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Quem é: José Eugênio Farina O que faz: comanda a Todeschini, maior empresa de móveis do Brasil Número de lojas: 360 Faturamento: R$ 298 milhões

O que você faria se a fábrica que lhe pertence pegasse fogo, queimando todo o seu patrimônio? O que diria se um de seus funcionários enganasse os clientes para vender mais? E se, ao comprar um fogão, descobrisse que não há distribuição de gás onde mora? Se alguém lhe oferecesse um grande negócio, mesmo sem você ter capital, apostaria todas as suas fichas? Quatro grandes empreendedores acharam uma maneira inteligente para responder a essas questões na prática. Encontraram na adversidade uma oportunidade e, como diz o ditado popular, transformaram os limões que tinham nas mãos em limonada. DINHEIRO conversou com eles para tentar descobrir a mágica por trás de suas ações. Afinal, do zero, ergueram impérios. José Eugênio Farina, de 83 anos, criou a Todeschini, uma das maiores fábricas de móveis da América Latina, com vendas anuais de R$ 298 milhões. Luiz Gama Neto, de 62 anos, fundou a CNA, rede de escolas de inglês com 456 unidades e faturamento de R$ 345 milhões. Ueze Zahran montou a Copagaz, engarrafadora e distribuidora de gás de cozinha que teve uma receita de R$ 1,2 bilhão no ano passado. Miguel Krisgner, de 58 anos, deu vida ao O Boticário, uma gigante da cosmética com 2.465 lojas e vendas anuais de R$ 677 milhões. Saiba como eles chegaram lá.

O FÊNIX DE BENTO GONÇALVES
Corria o ano de 1971 quando o gaúcho José Eugênio Farina resolveu aproveitar uma oportunidade que caía em suas mãos. Até então acionista de uma metalúrgica, surgia a chance de comprar uma fábrica de acordeões que necessitava de capital para ganhar mercado. Farina não titubeou. ?Vendi a minha parte na metalúrgica e todos os meus outros bens?, diz ele. ?Só fiquei com a casa onde morava e ainda peguei empréstimo no banco.? Tornou- se dono da Todeschini, empresa com 540 funcionários, e iniciou a dura missão de combater a concorrência das guitarras elétricas, difundidas pelos Beatles. Mas não deu tempo para pôr nenhum plano de gestão em prática. Cinqüenta e um dias depois de assumir a fábrica, ela pegou fogo. ?O seguro não dava para pagar nem os salários dos funcionários. Da noite para o dia, fiquei pobre, cheio de dívidas e sem dinheiro?, diz Farina. Uma situação que deixaria qualquer um arrasado. A partir da tragédia, entretanto, ele ergueu uma potência. Como?

A Todeschini que fabricava acordeões queimou numa sexta-feira, dia 13 de agosto de 1971. No dia seguinte, a Prefeitura de Bento Gonçalves cedeu a Farina um espaço em um pavilhão onde acontecia a Feira Nacional do Vinho (Fenavinho). O empresário teve de pensar em uma saída rápida. Percebeu que lutar contra o quarteto de Liverpool seria quase impossível e, então, mudou o foco de seus negócios. ?Como os meus funcionários eram artesãos, resolvi fabricar móveis?, explica. Na segundafeira seguinte ao sinistro, partiu para Porto Alegre, se endividou ainda mais e comprou todo o maquinário necessário para iniciar o negócio. Deu certo. Hoje, a Todeschini conta com 700 funcionários, tem 360 lojas e faturou R$ 298 milhões no ano passado. ?Tem gente que diz que o que aconteceu comigo foi a grande oportunidade?, diz Farina. ?Na verdade, foi a maior lição da minha vida. Passei a dar mais valor ao complemento humano, me tornei uma pessoa mais simples e maleável.?

