O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 12, que os saldos do FGTS deverão ser corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, com efeitos somente a partir da decisão, ou seja, sem pagamento retroativo.

O resultado atende à proposta apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) após negociação com centrais sindicais.

Os ministros julgaram uma ação do partido Solidariedade que questionou a remuneração dos depósitos a 3% ao ano mais a Taxa Referencial (TR).

A legenda argumentou que desde 1999 a TR rende próximo a zero e não é suficiente para repor o poder aquisitivo dos trabalhadores. De acordo com a proposta da União, quando a remuneração das contas vinculadas ao FGTS não alcançar o IPCA, caberá ao Conselho Curador do Fundo determinar a forma de compensação.

O colegiado se dividiu em três posições distintas e o resultado saiu por um “voto médio”. Foram três votos para corrigir os saldos pelo IPCA (Flávio Dino, Cármen Lúcia, Luiz Fux); quatro para manter a remuneração atual (Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli); e quatro para determinar que a correção seja no mínimo igual à da caderneta de poupança (Luís Roberto Barroso, André Mendonça, Kássio Nunes Marques e Edson Fachin).

“Se há um campo que recomenda fortemente a autocontenção é a economia e as finanças públicas. Pode-se discutir, é claro, mas aqui há riscos muito sérios”, destacou o decano Gilmar Mendes ao votar. O governo estimava impacto de R$ 19,9 bilhões em seis anos caso o cenário defendido por Barroso se confirme. Se o STF mandar corrigir os saldos de acordo com a inflação desde 1999, a estimativa de impacto para os cofres públicos seria significativamente maior, de até R$ 295,9 bilhões.

Votos

O ministro Cristiano Zanin votou para manter a correção do FGTS na forma atual. Para ele, o fundo “não configura direito ao crédito” e “deve ser considerado em sua inteireza, e não como uma espécie de investimento do trabalhador”. Ele ponderou que, se o colegiado declarar a inconstitucionalidade da correção na forma atual, ele irá aderir à proposta do governo para corrigir os saldos pelo IPCA.

“Deve prevalecer a tradicional jurisprudência do STF no sentido da impossibilidade do poder Judiciário afastar critério de correção monetária escolhido pelo legislador com base em razões econômicas e monetárias”, afirmou o ministro.

Já o ministro Flávio Dino votou a favor da proposta do governo para manter a correção do FGTS na forma atual, desde que garanta, no mínimo, o IPCA. Ele destacou que os depósitos do FGTS se tratam de um direito social, não só direito à propriedade. “O direito de propriedade não é absoluto, ele é intrinsecamente limitado pela função social.

Esse mecanismo de correção do FGTS pode ignorar a função social? Me parece que não”, argumentou. Dino ainda ressaltou a importância dos saldos do FGTS para o financiamento da habitação popular. “Para quem ganha mais, há contribuição maior do empregador, e esse dinheiro compõe o fundo com uma função social que beneficia os mais pobres”, disse.

O ministro Alexandre de Moraes também votou para manter a correção na forma atual, a 3% ao ano mais a TR. Assim como Zanin, ele ponderou que, caso o colegiado declare inconstitucional o uso da TR para remunerar os depósitos, ele irá aderir à proposta do governo para pagar, no mínimo, o IPCA. Ele argumentou que o FGTS tem “uma natureza híbrida, institucional, que tem dupla finalidade: a individual e a social”. E destacou que os depósitos do fundo são necessários para a construção de casas populares e que “qualquer alteração significativa nesse arcabouço normativo pode significar um prejuízo muito grande à habitação”.

O ministro Edson Fachin acompanhou o relator e votou para corrigir os saldos do FGTS em índice que seja, no mínimo, igual ao da caderneta de poupança. Ele também sugeriu adiar o início dos efeitos da decisão para 2026. “Não me parece que seja possível cometer essa grave injustiça com os saldos que estão na conta dos trabalhadores brasileiros”, disse.

Entenda o caso

O STF discutiu a legalidade do uso da Taxa Referencial (TR) para correção das contas do FGTS. O caso começou a ser julgado em 2014 após uma ação protocolada pelo partido Solidariedade. Segundo o partido, a correção pela TR, que possui rendimento próximo de zero por ano, não remunera adequadamente os correntistas, perdendo para a inflação.

A discussão sobre o índice de correção foi interrompida em novembro do ano passado, após pedido de mais tempo para análise. O processo foi devolvido para julgamento em março deste ano. Até o momento, o placar é de 3 votos a 0 para considerar inconstitucional o uso da TR para remunerar as contas dos trabalhadores. Além disso, a AGU defendeu que as contas do fundo devem garantir correção mínima que assegure o valor do IPCA, índice oficial da inflação no Brasil.

O FGTS visa proteger o trabalhador demitido sem justa causa, mediante a abertura de uma conta vinculada ao contrato de trabalho. No caso de dispensa sem justa causa, o empregado recebe o saldo do FGTS mais multa de 40% sobre o montante.

Dessa forma, o dinheiro depositado nas contas do fundo contam com juros de 3% ao ano, acréscimo de distribuição de lucros e a correção monetária pela TR. No entanto, a taxa opera perto de 0% e, assim, deixou de compensar a inflação brasileira. Ou seja, os trabalhadores contam com um patrimônio que não acompanha os índices inflacionários, perdendo parte de seu poder de compra ao longo dos anos. Para entender melhor sobre o cálculo da Taxa Referencial, confira esta reportagem.

A AGU, por sua vez, defendia que deve ser mantido o atual cálculo que determina a correção. Contudo, se o cálculo atual não alcançar o IPCA, caberia ao Conselho Curador do FGTS estabelecer a forma de compensação.