26/03/2008 - 7:00
DINHEIRO ? No ano passado, as vendas das associadas da Abeiva cresceram 111%. E este ano?
GANDINI ? No ano passado tivemos um bom crescimento, impulsionado pelo crédito farto no mercado, mas a nossa base também estava baixa. Em 2006, as vendas da BMW, Ferrari, Kia Motors, Maserati, Porsche e Ssangyong somaram 5.894 unidades. Com o crescimento de 111%, fomos para 12.491 unidades. É muito pouco. Para este ano, só a Kia deve quase triplicar as vendas, com a expectativa de saltar de 9 mil para 24 mil unidades. Vamos ter um bom ano.
DINHEIRO ? De onde vem o impulso?
GANDINI ? O Brasil caiu nas graças do mundo. Muita gente criticou o Lula, mas ele conseguiu atrair investimento externo. A inflação está controlada, a segurança do consumidor está em alta. Tem dinheiro no Brasil e isso ajuda nos negócios. Como brasileiro, sempre acreditei no Brasil. Agora todos acreditam. Ninguém mais nos segura.
?Fui à China e não vi carro chinês. Se eles não acreditam no produto, como vamos acreditar??
Veículos de multinacionais e chineses em avenida na China
DINHEIRO ? E o dólar? O câmbio favorável não está contribuindo para o crescimento das vendas?
GANDINI ?Hoje, apesar do dólar fraco, o setor de importados sofre com os acordos comerciais assinados pelo ex-ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. Enquanto nós pagamos 35% de imposto, muitas montadoras trazem veículos do México sem pagar nenhuma taxa. Isso é concorrência desleal. A Ford, por exemplo, traz o Fusion do México sem impostos. Nós trazemos o Magentis com 35%. O Fusion custa R$ 82 mil e o nosso custa R$ 65 mil. Imagine quanto a Ford está ganhando? Se não está ganhando, está pagando mais caro, fazendo com que o México fique no lucro.
DINHEIRO ? Qual a saída, então?
GANDINI ? Criação de cotas. Esse sistema já funcionou no passado.
DINHEIRO ? Por que foi interrompido?
GANDINI ? Até o ano 2000, nós tínhamos uma cota para importar veículo com desconto nas taxas de importação. De uma alíquota de 35%, pagávamos 20%. A promessa era reduzir a alíquota integralmente, mas o governo voltou atrás e voltamos a pagar os 100%. No dia 1o de janeiro de 2001, acabou a cota. Em seguida houve a supervalorização do dólar. Perdemos muito dinheiro. Dos planos de vender 21 mil carros, fomos para 3,7 mil em 2003. De repente, o mercado parou. Teve distribuidor que quebrou.
DINHEIRO ? O sr. tem ido a Brasília pleitear redução de imposto? GANDINI ? Essa é a minha bandeira na Abeiva. Mas hoje, com o dólar a R$ 1,75 o governo não quer saber de falar sobre redução de imposto de importados. Eles dizem que não há o que reclamar. Ainda assim, defendemos que a alíquota precisava ser mais racional.
DINHEIRO ? Mas a eliminação de impostos não pode escancarar as portas do mercado para produtores da China ou Índia?
GANDINI ? Não acredito. A qualidade do produto chinês é questionável. Estive na China e não vi carro chinês na rua. O carro que mais vi foi o Santana, da Volkswagen. Uma guia me disse que o próprio chinês não acredita na qualidade do produto chinês. Se nem eles acreditam no produto que fabricam, como nós vamos acreditar?
DINHEIRO ? Franco Macri, empresário uruguaio, quer trazer a Cherry para o Brasil. Ele procurou a Abeiva?
GANDINI ? Não. A única empresa chinesa que nos procurou foi a Effa Motors, que pediu orientacão sobre a documentação para se associar à Abeiva. Eles querem entrar no Brasil com a importação de um compacto e de um utilitário esportivo.
DINHEIRO ? E a Índia?
GANDINI ? A Mahindra já chegou ao Brasil. Eles construíram uma fábrica para montar produtos em Manaus. A logística deles é complicada e não houve aproximação com a entidade.
DINHEIRO ? Durante o Salão Internacional do Automóvel em 2004, o sr. chegou a anunciar a intenção de construir uma fábrica no Brasil para a construção do Bongo, um pequeno caminhão. O que aconteceu?
GANDINI ? É uma história complicada. Naquela época havia duas marcas, a Kia e a Asia Motors, com logotipos idênticos. A Asia Motors prometeu ao governo brasileiro construir uma fábrica na Bahia e, dentro do que determina a lei, passou a importar sem pagar imposto. Como não montou a fábrica, ficou com uma dívida que hoje está avaliada em US$ 900 milhões. A Asia Motors e a Kia foram vendidas para o Grupo Hyundai na Coréia, e a dívida foi junto. Só que o Grupo Hyundai queria construir uma fábrica no Brasil e propôs trocar o perdão da dívida pela tal unidade fabril. Eles estão conversando com o governo. Nesse processo, no entanto, o nosso projeto foi embargado pelos coreanos. Está guardado.
