08/03/2006 - 7:00
“Dilma tem pressa em fazer obras de energia, mas ela não vai atropelar a lei”
DINHEIRO ? Muitos empresários acusam o Ibama de ser um entrave ao desenvolvimento. Afinal, a sra. é uma ecoxiita?
MARINA SILVA ? Ao longo de muito tempo não ficaram claras as políticas ambientais, porque viemos de uma prática de 400 anos de uso predatório dos recursos naturais, sem nenhuma regra. O setor ambiental no Brasil é muito jovem e o Ministério do Meio Ambiente tem 13 anos de existência. No primeiro momento você tem que proteger aquilo que está à beira de ser extinto, como é o caso da Mata Atlântica, que de 1,3 milhão de quilômetros quadrados deixou só 7%. E o esforço tem sido sempre com ações de controle e proteção.
DINHEIRO ? Os empresários vão ter que aprender a viver com as regras duras do Ibama?
MARINA ? É preciso mudar a abordagem do olhar do setor empresarial. Em vez de se ver os órgãos de fiscalização como um entrave, eles poderão ser aliados. Isso se estiverem agindo de acordo com a lei, é claro.
DINHEIRO ? A sra. pretende criar um novo marco regulatório na gestão do Meio Ambiente?
MARINA ? Estamos regulando o uso dos recursos naturais em bases sustentáveis para diversos segmentos. É um novo marco legal. Termos uma lei que regulamenta o uso das florestas públicas e a cria o serviço florestal brasileiro. O fundo de apoio às atividades florestais em bases sustentáveis é um processo novo, um novo paradigma. Com esse projeto poderemos fazer com que as florestas continuem florestas e que continuem públicas, pois antes elas eram griladas. Depois, quando se tinha uma terra praticamente arrasada, vinham a agricultura e a pecuária em bases insustentáveis.
DINHEIRO ? Mas a morosidade do Ibama é grande. Há pelo menos 26 hidrelétricas a espera de licença ambiental…
MARINA ? Quando assumimos o governo tínhamos 45 hidrelétricas que até 2002 tinham sérios problemas ambientais, e apenas 23 eram de responsabilidade do Ibama. Das 23, apenas três continuam sem seus problemas resolvidos. Não se pode colocar tudo na conta dos órgãos ambientais. No caso de Belo Monte, por exemplo, foi feito um processo no governo anterior, por meio do governo do Estado do Pará, para tentar o licenciamento via governo federal. Isso porque a usina incide sobre terras indígenas. Nós nos reunimos com a ministra Dilma Rousseff e deixamos claro que não era possível o empreendimento seguir nos moldes que estavam previstos. O projeto precisava ser revisto. Dilma está muito empenhada em viabilizar os projetos de infra-estrutura, em especial os das hidroelétricas. Mas ela me ouviu, retirou o processo e determinou novos estudos. E um mês atrás eles apresentaram um novo pedido de licença. Vamos examinar.
DINHEIRO ? Mas como conciliar o desenvolvimento sustentável com o dinamismo da economia?
MARINA ? Não dá para mudar a lei da gravidade. O que gera impacto ambiental, gera impacto ambiental. Cabe a nós, que temos a atribuição constitucional de defender o meio ambiente, fazer prevalecer às regras do jogo.
DINHEIRO ? É esse o seu papel?
MARINA ? É para isso que a sociedade brasileira me paga e não para que eu venha para cá prevaricar. Sou paga para ser rígida e dura.
DINHEIRO ? O que falta para dar início a transposição do rio São Francisco?
MARINA ? A licença está pronta para ser dada. Mas há uma decisão judicial que impede que ela seja concedida. O Ibama se sente à vontade tanto técnica quanto ambientalmente para conceder a licença. Ela só não foi dada em função dessa decisão judicial que precisa ser resolvida.
DINHEIRO ? E a sra. está à vontade com a transposição?
MARINA ? O Ministério só se ateve às questões ambientais e implicações sociais, e não aos aspectos políticos. Quando assumimos esse empreendimento, era um projeto complexo, que previa uma retirada de água de 140 metros cúbicos por segundo. Não havia um plano de uso social da bacia do São Francisco e tinha-se muita dificuldade com relação às ações da revitalização do rio.
DINHEIRO ? E agora?
MARINA ? Fizemos o reposicionamento de todo esse processo, em seis meses. De 140 metros cúbicos por segundo, o volume passou a ser 26 metros cúbicos por segundo. E o ministro Miguel Rossetto fará a reforma agrária em toda a margem do canal de integração de bacia.
