos abrir para eles o setor de compras governamentais, como eles querem? Por que vamos abrir investimentos externos? Vale lembrar ainda que a Alca não é uma negociação apenas tarifária, ou só de barreiras estritamente comerciais. Ela é uma negociação muito mais ampla, e por isso merece um exame muito cauteloso e atento da sociedade. Por isso precisamos encará-las sob o prisma de não abrir mão da nossa capacidade de definir o nosso modelo de desenvolvimento.

DINHEIRO ? Há um ano o PT liderava um plebiscito contra a Alca. Lula chamava o tratado de ?anexação?. Isso mudou?
AMORIM ? O que queremos é ouvir a opinião pública para ver quais são os verdadeiros sentimentos da indústria e da agricultura brasileira em relação aos temas específicos que forem colocados. O governo brasileiro já deixou isso bastante claro na reunião que mantivemos com o secretário Robert Zoellick por ocasião da posse presidencial. Inclusive comunicamos que faremos a revisão dos prazos de apresentação das propostas, marcados para 15 de fevereiro, para discutir melhor com a sociedade. Ele entendeu nossa posição.

DINHEIRO ? E o que muda na forma como o Brasil conduz negociações internacionais?
AMORIM ? As negociações estão sendo muito bem conduzidas em todos os tabuleiros, como a Organização Mundial do Comércio e a Alca. Mas alguns ajustes terão que ser feitos. Por exemplo, passaremos a fazer balanços das negociações enquanto estiverem em andamento, e não somente no final. Se deixarmos a avaliação para fase conclusiva, corremos o risco de não poder dizer não, de sermos forçados a assinar ou ficar isolados nos acordos multilaterais.

DINHEIRO ? Muitos exportadores avaliam o lobby do Brasil junto ao governo americano como pífio. Como mudar essa situação?
AMORIM ? Eu vivi nos Estados Unidos e sei que é assim mesmo, tudo funciona com lobby organizado. Lobby requer custos altos, que estão fora do orçamento do Itamaraty. Já fazemos ações de lobby setorialmente, na área do aço, por exemplo. O México fez um grande lobby quando estava buscando a integração no Nafta. Foi um projeto nacional muito forte, envolvendo governo e todos os setores econômicos. Precisamos de fato intensificar os lobbies, mas ressalvo que a Alca não é um projeto nacional brasileiro como o Nafta foi para o México.

DINHEIRO ? O sr. atuou ativamente na OMC ao lado dos empresários Roberto Rodrigues e Luiz Fernando Furlan, hoje colegas de ministério. Quais a lições dessa atuação conjunta entre diplomatas e empresários?
AMORIM ? A atuação do Itamaraty só tem sentido se for embasada na convicção dos empresários. Não se pode fazer uma política comercial ditada pelo governo. Os diplomatas são especialistas em técnicas de negociação, mas não em suco de laranja, aviões ou calçados. O conteúdo, quem tem que dar é o setor produtivo. Pretendo desenvolver um esquema que permita que alguns diplomatas, inclusive jovens no início de carreira, possam fazer estágios na Fiesp, na Confederação da Agricultura e nas entidades produtivas.

DINHEIRO ? O sr., que já foi um intransigente defensor da reserva de mercado em informática, acredita que hoje a globalização seja o melhor caminho para o Brasil?
AMORIM ? Nem podemos desprezar o mercado externo nem ter uma atitude passiva diante da globalização, no sentido de que tudo o que é proposto é favorável, é bom. Estamos vendo em vários setores pontos que eram ardentemente defendidos durante a Rodada do Uruguai e que hoje são vistos de maneira mais cautelosa. Um exemplo é a patente para remédios, outro são os requisitos de performance para investimentos.

DINHEIRO ? Em termos comerciais, qual seria o melhor caminho estratégico para o Brasil: o dos tigres asiáticos, baseado nas exportações, ou o das baleias, Rússia, Índia e China, com enorme mercado interno para ser conquistado?
AMORIM ? O Brasil é, e tem que ser, a mistura do tigre e da baleia. Só que a ênfase, neste novo governo, não deve ser apenas o de abrir mercados, mas o de avançar na lista de produtos com tecnologia avançada. As nossas exportações, em sua maior parte, são em áreas em que o dinamismo do comércio internacional é decrescente e o protecionismo é grande, como produtos agrícolas e semi-elaborados. O Brasil tem como desenvolver uma indústria criativa. É o País da moda, do futebol, da música popular e do cinema. Sem falar da base tecnológica, que pode ser muito fortalecida. Precisamos vender inteligência agregada.

DINHEIRO ? O que sobra para o Brasil no contexto internacional neste momento de unilateralismo dos EUA e com a União Européia se fechando em si mesma?
AMORIM ? Você está pintando um quadro muito negro. Parece uma conversa que tive outro dia com pessoas do antigo governo. Eu disse ?Puxa, o firmamento tá negro, né??, e elas responderam brincando: ?Mas brilha uma estrela?. Temos que ver as coisas por aí. É claro que o unilateralismo americano preocupa, e freqüentemente eles têm tomado medidas que são contra as normas da OMC. O remédio é ir à OMC, discutir, brigar. Há um relativo bom retrospecto de cumprimento das decisões da OMC, até mesmo pelos Estados Unidos. Tenho achado, com satisfação, que o unilateralismo norte-americano está mais na retórica do que na prática.

