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Em março, teremos a cimeira da maturidade. Não precisamos dar espetáculo


 

 

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“Trabalhamos para facilitar as relações entre o Mercosul e a União Européia”

 

 

DINHEIRO ? Qual é o papel do Brasil na expansão comercial portuguesa?
António GUTERRES ?
Quando tomei posse, minha intenção era transformar o Brasil na grande prioridade do nosso relacionamento exterior. Até então, as relações entre Brasil e Portugal estavam baseadas na saudade e em aspectos culturais. Com a redefinição das prioridades na área comercial, o desenvolvimento foi assombroso. Basta dizer que, nos últimos dois anos, Portugal foi o terceiro maior investidor estrangeiro no Brasil. O que, dada a dimensão de Portugal, que tem 10 milhões de habitantes, é de fato muito significativo. Portugal distina ao Brasil cerca de 40% do seu investimento externo.

DINHEIRO ? E essa opção de investir no Brasil vai continuar sendo uma orientação do governo?
GUTERRES ?
Seguramente. Além de grandes empresas que entraram em setores estratégicos como telecomunicações, distribuição ou indústria de cabos elétricos, muitas pequenas e médias estão querendo fazer o mesmo. O movimento tem tal dimensão que hoje já não é preciso nenhum impulso político.

DINHEIRO ? Que novos grupos querem vir para o Brasil?
GUTERRES ?
A principal característica desses investimentos mais recentes é que eles são muito diversificados. Envolvem áreas que vão desde novas tecnologias, indústria até serviços. Mas há muitos outros. Por exemplo: há uma empresa portuguesa de embalagens, que foi bastante inovadora por aqui, cujos diretores recentemente me procuraram para dizer que vão investir no Brasil. É um setor que ninguém se lembraria. Isso mostra que Portugal olha o Brasil como destino prioritário para sua internacionalização em todos os aspectos.

DINHEIRO ? Muito desse interesse também não está respaldado no fato de as companhias terem bons lucros no País?
GUTERRES ?
Na verdade, a maior parte das empresas ainda está numa fase de consolidação dos investimentos. Como quase todas querem continuar crescendo no Brasil, elas estão reinvestindo seus ganhos por lá mesmo. É uma opção estratégica. Isso porque, nesse mundo global, é necessário que as empresas operem em mercados cujos volumes sejam significativos. Como o mercado português é muito pequeno, e não dá margem para essa estratégia, a opção de expansão é o Brasil.

DINHEIRO ? Apesar de o Brasil se encontrar há alguns anos dentro uma relativa estabilidade econômica, os investidores ainda aconselham certa cautela. Concentrar a expansão portuguesa só no Brasil não é um pouco arriscado?
GUTERRES ?
A opção estratégica pelo Brasil foi feita em meio ao êxito do Plano Real e da estabilidade política dada pelo presidente Fernando Henrique. Quando ocorreu a última crise financeira, que culminou com a desvalorização da moeda, não tivemos dúvidas em reafirmar nossa opção e nossos interesses no País. Deixamos claro que o Brasil era para nós um destino estratégico. Que não estávamos interessados apenas no lucro fácil ou momentâneo. Decidimos que, mesmo com algumas dificuldades que possam aparecer no futuro, o Brasil será, seguramente, uma das grandes potências econômicas.

DINHEIRO ? Pode-se esperar, então, a entrada do capital português, nas novas privatizações do Estado brasileiro, entre elas a do setor elétrico?
GUTERRES ?
Com certeza. Além de investimentos no setor elétrico, empresas como a EDP (que recentemente adquiriu a Empresa Bandeirante de Energia por US$ 1 bilhão) devem repetir no Brasil a linha de diversificação de investimentos que já estão fazendo em Portugal. Aqui em Portugal, por exemplo, a EDP está se tornando um grande operador de telecomunicações também.

DINHEIRO ? Esse bom relacionamento entre os dois países pode fazer com que Portugal se consolide como a voz do Brasil na União Européia?
GUTERRES ?
Temos procurado ser solidários com o Brasil. E, junto com a Espanha, trabalhado em plena sintonia para facilitar as negociações do Mercosul com a União Européia. Infelizmente, existem alguns países europeus que, motivados por questões da política externa comum, e, do nosso ponto de vista, por falta de uma iniciativa estratégica, têm causado dificuldades no bom andamento dessas negociações. Portugal, no entanto, procura ultrapassar essas dificuldades e facilitar esse relacionamento. Nós somos defensores de que a única forma de aproveitarmos ao máximo os aspectos positivos da globalização é por meio do multirregionalismo aberto. Ou seja, o fato de existirem várias regiões no mundo que se organizam não apenas como zonas de comércio livre, mas como zonas de integração política, econômica e social, como é o caso da União Européia. E como é cada vez mais o caso do Mercosul. E penso que devem estabelecer entre si relações de natureza privilegiada. Eu olho muito para o espaço do Atlântico e vejo muito uma atuação trilateral, entre Europa, América do Sul ? onde o Brasil tem um papel predominante indiscutível ? e a América do Norte.

