Nos últimos dois anos, desde que assumiu a presidência da Souza Cruz, maior companhia de tabaco do País, o executivo sul-mato-grossense Liel Miranda tem dedicado boa parte do seu tempo a duas grandes batalhas. A primeira, contra a pirataria e contrabando e cigarros do Paraguai, que entram ilegalmente, sem pagar impostos, e hoje respondem por mais de 40% do mercado brasileiro. A segunda, e talvez tão desafiadora quanto a primeira, é convencer a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a liberar a importação e a venda dos cigarros eletrônicos no Brasil, proibidos desde 2009, e considerados a única saída para a sobrevivência da decadente indústria tabagista.

“Estamos confiantes que as autoridades entenderão que esses dispositivos são importantes para a redução dos danos do cigarro à saúde e uma forma de preservar a sustentabilidade da cadeia produtiva do tabaco”, disse Miranda à DINHEIRO. “A proibição está, inclusive, estimulando o crescimento do contrabando também na categoria de cigarros eletrônicos, já que é possível comprar em muitos sites na internet e até em algumas redes varejistas”, afirmou o executivo, que está na British American Tobacco (BAT), dona da Souza Cruz, há quase trinta anos. Ele ocupou cargos de comando na China, Canadá e Inglaterra.

Os argumentos em favor dos e-cigaretts, como são conhecidos em todo o mundo os vaporizadores de nicotina e os dispositivos de tabaco aquecido, se baseiam em estudos internos das gigantes do setor — entre elas Philip Morris, JTI (Japan Tabacco International) e a própria BAT — e de relatórios independentes de entidades como a Action on Smoking and Health (ASH), a Cancer Research UK e a British Heart Foundation. “Está evidente pelos estudos que a combustão do tabaco é a principal fonte de substâncias cancerígenas e que, por essa razão, os cigarros eletrônicos, capazes de vaporizar e aquecer sem queimar, são muito menos prejudicais”, afirma Scott Gottlieb, chefe de pesquisas do Food and Drug Administration (FDA), o principal departamento de saúde dos Estados Unidos. “Se não há como extinguir o cigarro dos hábitos de consumo, logo encontrar alternativas menos nocivas de entrega de nicotina precisam ser considerados.” A BAT, com investimentos de US$ 2,5 bilhões, já comercializa seus e-cigaretts em 22 países, entre eles Inglaterra, França, Alemanha, Itália e Canadá. A companhia estima que o segmento irá responder por 30% do faturamento até 2030 e por 50% até 2050. Em 2017, a empresa registrou receita de 20,26 bilhões de libras esterlinas, cerca de US$ 27 bilhões.

O cigarro eletrônico da empresa, o Vype, comercializado em 22 países, que promete reduzir os danos à saúde em 95%

O problema é que a tecnologia está longe de ser uma unanimidade, especialmente no Brasil. Procurada pela reportagem, a Anvisa informou que, embora estudos indiquem que os cigarros eletrônicos geram menos danos à saúde, não existem comprovação quanto à segurança na utilização do produto. “A vedação atual ao cigarro eletrônico no Brasil está baseada nos dados então disponíveis e nos argumentos apresentados pelas autoridades de saúde. Um deles é a preocupação com a alegação de que o cigarro eletrônico traz menos risco à saúde, sem que isto tenha sido demonstrado de forma clara em estudos”, informou a Anvisa, em nota. “Essa afirmação transmite a falsa sensação de segurança e pode induzir não fumantes a aderirem ao cigarro eletrônico.” A agência disse ainda que está analisando resultados preliminares de uma pesquisa da faculdade de medicina da Universidade de Nova York, que indicaram que o cigarro eletrônico poderia aumentar o risco de danos ao coração, pulmões e bexiga.

CAMPANHA Enquanto não recebem o sinal verde da Anvisa no Brasil, as empresas de tabaco se articulam para conscientizar que seus produtos causam doenças e matam. Na quarta-feira 2, a Philips Morris lançou uma nova campanha que pede para que não fumantes ajudem amigos ou parentes a parar de fumar, como “Resolução de Ano Novo”, veiculado em jornais e sites britânicos. “A desinformação e a falta de uma regulamentação clara para essas novas tecnologias acabam indiretamente protegendo o cigarro convencional”, argumentou Fernando Vieira, diretor de assuntos corporativos da Philip Morris.

A liberação do cigarro eletrônico é visto como fundamental para a saúde das empresas do setor. O consumo vem caindo ano a ano, com a ampliação das campanhas antitabagistas e a crescente busca da população por hábitos mais saudáveis de consumo. Em 1989, o percentual era de 34,8%, segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição. Em 2016, o percentual de fumantes no Brasil despencou para 10,2%, menor do que em países como Estados Unidos (16,2%) e França (23,6%). “Nosso objetivo não é incentivar o tabagismo, mas oferecer aos consumidores adultos uma alternativa menos danosa que os cigarros tradicionais”, disse o presidente da Souza Cruz. “Por isso, defendemos que a Anvisa reavalie as normas regulatórias com o que há de mais moderno no mundo.”