A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu a queixa-crime apresentada pela família da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, contra a desembargadora Marília de Castro Neves Vieira, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A queixa-crime é a peça inicial da ação penal privada, movida por iniciativa da própria vítima (ou por familiares, em caso de morte), e não do Ministério Público.

A desembargadora escreveu que “a questão é que a tal Marielle não era apenas uma ‘lutadora’, ela estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Vermelho (facção criminosa carioca) e descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores. Ela, mais do que qualquer outra pessoa ‘longe da favela’ sabe como são cobradas as dívidas pelos grupos entre os quais ela transacionava. Até nós sabemos disso”.

O texto continua: “A verdade é que jamais saberemos ao certo o que determinou a morte da vereadora, mas temos certeza de que seu comportamento, ditado por seu engajamento político, foi determinante para seu trágico fim. Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum quanto qualquer outro”.

Os pais, a irmã e a companheira de Marielle apresentaram a queixa-crime após uma postagem da desembargadora em rede social.

Segundo a Corte, a “defesa da magistrada alegou, entre outros pontos, que os fatos trazidos na queixa-crime não se enquadram no delito de calúnia, mas no de difamação, na medida em que não se imputou à vítima qualquer fato determinado capaz de ser caracterizado como delito”. “Ressaltou que não existe na legislação penal o crime de difamação contra os mortos, de modo que a conduta seria atípica”.

A relatora da ação penal, ministra Laurita Vaz, afirmou que “a primeira insinuação da mensagem da Querelada, a meu sentir, encontra adequação típica no art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 (‘Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa’)”.

A ministra acolheu o parecer do Ministério Público Federal, que afirmou que a desembargadora “não apenas afirma que Marielle foi eleita pelo Comando Vermelho, mas, mais do que isso, assumiu ‘compromissos’ com seus apoiadores (e teria sido assassinada justamente por não cumpri-los)”.

“A queixa-crime narra adequadamente ter a Desembargadora Marília de Castro Neves Vieira falsamente atribuído a Marielle Francisco da Silva cometimento do delito do artigo 2º da Lei n. 10850/2013, sendo o que basta para a fase processual, que não exige certeza probatória e aprofundado estudo sobre a capitulação dos fatos”, disse a Procuradoria.

Segundo Laurita Vaz, a segunda parte da mensagem da magistrada, “no entanto, possui caráter genérico, o que elide a adequação típica tanto ao art. 299 do Código Eleitoral (‘Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita’) quanto ao art. 350 do mesmo Diploma Legal (‘Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais’)”.

“E, sem dúvida, a utilização de rede social para divulgação de mensagem supostamente ofensiva à honra é meio que facilita a sua divulgação, consoante prevê a majorante descrita no inciso III do art. 140 do Código Penal”, anota.

A ministra ainda lembrou que a desembargadora já responde por outra ação penal (APn 895) por injúria, apresentada pelo ex-deputado federal Jean Wyllys, e, dessa forma, não preenche um dos requisitos para o benefício, que pode ser oferecido desde que o acusado não esteja sendo processado por outro crime. O ex-deputado entrou com a queixa-crime em março de 2018, ao tomar conhecimento de uma postagem sobre ele em perfil da desembargadora em rede social.

Defesa

A reportagem busca contato com a desembargadora Marília de Castro Neves Vieira, mas ainda não obteve retorno.