DINHEIRO ? Mas até que ponto ainda sobra espaço para o Brasil brigar na OMC e outros órgãos internacionais?
AMORIM ? Se nem todas as negociações têm sido favoráveis a nós, temos que lutar para que sejam mais e mais. Mas temos que saber fazer alianças e articulações sem nenhum tipo de preconceito. Em certos assuntos estamos aliados a países como a Índia, a China e países africanos. Em outros, fechamos com a Austrália. Por vezes estamos ao lado da União Européia contra os Estados Unidos; há casos em que estamos com os americanos contra os europeus. Temos que aprender a viver num mundo de geometrias variáveis, descobrindo em cada assunto a nossa melhor aliança, e utilizá-la de forma consistente, coerente com os princípios gerais, mas sem preconceitos.

DINHEIRO ? Muitos exportadores avaliam o lobby do Brasil junto ao governo americano como pífio. Como mudar essa situação?
AMORIM ? Eu vivi nos Estados Unidos e sei que é assim mesmo, tudo funciona com lobby organizado. Lobby requer custos altos, que estão fora do orçamento do Itamaraty. Já fazemos ações de lobby setorialmente, na área do aço, por exemplo. O México fez um grande lobby quando estava buscando a integração no Nafta. Foi um projeto nacional muito forte, envolvendo governo e todos os setores econômicos. Precisamos de fato intensificar os lobbies, mas ressalvo que a Alca não é um projeto nacional brasileiro como o Nafta foi para o México.

DINHEIRO ? O sr. atuou ativamente na OMC ao lado dos empresários Roberto Rodrigues e Luiz Fernando Furlan, hoje colegas de ministério. Quais a lições dessa atuação conjunta entre diplomatas e empresários?
AMORIM ? A atuação do Itamaraty só tem sentido se for embasada na convicção dos empresários. Não se pode fazer uma política comercial ditada pelo governo. Os diplomatas são especialistas em técnicas de negociação, mas não em suco de laranja, aviões ou calçados. O conteúdo, quem tem que dar é o setor produtivo. Pretendo desenvolver um esquema que permita que alguns diplomatas, inclusive jovens no início de carreira, possam fazer estágios na Fiesp, na Confederação da Agricultura e nas entidades produtivas.

DINHEIRO ? O sr., que já foi um intransigente defensor da reserva de mercado em informática, acredita que hoje a globalização seja o melhor caminho para o Brasil?
AMORIM ? Nem podemos desprezar o mercado externo nem ter uma atitude passiva diante da globalização, no sentido de que tudo o que é proposto é favorável, é bom. Estamos vendo em vários setores pontos que eram ardentemente defendidos durante a Rodada do Uruguai e que hoje são vistos de maneira mais cautelosa. Um exemplo é a patente para remédios, outro são os requisitos de performance para investimentos.

DINHEIRO ? Em termos comerciais, qual seria o melhor caminho estratégico para o Brasil: o dos tigres asiáticos, baseado nas exportações, ou o das baleias, Rússia, Índia e China, com enorme mercado interno para ser conquistado?
AMORIM ? O Brasil é, e tem que ser, a mistura do tigre e da baleia. Só que a ênfase, neste novo governo, não deve ser apenas o de abrir mercados, mas o de avançar na lista de produtos com tecnologia avançada. As nossas exportações, em sua maior parte, são em áreas em que o dinamismo do comércio internacional é decrescente e o protecionismo é grande, como produtos agrícolas e semi-elaborados. O Brasil tem como desenvolver uma indústria criativa. É o País da moda, do futebol, da música popular e do cinema. Sem falar da base tecnológica, que pode ser muito fortalecida. Precisamos vender inteligência agregada.

DINHEIRO ? O que sobra para o Brasil no contexto internacional neste momento de unilateralismo dos EUA e com a União Européia se fechando em si mesma?
AMORIM ? Você está pintando um quadro muito negro. Parece uma conversa que tive outro dia com pessoas do antigo governo. Eu disse ?Puxa, o firmamento tá negro, né??, e elas responderam brincando: ?Mas brilha uma estrela?. Temos que ver as coisas por aí. É claro que o unilateralismo americano preocupa, e freqüentemente eles têm tomado medidas que são contra as normas da OMC. O remédio é ir à OMC, discutir, brigar. Há um relativo bom retrospecto de cumprimento das decisões da OMC, até mesmo pelos Estados Unidos. Tenho achado, com satisfação, que o unilateralismo norte-americano está mais na retórica do que na prática.

DINHEIRO ? Mas até que ponto ainda sobra espaço para o Brasil brigar na OMC e outros órgãos internacionais?
AMORIM ? Se nem todas as negociações têm sido favoráveis a nós, temos que lutar para que sejam mais e mais. Mas temos que saber fazer alianças e articulações sem nenhum tipo de preconceito. Em certos assuntos estamos aliados a países como a Índia, a China e países africanos. Em outros, fechamos com a Austrália. Por vezes estamos ao lado da União Européia contra os Estados Unidos; há casos em que estamos com os americanos contra os europeus. Temos que aprender a viver num mundo de geometrias variáveis, descobrindo em cada assunto a nossa melhor aliança, e utilizá-la de forma consistente, coerente com os princípios gerais, mas sem preconceitos.