DINHEIRO ? Mas se a resistência européia continuar, o sr. não acha que não restará outra opção ao Brasil a não ser cair nos braços da Alca?
GUTERRES ?
Acho que seria ruim do ponto de vista do equilíbrio global ? e não seria também a melhor solução nem para europeus e sul-americanos ? se houvesse uma homogeneização do espaço interamericano sob a tutela dos Estados Unidos. E se apenas dentro desse quadro, desse espaço, o Brasil e os outros países se relacionassem com a Europa. Na minha opinião, o Brasil tem dimensão suficiente ? assim como o conjunto de países do Mercosul e sua área de expansão natural ? para ser, por si próprio, um parceiro da Europa. Não escondo minha frustração com o fato de haver lógicas corporativas de países europeus em colocar dificuldades ao bom desenvolvimento dessas negociações. E, dessa forma, atrasá-las.

DINHEIRO ? Dá para vencer as resistências?
GUTERRES ?
Tenho essa convicção. Até porque, como nós costumamos dizer aqui em Portugal, o que tem que ser tem muita força. Acho que mais cedo ou mais tarde o bom senso irá triunfar. Eu penso que a grande preocupação que deve ser expressa pela América do Sul tem a ver não tanto com o fato de o mercado europeu ter alguma proteção própria, mas por efeito de instrução, no comércio internacional, que é induzir os subsídios à exportação de certas commodities agrícolas. Esta é uma área que Portugal, dentro da União Européia, tem manifestado com clareza que essa questão deve ser corrigida. E, além disso, há outros interesses fundamentais na Europa, nomeadamente todos os interesses que se relacionam com os setores industriais e de serviços brasileiros que apostam no estabelecimento dessa relacionamento. Como é sabido, a União Européia é o primeiro parceiro comercial do Mercosul e o primeiro maior investidor global do Mercosul.

DINHEIRO ? O que se pode esperar da V Cimeira Brasil-Portugal, que acontece a partir do dia 12 de março?
GUTERRES ?
Essa é uma cimeira de maturidade. Os dois países já têm hoje um relacionamento de sucesso e não é mais necessário fazermos cimeiras espetaculares como no passado. Esse próximo encontro será mais para analisarmos os pontos que não estão bem e dar novo impulso a eles. Isso inclui desde assuntos econômicos até consulares. Mas o que mais nos interessa é que brasileiros e portugueses continuem a trabalhar em conjunto.

DINHEIRO ? As empresas brasileiras chegaram a fazer investimentos importantes em Portugal no passado. Como estão esses investimentos hoje?
GUTERRES ?
É verdade. Tivemos muitos investimentos brasileiros em Portugal, principalmente na década de 80. Empresas muito importantes entraram em Portugal, como foi o caso da construção civil. Muitas já estão tão consolidadas que já são consideradas portuguesas. Os investimentos mais recentes ocorreram na área de comunicação social, onde há uma presença significativa de grupos brasileiros de comunicação. Os nossos dados mostram que temos hoje 102 empresas brasileiras registradas no país. Mas o número é maior porque muitas conseguiram uma espécie de registro que nós chamamos de conveniência, e aí não aparecem listadas nos nossos registros. Por isso, é possível que, além dessas 102, hajam outras com capitais brasileiros indiretos.

DINHEIRO ? Na crise envolvendo a suposta contaminação do rebanho brasileiro pela doença da vaca louca, o sr. chegou a interceder em favor do Brasil para que a Holanda não suspendesse as importações de carne brasileira…
GUTERRES ?
É nossa preocupação essencial a questão comercial nas relações Mercosul e a União Européia. E esses outros aspectos são pequenos incidentes sem grande importância. O grande desafio no momento é vencer os obstáculos que hoje existem, nomeadamente por alguns erros, no meu ponto de vista, da tarifa externa comum. Como é o peso de alguns subsídios às exportações nas commodities agrícolas no mercado mundial.

DINHEIRO ? O sr., junto com o presidente Fernando Henrique, faz parte do grupo de chefes de Estado que defende o modelo de progressive government. Para onde caminham essas discussões?
GUTERRES ?
Eu e o presidente Fernando Henrique temos uma relação muito próxima, de grande amizade e muita estima. É uma pessoa pela qual eu tenho enorme admiração. A nossa próxima reunião do progressive government será em Estocolmo. Vai dar seqüência às discussões que já aconteceram em Florença, Berlim e Nova York. Há dois grandes temas em jogo: as reformas estruturais, que são necessárias para os países enfrentarem as mudanças da Nova Economia e da globalização, e a agenda global, principalmente envolvendo os temas ligados à Organização Mundial de Comércio (OMC). Até agora, esse fórum tem sido uma experiência gratificante e o presidente Fernando Henrique tem aparecido como uma das personalidades mais atuantes nessas discussões.