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A ENGANAÇÃO QUE VIROU NEGÓCIO
Otelefone não parava de tocar e Luiz Gama Neto, representante de uma editora de livros de inglês em Porto Alegre, atendeu prontamente. Do outro lado da linha, encontravase uma cliente que havia comprado a coleção de quatro livros, 16 apostilas e quatro LPs de inglês de um dos vendedores da empresa de Gama. ?Ela exigia as aulas de inglês grátis que o meu funcionário tinha prometido só para vender o livro?, diz ele. ?Fiquei furioso com o vendedor, pois ele havia mentido para a cliente, e, no primeiro momento, pensei em demiti-lo.? Depois, porém, Gama parou para refletir e fez as contas. O tal vendedor comercializava uma média de 15 livros por dia, enquanto os outros apenas três. Na ponta do lápis, valia a pena contratar uma professora para ministrar aulas e vender o pacote dessa forma. Em 1974, o primeiro ano que instituiu a tática de venda, a empresa de Gama comercializou cinco mil exemplares ? um salto de 500% em relação ao ano anterior. Com o tempo, mais e mais livros eram vendidos e viu-se a necessidade de aumentar o programa. ?Em 1975, dávamos 24 aulas e, em 1976, passamos a ministrar 36 aulas.?

Com 1,6 mil alunos, Gama resolveu fazer uma festa de fim de ano. ?Quando vi aquela quantidade de gente reunida resolvi montar uma escola de inglês.? Nascia a Cultural Norte Americana (CNA). Gama inaugurou um ponto em Porto Alegre e, dali, partiu para Curitiba, Londrina, Campinas e outras cidades do País, até acumular dez unidades em 1981. Naquele ano, contratou uma professora de inglês para criar livros com uma metodologia própria para a escola. Não demorou para chamar atenção e ele abrir a primeira franquia, em Charqueado, no Rio Grande do Sul. Atualmente, Gama possui apenas uma escola. ?Das últimas cinco que eu tinha, vendi quatro na semana passada?, revela. Dono da empresa, ele passou a ser o gestor da rede com 456 unidades e faturamento de R$ 345 milhões. Detalhe: Gama não fala inglês.

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Aos 13 anos de idade, o descendente de libaneses Ueze Zahran trabalhava no pequeno bar que pertencia à família, no centro de Campo Grande, naquela época ainda capital do antigo Estado de Mato Grosso. Um dos seis filhos do casal Elias e Laila Zahran, ele teve sua primeira decepção quando o pequeno comércio da família teve de ser fechado devido às condições precárias do prédio onde estava instalado. ?Foi nessa época que eu vi a necessidade de atender a minha família?, diz Zahran. Falou com um amigo caixeiro-viajante e partiu para o garimpo Fala Verdade, a 100 km de Campo Grande, para ver o que poderia vender para as pessoas da região. ?Só vi pobreza e voltei para a capital com a certeza de que a solução seria ir para São Paulo.? Nesse meio tempo, por volta de 1942, seu pai, Elias, arrendou uma padaria e, com o passar dos anos, comprou uma torrefadora de café. O negócio ainda era pequeno, mas prosperava. Ele, entretanto, ainda tinha em mente que o sucesso estaria em São Paulo. E, de certa forma, estava.

Quem é: Ueze Zahran O que faz: lidera a Copagaz, uma das maiores empresas de gás de cozinha do País Número de produção: 500 mil toneladas Faturamento: R$ 1,2 bilhão

FOGÃO PARA A MÃE, GÁS PARA ELE

Em 1954, sua mãe foi à capital paulista visitar familiares e conheceu o fogão a gás. Voltou para Campo Grande e pediu um aparelho daquele para o filho. ?Comprei e quando vi a felicidade nos olhos dela imaginei milhões de mães com aquela mesma sensação?, diz Zahran. O fogão, entretanto, trouxe um problema. Não existia distribuição de gás na região. Eis a grande chance que Zahran enxergou. Logo depois, viajou para São Paulo para tentar uma representação para distribuição de gás e se reuniu com o executivo de uma empresa. No fim da reunião, perguntou- lhe quanto pesava um botijão de gás. ?O homem não sabia?, se espanta Zahran. ?Aí vi que também podia engarrafar gás?, explica. Batalhou uma licença com o governo e, em 1955, inaugurava a Copagaz. A companhia transformou-se em uma potência que hoje produz 500 mil toneladas de gás de cozinha por ano e tem um faturamento de R$ 1,2 bilhão.

