De janeiro a outubro de 2023, em todo o Estado de São Paulo, foram notificados 31 surtos de escarlatina, sem nenhum óbito – sendo um em fevereiro, um em junho, um em julho, nove em agosto, seis em setembro, dez em outubro e três em novembro -, conforme dados da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo divulgados nesta semana.

Segundo a pasta, o número é muito maior que o registrado em anos anteriores. Em todo o ano passado, quatro surtos da doença foram contabilizados, também sem óbitos, sendo um em setembro, dois em outubro e um em novembro. Em 2021, o único surto de escarlatina ocorreu em maio.

Segundo o Centro de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac” (CVE), que coordena as ações de vigilância epidemiológica no Estado de São Paulo, a definição de surto diz respeito à ocorrência de dois ou mais casos que atendam a definição de caso suspeito em determinado espaço geográfico e relacionados no tempo. Apenas os surtos são notificados.

Para a infectologista Rosana Richtmann, do Hospital e Maternidade Santa Joana (SP), essa escalada na incidência não é exclusividade do Brasil. “Trata-se de uma situação observada no mundo inteiro. A Organização Mundial da Saúde já fez um alerta sobre a doença”, conta a médica. É fundamental ter isso em mente para não ignorar possíveis sintomas e, assim, perpetuar os surtos, já que a doença é transmissível.

A infectologista aponta três possíveis motivos para esse cenário – que podem atuar juntos ou não. O primeiro tem a ver com a pandemia de covid-19. Afinal, como passamos muito tempo de máscara e respeitando o isolamento social, não fomos expostos à bactéria causadora da escarlatina – dessa maneira, deixamos de ter anticorpos contra ela.

“O segundo ponto é que, depois da pandemia, vimos um aumento indiscutível de viroses respiratórias. E, hoje, os estudos estão mostrando cada vez mais que existe uma espécie de conspiração entre vírus e bactérias. Ou seja, os vírus facilitam a ação das bactérias. É uma relação de parceria”, ensina Rosana.

Em terceiro lugar, há a possibilidade de estarmos diante de uma cepa da bactéria mais virulenta, capaz de provocar um quadro mais grave.

O que é escarlatina?

A escarlatina é uma doença infecciosa aguda, causada por uma bactéria chamada estreptococo beta hemolítico do grupo A. Os estreptococos são também agentes causadores de infecções da garganta (amigdalites) e da pele (impetigo, erisipela).

O aparecimento da escarlatina não depende de uma ação direta da bactéria, mas de uma reação de hipersensibilidade (alergia) às toxinas que ela produz. Assim, a mesma bactéria pode provocar doenças diferentes em cada indivíduo que infecta.

Segundo o Ministério da Saúde, a maioria das pessoas que tem uma infecção de garganta provocada pela bactéria não desenvolve escarlatina. No entanto, cerca de 10% são sensíveis às toxinas liberadas por ela e podem desenvolver a doença, que provoca pequenas manchas vermelhas na pele.

Rosana ressalta que essas erupções costumam ser ásperas e descamativas. “Geralmente, elas não aparecem na mão, na planta dos pés nem em volta da boca. Essas áreas são poupadas”, explica. Outro ponto de alerta é a chamada “língua em framboesa”. “O paciente fica com as papilas avermelhadas, como se fosse framboesa mesmo”, descreve a médica.

A escarlatina é uma doença respiratória cíclica, podendo ter períodos com mais casos e outros com menos casos, de acordo com a secretaria. Quem tem a doença deve permanecer em casa para evitar passá-la adiante e também para se recuperar, já que o quadro costuma causar febre, dor de garganta e prostração.

Em geral, a criança pode voltar à escola 24 horas após iniciar o tratamento médico com antibiótico adequado – isso se estiver sem sintomas e liberada pelo médico.

Os sintomas mais comuns de escarlatina, de acordo com a Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde:

Início repentino com calafrios e febre alta nos primeiros dias, que vai baixando aos poucos nos dias seguintes até desaparecer;

Dor de garganta intensa;

Pequenas manchas na pele de cor vermelho-escarlate, ásperas, que aparecem inicialmente no tronco, depois tomam a face, o pescoço, os membros, axilas e virilha, mas poupam as palmas das mãos, as plantas dos pés e ao redor da boca. Nas dobras de pele, como cotovelos, punhos, axilas e joelhos, as manchas podem ser mais escuras e descamam com o decorrer da doença;

Na língua surgem caroços avermelhados recobertos com uma película parecida com um plástico branco amarelado. Essa película posteriormente se desfaz e a pele adquire o aspecto de framboesa, porque as papilas incham e ficam arroxeadas;

Mal-estar;

Falta de apetite;

Aumento dos gânglios do pescoço;

Dor no corpo, de barriga e de cabeça;

Náuseas e vômitos.

A escarlatina é uma doença contagiosa?

Sim. A transmissão da escarlatina ocorre de pessoa para pessoa, por meio de gotículas de saliva ou secreções infectadas, provenientes tanto de doentes como de pessoas saudáveis que transportam a bactéria na garganta ou no nariz sem apresentarem sintomas.

Após contato com alguém que tenha a doença, em quanto tempo ela se manifesta?

Segundo o CVE, o tempo que decorre entre o contato com um indivíduo infectado e o aparecimento de sintomas (período de incubação) é, em geral, de dois a quatro dias, podendo, no entanto, variar de um a sete dias.

Quais complicações a escarlatina pode ocasionar?

A escarlatina pode ter complicações precoces, durante a fase aguda da doença, e/ou complicações tardias, que surgem semanas após o seu desaparecimento.

As complicações na fase aguda da doença resultam da disseminação da infecção estreptocócica a outros locais do organismo, causando, por exemplo, otite, sinusite, laringite e meningite.

“As infecções tardias podem surgir após a cura da doença e são a febre reumática (lesão das válvulas do coração) e a glomerulonefrite (lesão do rim que pode evoluir para insuficiência renal). Estas complicações são potencialmente graves e, para diminuir a sua ocorrência, é importante o tratamento adequado das infecções estreptocócicas”, afirma o CVE.

A infectologista do Santa Joana aponta que a gravidade também depende da saúde do hospedeiro e da agressividade da bactéria. “Mas mesmo cepas mais agressivas seguem sensíveis ao antibiótico”, pondera.

Como é o diagnóstico da doença

Embora o diagnóstico de escarlatina seja feito com base na observação clínica (associação de febre, inflamação da garganta e erupções na pele), ele deve ser confirmado por meio da pesquisa do estreptococo num esfregaço colhido por swab (cotonete próprio para uso laboratorial) da garganta (coleta-se a secreção da garganta na região chamada nasofaríngea).

A confirmação da doença também pode ser feita após a cura, através de exames de sangue (testes sorológicos).

Segundo o Ministério da Saúde, todos aqueles que tiverem contato com alguém doente devem fazer exames para descobrir se estão com a bactéria responsável pela infecção. Afinal, mesmo pessoas sem sintomas podem transmitir a doença – e é essencial interromper esse ciclo.

Tratamento médico

O tratamento para a escarlatina é feito com o antibiótico penicilina, que elimina os estreptococos, evita as complicações da fase aguda, previne a febre reumática e diminui a possibilidade de aparecimento de glomerulonefrite (lesão renal). Nos doentes alérgicos à penicilina, o medicamento habitualmente utilizado é a eritromicina.