02/07/2023 - 9:00
O mercado do futebol está agitado nesta metade de 2023. Com o fim dos campeonatos europeus, muitas negociações estão sendo concretizadas e alguns craques estão mudando de liga.
Resumo:
- Times Sauditas estão despejando bilhões no mercado da bola desde o início de 2023;
- Príncipe herdeiro Mohhamed bin Salmam ascendeu ao poder com a promessa de modernizar a monarquia;
- Além do futebol, Arábia Saudita também investe em outros esportes, como a Fórmula 1.
Os times sauditas estão aquecendo o mercado. O Al Nassr já havia levado Cristiano Ronaldo no começo do ano, e, com bilhões de dólares para gastar, o Al Ittihad tirou o francês Karim Benzema do Real Madrid. De acordo com a ESPN, o centroavante vai embolsar 400 milhões de euros (R$ 2,1 bilhões) por dois anos de contrato. Na quinta-feira, 29, o técnico português Luiz Castro deixou o Botafogo e, a pedido de Cristiano Ronaldo, acertou a sua ida para o Al Nassr.
Mas, fazer a Liga do país ser competitiva não é o principal fator para os investimentos dos Sauditas nessas contratações. Seguindo o exemplo do Catar na Copa de 2022, o governo monárquico vai usar o esporte como uma arma de inserção no cenário internacional.
Sportwashing é a prática de usar o esporte para inserir o país no cenário internacional
Esporte como arma de projeção internacional
A Arábia Saudita é uma monarquia absolutista. Ou seja: quem manda no país é a família Saud. Apesar do rei ser o seu pai, Salman bin Abdulaziz Al Saud, quem exerce o poder atualmente como primeiro-ministro é o seu filho, Mohhamed Bin Salman, que ascendeu ao poder com a promessa de modernizar o país.
O país é famoso por desrespeitar inúmeras políticas de Direitos Humanos e cercear a liberdade das mulheres. Foi somente em 2019 que elas foram liberadas para viajar sem a permissão do marido e em 2018 que elas puderam dirigir carros. O país também é um dos que mais perseguem a população LGBTQIA+, de acordo com a Human Rights Watch.
Em 2018, o jornalista Jamal Khashoggi, crítico do governo do país, foi morto dentro do consulado saudita na Turquia. Apesar disso, o governo comandado pelo príncipe herdeiro busca passar uma imagem mais moderna dentro do cenário internacional usando estratégias de soft power, que é quando um país que não tem uma presença militar forte busca influencia em outras agendas.
“O MBS usa diversas estratégias de soft power, como a presença de fundos de investimentos sauditas em diversos países, uma agenda de sustentabilidade, investimento em turismo e o esporte”, apontou o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV (FGV NPII) Leonardo Paz.
Além do sportwashing, focado no esporte, há também o greenwashing, que usa a agenda ambiental, e o pinkwashing, que é a utilização da agenda do respeito a população LGBTQIA+, muito usado por Israel.
A Arábia Saudita também está investindo na Fórmula 1. Desde 2021, as ruas de Gidá recebem a principal categoria do automobilismo mundial. A etapa chegou a ser criticada pelo Heptacampeão mundial Lewis Hamilton, que utilizou um capacete com a bandeira do movimento LGBTQIA+ em 2021.
Fortalecer a liga do país é o foco?
Além de CR7 e Benzema, outros astros como Kanté, Koulibaly e Mendy trocaram o Chelsea pelo futebol Saudita. No entanto, o foco na liga interna é somente uma das estratégias do governo de MBS envolvendo o futebol.
Em 2021 o tradicional clube inglês Newcastle United foi comprado pelo fundo de investimento saudita por 300 milhões de libras (R$ 1.8 bilhão) e, para o jornalista, pesquisador de futebol e autor do livro “A produção do clube: poder, negócio e comunidade no futebol” Irlan Simões, o investimento no clube inglês deve ser a prioridade do governo saudita.
“Eu acredito mais em uma longevidade do projeto do Newcastle United do que nesse super investimento na liga interna. Acho improvável que dure muito tempo. O documento programático desse governo saudita é o Saudi Vision 2030 e a liga interna tem menos impacto do que você ter o Newcastle vencendo várias Champions League”, disse.
Para ele, essa ascensão do futebol saudita não deve incomodar os principais campeonatos europeus, que devem continuar sendo a principal vitrine para os jogadores de primeiro nível no mundo.
Não há interesse na regulamentação do mecanismo
Apesar de existirem alguns mecanismos, como o fair play financeiro, que impede que clubes gastem de forma desordenada, eles não funcionam como deveriam nem mesmo na Europa. Um exemplo é o campeão europeu Manchester City, que é acusado pela UEFA e pela Premier League por violar a regra, mas que não foi punido até agora. Para Simões, também não deverá haver o interesse em punir os times sauditas por conta desses gastos.
“O grande problema dessas tentativas de criação de mecanismo de regulação é que o futebol funciona em várias esferas com certos níveis de autonomia internos. Teria que ser a nível Fifa, mas porque ela iria se preocupar com algo que está prejudicando basicamente o futebol europeu? Ninguém quer atrapalhar um país tão interessado em derramar dinheiro em toda a cadeia produtiva do futebol. Os jogadores ganham muito com isso, empresários e patrocinadores também”, explicou.
No mesmo sentido, o pesquisador acredita que a falta de respeito aos direitos humanos no país não será um problema para os negócios continuarem acontecendo.
“Eles não vão se preocupar se o país é mais aberto em relação aos direitos da população LGBTQIA+, não vão se preocupar se o país ataca muçulmanos, com nada disso. O certo é que a Fifa faz de tudo para garantir que não existam manifestações políticas nas suas competições. A ideia é blindar o negócio futebol desse tipo de manifestação política e não reconhecê-las como legítimas”, encerrou.