07/11/2007 - 8:00
“Os investimentos do Gabrielli na Petrobras impressionam. São US$ 114 bilhões”
“Se os americanos atacarem o Irã, como quer o Cheney, o preço do barril dispara”
DINHEIRO ? Por que o sr. decidiu organizar um evento sobre o petróleo brasileiro em Houston, no Texas?
RUBENS BARBOSA ? Porque o Brasil hoje oferece grandes oportunidades na área de petróleo e gás. O encontro, que será realizado no dia 5 de novembro, terá a presença de dois diretores da Agência Nacional do Petróleo. Eles farão uma apresentação sobre a nona rodada de licitações da ANP, que também ocorrerá em novembro e sobre a qual já há grande expectativa. O que se espera é a presença de muitos investidores do Brasil e de fora.
DINHEIRO ? Há tanto potencial assim no Brasil?
BARBOSA ? Certamente. Há algumas semanas, participei de uma reunião na Fiesp com o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, e fiquei impressionado. A Petrobras irá investir US$ 114 bilhões em quatro anos ? e isso faz diferença. O que eu pretendo é demonstrar aos investidores americanos as oportunidades de negócios que estão se abrindo no Brasil. Lá, além das palestras, nós iremos marcar reuniões com companhias americanas que tenham interesse nessa área. E também estamos levando empresas brasileiras que nos contrataram, como a Ecman e a Lentz, que já têm relação com a Petrobras, para ajudálos a conseguir parceiros americanos.
DINHEIRO ? O Brasil pode vir a ser um dos grandes exportadores de petróleo?
BARBOSA ? Na verdade, o Brasil exporta gasolina, mas ainda estamos importando petróleo. De todo modo, quando as novas reservas forem exploradas e as plataformas entrarem em funcionamento, o Brasil irá produzir 2,5 milhões de barris/ dia. Com isso, já estaremos entre os dez maiores produtores e exportadores do mundo, sem fazer parte da Opep.
DINHEIRO ? O sr. acha que o Brasil pode sonhar com uma vaga nessa organização?
BARBOSA ? Claro que sim. Eu defendo essa tese. E a importância de estar num grupo desses é fazer parte do jogo, acompanhando de perto as discussões. O fato novo é que o Brasil está descobrindo bacias importantes de petróleo e gás não apenas offshore, nas áreas marítimas, como também onshore, na parte terrestre. E hoje existem poucas áreas novas no mundo. Existe o Golfo do México, a costa brasileira, a costa africana, com Angola sobretudo, e o Mar Cáspio. O Brasil está no mapa e é uma das principais fronteiras de expansão do petróleo no mundo. Hoje, estamos presenciando uma grande mudança na geopolítica do petróleo.
DINHEIRO ? Como assim?
BARBOSA ? A indústria petrolífera está passando por uma grande transformação pela crescente participação de empresas de países emergentes no jogo, como a PetroChina e a própria Petrobras. Aquela história de ?sete irmãs? virou coisa do passado. Nesse novo contexto, a alta dos preços teve uma conseqüência importante. Como os emergentes estão com a maior parte das reservas, tendo 21 das 25 maiores áreas, aumentou muito o poder relativo das empresas desses países. Hoje, os países desenvolvidos têm apenas 8% das reservas e enfrentam problemas de acesso às fontes tradicionais de óleo e gás.
DINHEIRO ? Isso em função de barreiras nacionalistas?
BARBOSA ? Em geral, sim. Há problemas no Sudão, na Bolívia, no Equador, na Venezuela e em muitos outros países. Seja em função de guerras, seja por mudanças na legislação. Hoje, os países desenvolvidos consomem mais da metade do petróleo mundial, mas produzem apenas um quarto. É por isso que os Estados Unidos e a Europa têm procurado fontes alternativas. Com isso, o que se desenha é uma nova geopolítica, na qual o Brasil está inserido não só pelo petróleo como também pelo etanol.
DINHEIRO ? No Brasil, o álcool deve ultrapassar a gasolina em poucos anos. Isso abre espaço para que o Brasil se torne ainda mais exportador? BARBOSA ? As previsões do etanol são um pouco otimistas demais. O Brasil terá um grande mercado de consumo de álcool, assim como os Estados Unidos. Hoje, nós somos os dois maiores produtores. Nós, com a cana; eles, com o milho. Mas, no resto do mundo, o etanol é uma promessa ainda. Primeiro, porque o mercado americano está fechado para o Brasil.
DINHEIRO ? Mas o presidente George W. Bush, aparentemente, colocou o etanol no centro da discussão energética americana.
BARBOSA ? Se esse programa, que prevê a redução dos combustíveis fósseis em 20% até 2022, vier a ser implementado, eles vão precisar de 140 bilhões de litros. Aí sim o Brasil poderá ser um grande fornecedor de etanol. Mas isso não é para já, mas sim a médio prazo.
DINHEIRO ? E é nisso que os investidores apostam.
BARBOSA ? Faz parte do jogo econômico. Mas o etanol no mundo inteiro vai entrar por decisão de governos. Será um aditivo, e não um substituto ao petróleo. Os países podem adicionar 2%, 5%, 10% ou mais à gasolina. Mas não eliminarão o petróleo.