DINHEIRO ? A nova lei que concede a empresas privadas a exploração de florestas públicas está sendo elogiada pelas ONGs ambientalistas e criticada pelas madeireiras. Afinal, quais vantagens essa lei traz para a economia?
MARINA ? Foi uma conquista. Uma conquista de todas as pessoas que defendem a Amazônia e querem ver o desenvolvimento correto e sustentável das florestas da região. Ele estabelece uma distinção entre o uso predatório de florestas e o uso predatório para a agricultura ou para a pecuária. Dá uma grande contribuição para o fim da grilagem de terra e cria um novo paradigma sobre o uso das florestas públicas. Foi um golpe na grilagem e na extração ilegal de madeiras.
DINHEIRO ? Mesmo assim há divergências. Os empresários reclamam do artigo da nova lei que prevê que somente o governo poderá rescindir o contrato…
MARINA ? A rescisão se dá pela parte do governo quando há o descumprimento das cláusulas pelas quais se levou a concessão. Se o plano de manejo estiver sendo descumprido, haverá a rescisão.
DINHEIRO ? O empreendedor não deveria ter o direito a rescisão, caso não tivesse retorno?
MARINA ? Acredito que o empreendedor, ao resolver participar do processo de licitação, terá realizado um levantamento das potencialidades daquele investimento. O governo é que não poderá arcar com os cálculos equivocados de um empreendedor. Afinal ele não foi obrigado a correr risco algum.
DINHEIRO ? A sra. conseguiu criar o primeiro distrito florestal sustentável do País. E conseguiu R$ 16 milhões para investimentos na Amazônia. Qual foi o segredo para driblar a retranca do ministro Antônio Palocci?
MARINA ? Não foi um drible. Quando você tem uma boa proposta é mais fácil todo mundo correr atrás da mesma bola. Mas contou a nosso favor o fato do presidente Lula ter assumido a coordenação de processo de fiscalização do desmatamento, por meio da Casa Civil. Quando detectamos o problema do crescimento do desmatamento de 2001 para 2002, que chegou a índices de 27%, percebemos que era necessária uma ação integrada de todo o governo.
DINHEIRO ? Como são essas operações?
MARINA ? Com o Ibama e a Polícia Federal. Aumentamos a capacidade de fiscalização e o contingente do Ibama. Editamos o decreto que aumentou o valor de multas e previu o confisco de todos os equipamentos de atores ilegais. Já temos 15 milhões de unidades de conservação. Isso representa 50% de tudo o que já foi criado para preservar a Amazônia.
DINHEIRO ? A CPI da Biopirataria investiga a extração ilegal de madeira e constatou até a participação do Ibama. Como a sra. vê esse problema?
MARINA ? Não temos conhecimento do relatório final. Mas o Ibama também investiga todos os processos que estão na CPI. E vai além. Por exemplo, na operação Curupira, que não está na CPI, 239 pessoas que atuavam há décadas foram presas, 70 delas eram funcionários públicos, alguns com 15 anos de Ibama. Quatro já foram indiciadas.
DINHEIRO ? No relatório final aparece um esquema de extração ilegal com benefícios para caixa dois do PT. O ministério está investigando isso também?
MARINA ? Qualquer que seja a denúncia, elas são acompanhadas com processos de investigação do próprio Ibama e da PF.
DINHEIRO ? Os gastos do Ibama têm crescido muito, com vários contratos emergenciais. Por que isso está ocorrendo?
MARINA ? Há um aumento dos recursos de fiscalização. Até 2002 não havia um plano de combate ao desmatamento. Hoje, destinamos R$ 40 milhões só para o combate e fiscalização. Fizemos um concurso para 600 novos analistas ambientais.
DINHEIRO ? A senhora sofreu uma derrota na questão dos transgênicos e hoje é mais fácil plantar e comercializar alimentos modificados. Como a senadora se sente?
MARINA ? Infelizmente foi aprovada uma lei no Congresso que eu considero permissiva. No entanto, a lei está aprovada e eu espero que ela seja cumprida.
DINHEIRO ? O que haverá de novo até o final do ano?
MARINA ? Vamos implementar o projeto de gestão de florestas públicas, aprovar a lei da Mata Atlântica e encaminhar ao Congresso a lei de acesso a recursos genéticos. Ela regula o acesso à biodiversidade brasileira, normatiza o uso dos recursos genéticos, combate a biopirataria e reparte os benefícios, que poderão ser de 0,5% a 2% sobre o faturamento. Se uma empresa cria um medicamento a partir de uma planta, quando ele for para o mercado a lei prevê que parte do ganho será aplicado na manutenção da biodiversidade.