DINHEIRO ? O sr. ainda tem o desejo de construir a fábrica?
GANDINI ? Sem dúvida. Só que ainda há a possibilidade de a Kia e a Hyundai construírem uma fábrica no Brasil. Aí fica complicado. Jamais vou competir com o meu fabricante. O chairman da Kia esteve no Brasil no ano passado e reuniu-se com o então presidente do Senado, Renan Calheiros, para anunciar a intenção da fábrica para construir os modelos das duas marcas, Kia e Hyundai. Eles produziriam e nós distribuiríamos. Nós, os modelos Kia, e o Caoa (Carlos Alberto Oliveira), os carros da Hyundai. Ainda sonho em construir uma fábrica no Brasil.
DINHEIRO ? A fábrica produziria quais produtos?
GANDINI ? Carros compactos com motor 1.6. Os demais modelos continuariam sendo importados.
DINHEIRO ? Recentemente, a Kia publicou anúncios em mídia impressa sobre os riscos de se comprar importados que não tenham peças de reposição…
GANDINI ? Quem compra importado sem peça de reposição tem pelo menos um parafuso a menos.
DINHEIRO ? Para quem é o recado?
GANDINI ? Para ninguém. Só acho que o consumidor, antes de comprar um importado. Tem que perguntar se existe peça de reposição. Tem que conhecer o importador. Existem problemas sérios de importados que são vendidos no Brasil, sem uma estrutura que garanta a reposição de peças em um prazo adequado para o consumidor. Não vou dizer nomes. O que posso garantir é que a Kia tem o maior estoque de peças de reposição entre os importados no Brasil. Falo isso de boca cheia. São mais de 67 mil itens e R$ 50 milhões em estoque.
DINHEIRO ? O sr. falou em problemas de reposição. Quais importados podem ser uma armadilha para o consumidor?
GANDINI ? O importante é o consumidor buscar informações sobre se o importador é associado a alguma entidade… Tem que levantar a vida do importador para saber com quem se está lidando.
DINHEIRO ? E produto? Há alguma falta no mercado?
GANDINI ? De maneira geral, não há desabastecimento de importados. Na Kia, estamos com alguns problemas. O Picanto, o menor carro vendido no Brasil com câmbio automático, foi beneficiado com uma redução de impostos na Coréia e seu volume de vendas ficou dez vezes acima do esperado. De um pedido de 780 unidades, vieram para o Brasil 250. Faltou produto e perdemos muito mercado.
?Os acordos de livre comércio iniciados por Furlan causaram uma concorrência desleal no Brasil?
Luiz Fernando Furlan, exministro do Desenvolvimento
DINHEIRO ? A situação está resolvida?
GANDINI ? Eles estão investindo. É uma fase de acomodação como tivemos com o Sportage. A Europa ficava com tudo. No ano passado eu recebi 30 unidades. Como eu ia competir com o nosso concorrente? Nesse mês de janeiro foi a primeira vez que recebemos 1,5 mil unidades. Demanda existe e agora há produtos.
DINHEIRO ? E agora, o Sportage pode superar o Tucson, da Hyundai? GANDINI ? Não sei se supera o Tucson. Os produtos são iguais. São produzidos pelo mesmo grupo. A parte mecânica é a mesma. A diferença está no design. Sem produto não tínhamos como investir em mídia, agora vamos recuperar o que perdemos.
DINHEIRO ? A Kia começou o ano com uma estratégia de marketing bastante agressiva, como raras vezes aconteceu. É um reflexo de um mercado de importados mais promissor?
GANDINI ? Existem fases nos negócios. No passado, a Besta era o nosso carro-chefe e nossa rede, com 98 revendedores, era montada para vender utilitários e só. Não tínhamos produtos. Depois da estatização da marca na Coréia, o portfólio da empresa foi mudando. Começamos a produzir carros mais caros e sofisticados, até que em 2004 paramos de produzir a Besta. Nossa rede no Brasil não se encaixava no novo reposicionamento da companhia. Não havia instalações adequadas aos novos produtos nem conhecimento de como vendê-los. Foi preciso descredenciar boa parte dos concessionários e reestruturar a rede. São Paulo foi nosso calcanharde- aquiles. Ficamos sem revendedor.
DINHEIRO ? Com a reestruturação, a Kia deve puxar o mercado de importados neste ano?
GANDINI ? Recentemente, nosso concorrente fez um anúncio mostrando que ele tinha 54% de participação em São Paulo, enquanto nós tínhamos 0,2%. Isso quando não tínhamos produto. Bastou a primeira remessa chegar e o anúncio dele passou a mostrar 40,4% do mercado para eles e 4,7% para o Sportage. Veja quanto caiu o deles e quanto cresceu o nosso. Agora, quero ter 54% de participação e em um mercado crescente.