DINHEIRO ? A expansão da produção de petróleo pode permitir o aprofundamento das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos? BARBOSA ? Não creio. Vejo a questão mais pelo ângulo econômico do que diplomático. Países como Irã, Rússia e Venezuela continuarão a ser aqueles com grandes excedentes. Só a Venezuela exporta 15% do que os Estados Unidos compram fora. O Brasil irá produzir mais petróleo, mas o consumo interno também deve avançar muito.
DINHEIRO ? Mas o etanol tem aproximado os dois países.
BARBOSA ? Sim e não. Aquela tarifa americana em cima do etanol brasileiro, de 54 centavos por galão, é um fator até de atrito entre nós. Isso não mudará nada. Aliás, mudou para pior. O Congresso americano havia aprovado uma legislação restritiva até 2009. Agora, com a corrida eleitoral, eles estenderam a proteção até 2010. Lá, existe uma reserva de mercado porque uma grande empresa americana, a ADM, fecha o acesso ao etanol brasileiro.
DINHEIRO ? E o que o Brasil deve fazer?
BARBOSA ? Deve continuar trabalhando no sentido de fazer com que o etanol se transforme numa commodity. A idéia da Petrobras de se associar à Mitsui para garantir o fornecimento ao Japão é muito positiva. Mas o Brasil deve fazer antes duas coisas. Primeiro, investir em infra-estrutura, no alcoolduto. Segundo, garantir o suprimento. A lei brasileira, por exemplo, prevê que a prioridade é o mercado doméstico, o que desestimula a exportação. Tudo isso tem de ser visto.
DINHEIRO ? Independentemente disso, como o sr. vê a ?diplomacia do etanol?, que vem sendo conduzida pelo Itamaraty?
BARBOSA ? O Lula está continuando aquilo que no governo Fernando Henrique se chamava de diplomacia presidencial. Eles só aboliram o termo. Mas o fato é que o Brasil hoje está cada vez mais inserido na globalização. O etanol é uma boa bandeira, porque é um assunto politicamente correto, em função das emissões de carbono, mas falta ainda criar o mercado global. Ou seja: o discurso é bom, mas a concretização é difícil. O Lula tem outras bandeiras positivas, como a própria abertura comercial na Rodada Doha.
DINHEIRO ? Na questão de Doha, o Brasil é constantemente apontado como um entrave. Isso procede?
BARBOSA ? De maneira alguma. O Brasil é o país que mais tem feito força para que a Rodada Doha avance. Estão apenas querendo encontrar um bode expiatório e vão nos culpar se esse negócio não for adiante. Mas o Lula e o Celso Amorim têm se esforçado muito.
DINHEIRO ? Falando de diplomacia, como o sr. vê a possível inclusão da Venezuela no Mercosul?
BARBOSA ? Falando de Venezuela, e não de Hugo Chávez, existe uma cooperação crescente com o Brasil, principalmente entre a PDVSA e a Petrobras. Há o plano da refinaria em Pernambuco, os possíveis investimentos brasileiros no Orinoco e a distribuição conjunta no Sul do Brasil. Além disso, a Venezuela é hoje um grande mercado e o nosso comércio com eles já é próximo a US$ 4 bilhões, com grande participação das empresas de serviços.
DINHEIRO ? As empresas querem a Venezuela no bloco.
BARBOSA ? Lógico, mas para fazer parte de um clube é preciso antes negociar a sua entrada. Os países que ingressaram na União Européia em 2005 tiveram de negociar mais de cinco anos. Aqui, depois do protocolo de adesão da Venezuela, é preciso negociar em termos técnicos. E surgiram dificuldades porque o Chávez começou a atacar o Congresso brasileiro, que é quem precisa aprovar. Depois disso, foi a Venezuela quem suspendeu as negociações e, desde março, eles não se reúnem com o Mercosul. O Brasil vem tendo boa vontade, mas talvez o desinteresse esteja do lado de lá.
DINHEIRO ? Mas, para o Brasil, ter um sócio tão polêmico seria positivo? BARBOSA ? É preciso separar duas coisas. Para a economia e o comércio, certamente seria muito importante. Agora, há um aspecto político que não pode ser ignorado. Dias atrás, o Congresso venezuelano aprovou reformas constitucionais que mudam até o sistema de propriedade privada. Lá, haverá cinco tipos distintos de propriedade. Por exemplo, como ficam as empresas brasileiras? Surgiram muitas incógnitas. E tudo isso deve ser examinado sem paixão política.
DINHEIRO ? Olhando o cenário global, o ambiente é mais ou menos seguro?
BARBOSA ? Se as perspectivas de ataque ao Irã se confirmarem, como dizem muitas analistas americanos, o petróleo certamente passará de US$ 100.
DINHEIRO ? O sr. crê nessa possibilidade?
BARBOSA ? Há uma incerteza grande. O que se diz é que o Departamento de Estado americano é contra e que o vicepresidente Dick Cheney é a favor. No caso do Irã, seria uma guerra diferente da que ocorreu no Iraque. Fala-se num ataque preventivo às instalações nucleares, sem ocupação, que poderia ocorrer antes das eleições. Mas o Irã tem o apoio de Rússia e China. Além disso, não há uma iminência de Teerã adquirir a bomba atômica.
DINHEIRO ? No livro recém-publicado, o ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, disse que a guerra do Iraque se deu por petróleo. O sr. concorda?
BARBOSA ? Foi uma soma de fatores. Juntaram vários motivos, mas o fator estratégico que moveu os Estados Unidos foi a decisão de colocar um pé numa das maiores fontes de petróleo do mundo. Disso não há dúvida.