20/10/2004 - 7:00
O movimento já foi ensaiado outras vezes, mas agora há indícios de que é para valer. Aos 74 anos de idade, o multibilionário George Soros finalmente parece ter desistido da vida de investidor para se dedicar em tempo integral a uma atividade antiga, a filantropia, e a uma paixão recém-adquirida, a política. Após anos de tentativas frustradas de firmar executivos profissionais na chefia da Soros Fund Management, Soros decidiu que é hora de por à prova seu filho mais velho, Robert, um introvertido bacharel em literatura inglesa que, ao contrário do pai, detesta publicidade e não se deixa fotografar. Aos 41 anos de idade, Robert Soros está assumindo a administração do mítico Quantum Fund, coração e alma do império financeiro de US$ 13 bilhões da família. A solução caseira põe na mesa as cartas da sucessão e libera o Soros pai para um mergulho mais profundo nas águas da política americana. Ao longo do último ano, o financista húngaro que enfrentou e venceu um punhado de bancos centrais na última década dedicou a maior parte de seus dias a uma cruzada digna de Dom Quixote contra a reeleição de George Bush. Até o dia 2 de novembro, data das eleições americanas, Soros terá gasto quase US$ 25 milhões de seu bolso em doações para grupos políticos independentes anti-Bush. Mais do que eleger o democrata John Kerry, a ambiciosa meta do investidor é nada menos que lançar as bases para uma nova esquerda americana.
Com objetivos desta magnitude em mente, Soros compreensivelmente distanciou-se do dia-a-dia de sua firma de investimentos ? e, percebe-se agora, abriu espaço para a ascensão do discreto primogênito. ?Robert é uma pessoa muito competente e equilibrada?, revela o economista Armínio Fraga, que geriu hedge funds em países emergentes para Soros de 1993 até assumir a presidência do Banco Central brasileiro, em 1999. Hoje no comando da Gávea Investimentos (que, segundo especulações do mercado financeiro, recebeu grandes aplicações do próprio Soros), Fraga lembra que Robert começou sua carreira na firma na área de aplicações de longo prazo e galgou posições até chegar a vice-presidente da Soros Fund Management, onde participa da estratégia de investimentos ? com um estilo considerado mais conservador que o do pai. O ex-presidente do BC nega que o ex-patrão seja uma figura centralizadora ou personalista, mas diz que, mesmo à distância, Soros nunca abandonou realmente a administração dos negócios. ?Pelo menos naquela época, ele se envolvia na firma como um chairman?, relembra.
Soros sempre disse que Robert teria de mostrar seu valor antes de assumir o comando da companhia e, eventualmente, sucedê-lo. Ao que tudo indica, chegou a hora da prova de fogo. O fundo Quantum, que sozinho tem patrimônio de US$ 8,5 bilhões, só registrou rentabilidade de 0,2% nos primeiros nove meses do ano ? uma evolução bem inferior à média de 1% obtida pelos fundos americanos da sua categoria. Pior: desde o início de 2000, cinco executivos já assumiram e deixaram o comando do Quantum. O último deles foi Jacob Goldfield, ex-estrela da Goldman Sachs que abandonou o grupo de Soros em setembro para criar seu próprio fundo de hedge. Se esquentar esta cadeira e apresentar resultados diferentes dos obtidos recentemente, Robert tem tudo para transformar a família Soros no que se costuma chamar de dinastia. Do contrário, a sobrevivência da grife financeira que um dia abalou o Banco da Inglaterra estará seriamente ameaçada.