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Recém-formado em farmácia, Miguel Krisgner, então com 27 anos, resolveu que teria o próprio negócio. Aplicou todas as suas economias em uma pequena farmácia de manipulação, no centro de Curitiba, batizou-a de O Boticário e abriu as portas em 1977. ?Dependia exclusivamente das receitas dos médicos?, diz Krisgner. ?Com o tempo, percebi que o crescimento era limitado.? Ele, porém, notou que podia tirar proveito do negócio de outra maneira. Como vendia produtos que demoravam para ser feitos, os clientes costumavam ficar na sala de espera. Ao mesmo tempo, começou a estudar o mercado de cremes, pois os importados que chegavam ao Brasil eram muito gordurosos. Bingo! Iniciou a produção de cremes artesanais e colocou-os em exposição na farmácia. ?Preparava os cremes de algas marinhas, de colágeno e hidratantes com uma batedeira Walita que a minha irmã tinha ganhado de casamento?, revela Krisgner. O esforço compensou. Não demorou para a propaganda do boca a boca tornar os cremes de Krisgner famosos.

Quem é: Miguel Krisgner O que faz: é presidente do O Boticário, gigante do setor de cosméticos Número de lojas: 2.465 Faturamento: R$ 677 milhões

OS FRASCOS MUDARAM SUA VIDA

A grande oportunidade, entretanto, surgiu por acaso. Krisgner estava em São Paulo visitando fornecedores quando o amigo que ia levá-lo à rodoviária perguntou se poderia passar na Gessy Lever para resolver um problema. ?Fui com ele e esperei na recepção?, diz Krisgner. Ali, sentado à espera do amigo, um senhor puxou papo perguntando o que ele fazia. Krisgner disse que trabalhava com cosmética e o homem, que coincidentemente era vendedor de uma empresa de vidros, disparou: ?Você não quer comprar alguns frascos?? E emendou explicando que o apresentador Silvio Santos tinha encomendado as embalagens, pois iria montar uma empresa de cosméticos. No meio do caminho, ganhou a concessão para o canal TVS e deixou o projeto de lado. Ao escutar a história, Krisgner permaneceu em São Paulo e, no dia seguinte, foi ver os frascos em um galpão no bairro de Vila Guilherme. ?Eram 65 mil vidros de perfume, 20 mil de xampu e 15 mil de creme?, revela. Ao olhar aquela quantidade enorme, Krisgner pediu um pouco de cada. ?Mas ele me disse que era tudo ou nada.?

O dono da pequena farmácia O Boticário se viu em um dilema. A oportunidade que surgia era ótima, mas ele não tinha capital. O preço de todos os frascos era US$ 40 mil e a sua farmácia faturava apenas US$ 4 mil por mês. Tomado por um impulso, Krisgner fez uma proposta. ?Disse que levava se pudesse pagar em dez vezes.? O executivo topou com a condição de que Krisgner pagasse o frete até Curitiba. Negócio fechado. O primeiro problema estava resolvido, mas o segundo estava na sua frente. Afinal, o que fazer para vender os frascos e conseguir pagar as dívidas? ?Na hora pensei em vender perfume?, explica. Simultaneamente, surgiu a chance de abrir uma loja no aeroporto de Curitiba. ?Fui o único que fez proposta na licitação. Ninguém queria abrir farmácia no aeroporto porque só vendia Engov?, diz Krisgner. A sorte estava lançada e Krisgner ainda não tinha o produto para pôr no frasco. Viajou para São Paulo e conheceu uma perfumista que estava desenvolvendo uma fragrância. ?Ainda não estava pronta, mas encomendei mesmo assim. Tinha urgência.? E foi dessa forma que surgiu o Acqua Fresca, fenômeno que atingiu 45 milhões de frascos vendidos nos últimos 20 anos e deu musculatura ao O Boticário. Hoje, a pequena farmácia de Krisgner se tornou uma potência com 2.465 lojas e faturamento de R$ 677 milhões. Além de muito trabalho, cabe a pergunta. Foi sorte ou oportunidade? ?Acho que sorte e também a sensibilidade de enxergar a oportunidade?, afirma Krisgner.

Quem é: Luiz Gama Neto O que faz: preside a CNA, rede de escolas de inglês Número de escolas: 456 Faturamento: R$ 345 milhões