03/09/2003 - 7:00
Todo dia, religiosamente, Gabriela Machado segue o mesmo ritual. Acorda, limpa a pele, passa creme no cabelo e não põe os pés fora de casa sem que o visual esteja em ordem. ?Me cuido para ficar mais bonita?, diz ela. Detalhe: Gabriela tem 11 anos. A preocupação com a beleza há anos habita a mente de homens e mulheres, tornou-se modo de vida na virada do século. A novidade é que agora ela chegou às crianças e sobretudo aos adolescentes. Bem-vindos ao mundo da vaidade infanto-juvenil. ?É um mercado que cresce 20% ao ano?, diz Dieter Brepohl, presidente da Associação Brasileira de Clínicas e Spas. É um movimento que cresce em todo o mundo. Nos EUA, a garotada entre 12 e 18 anos gasta US$ 20 bilhões por ano com produtos de beleza, segundo a consultoria Teenage Research.
A incessante procura pela perfeição facial e corporal é um fenômeno produzido, em boa parte, pelos meios de comunicação e pela onda do estilo de vida mais saudável. ?Há 20 anos as crianças e adolescentes não se alimentavam em fast-food?, diz Dieter. ?As comidas eram naturais e faziam bem à saúde?, diz ele. As mudanças de hábitos alimentares produziram crianças mais rechonchudas, com mais acnes e preocupadas com a aparência. As clínicas de estética se adaptaram aos novos tempos, acompanharam a tendência e hoje oferecem um leque de serviços para a meninada. O Instituto Anna Pegova, de São Paulo, recebe mais de 100 pequenos clientes somente em uma de suas unidades, a de Moema, bairro nobre da capital paulistana. ?Mostramos às crianças que o cuidado com a pele é uma das principais regras da higiene pessoal?, diz Claude Hanna, diretora da clínica. O atendimento é digno de rei. Ao chegar no instituto, decorado com sobriedade em estilo clean, de móveis claros, o pequeno cliente é recebido por um séquito de funcionárias altamente treinadas.
Os mimos começam logo no saguão de entrada. Não há distinção etária. Se alguma das salas de tratamento estiver ocupada, logo surge a recompensa. Sucos naturais e biscoitos compõem a mesa. Ao ser chamado, o cliente é atendido com requinte. Recebe roupão, toca de cabelo e uma sapatilha especial para vestir na hora do tratamento. Em uma sala privativa, a estecista começa o trabalho com minucioso cuidado. Hidrata a pele e passa cremes para deixá-la mais saudável por mais de uma hora. Ao ritmo do crescimento do público mirim, o Anna Pegova resolveu criar um pacote com preços mais baixos e lançou um kit de produtos apropriados para a garotada. Enquanto um adulto paga R$ 504 por seis sessões de limpeza de pele, os jovens desembolsam R$ 386. Para que a opção pelos tratamentos estéticos se torne mais usual, a clínica tratou ainda de desenvolver um pequeno estojo colorido com loção, gel e cremes em miniatura.
Especialistas atribuem esse novo comportamento dos jovens à ansiedade dos pais com a chegada da puberdade dos filhos. ?Os adultos se preocupam cada vez mais cedo com o sucesso dos filhos?, diz Silvana Rabello, professora de psicologia da PUC-SP. Hoje, a boa aparência é quase sinônimo do profissional bem-sucedido. ?É uma questão muito mais relevante do que anos atrás?, diz Michele Zehil, mãe de Kevin Zehil. Aos 12 anos, o menino faz até esfoliação na pele. Os tratamentos estéticos são a parte mais visível de um movimento que começou a crescer, na verdade, nos períodos de férias escolares. Há spas para adultos que, nos meses de julho e dezembro, transformam-se em centros de tratamento para toda a família. ?Nesses períodos, mais de 60% dos hóspedes são pré-adolescentes?, diz Manoel Castanho, médico e proprietário do Spa Sorocaba, no interior de São Paulo. Como ainda são jovens e não possuem total independência acabam acompanhando os pais nas viagens. Aí entram no clima do lugar e fazem tudo quanto é tipo de tratamento. Lá, há opções de entretenimento como teatro, gincanas e jogos mescladas com massagens, hidroterapia e várias aulas de educação alimentar. Como a beleza não pode ser deixada de lado em nenhum momento, os hóspedes têm salão com cabeleireira e manicure. À disposição dos pequenos, há sempre um lote de produtos especialmente desenhados para os primeiros anos de vida. A Natura tem a linha infantil do Sítio do Pica Pau Amarelo. A Davene criou os produtos da Turma da Mônica e do Snoopy. Em setembro, a Farmaervas lançará os produtos licenciados da Barbie: maquiagem, batom, brilho e cremes. ?É um público que procura novidades desde cedo?, define Flávia Rocha, gerente da Farmaervas.
