23/10/2002 - 7:00
DINHEIRO ? O sr. está acompanhando as eleições brasileiras?
LOUIS SCHWEITZER ? Eu prefiro não falar desse assunto. Mesmo em meu próprio país eu não trato de questões eleitorais.
DINHEIRO ? OK, mas o sr. pode nos dizer como a desvalorização do real está afetando as operações da sua empresa…
SCHWEITZER ? A desvalorização do real é para nós uma questão fundamental do ponto de vista da competitividade. Como nós chegamos ao País mais recentemente, nosso nível de integração local é mais baixo que o de alguns dos nossos competidores. Isso significa que os nossos custos em dólares são mais altos e o custo do produto final também. Nossa capacidade de competir tem sido afetada. Espero que em breve tenhamos um valor melhor e mais estável para o real. Por outro lado, essa situação nos fez pensar na necessidade de desenvolver fornecedores locais e na possibilidade de exportar. A exportação nos daria uma espécie de hedge comercial e industrial.
DINHEIRO ? Enquanto isso a lucratividade da subsidiária brasileira…
SCHWEITZER ? É negativa
DINHEIRO ? O sr. está desapontado
com o Brasil, com os baixos índices
de crescimento e agora o impacto
da desvalorização?
SCHWEITZER ? Nós tínhamos expectativas de crescimento mais elevado nos últimos dois anos. Seria tolice não reconhecer isso. Esperávamos um mercado melhor. Mas quando eu penso no Brasil penso na palavra vibrante. No médio prazo o clima da economia brasileira é vibrante, mas isso ainda não se materializou. Tomara que aconteça logo.
DINHEIRO ? A Renault teria superestimado o potencial do
mercado brasileiro?
SCHWEITZER ? Não acredito que tenhamos superestimado o mercado brasileiro. No médio e no longo prazo ele será muito forte. A região tem um grande potencial de crescimento. Mas eu acho, sim, que subestimamos a instabilidade da economia, seus ciclos de crescimento e queda.
DINHEIRO ? E a competição, o sr. também subestimou isso?
SCHWEITZER ? Isso nós já sabíamos antes de chegar ao Brasil. Conhecíamos a posição das companhias estabelecidas há mais tempo no País. O que nós não sabíamos é que o valor do real iria mudar de tal forma e alterar a posição competitiva das companhias instaladas no Brasil. Isso nós não antecipamos.
DINHEIRO ? Como essa situação afeta os planos da
empresa no Brasil?
SCHWEITZER ? Nós temos avançado normalmente com nossos planos de investimento. Também acreditamos que a presente situação não deve nos impedir de procurar mais conteúdo local. Claramente, porém, outros tipos de investimento ? em capacidade de produção, na introdução de novos modelos ? terão de levar em conta a habilidade da nossa companhia brasileira em financiar seus próprios gastos e gerar lucros.
DINHEIRO ? Isso significa que os modelos novos e caros
mostrados pela empresa na Feira de Automóveis de Paris
não serão montados no Brasil?
SCHWEITZER ? Nós não queremos ter no Brasil modelos velhos e superados ou de baixa tecnologia. Sabemos que o mercado brasileiro quer modelos novos de alta tecnologia. Mas antes de investir vamos ter de tomar em conta as estatísticas de vendas e a capacidade de investimento local. Como eu disse antes, não somos mais uma empresa estatal.
DINHEIRO ? Como a recessão mundial está afetando
sua companhia?
SCHWEITZER ? Eu não chamaria a situação atual de recessão. É uma situação de crescimento lento, diferente em cada parte do mundo. Na Europa é crescimento lento, no Japão tem sido estagnação por vários anos e nos EUA, surpreendentemente, há crescimento na economia. Será que essa situação vai se manter no futuro? Não sabemos. Acredito que na Europa haverá forte crescimento em 2003 enquanto nos EUA a situação é mais dúbia. Vivemos um período de incerteza.
DINHEIRO ? Como isso se traduz em números?
SCHWEITZER ? Para termos um mercado automobilístico estável necessitamos de 2% de crescimento geral da economia. Este ano, o crescimento na Europa será menor do que 2%, e isso significa que o mercado de carros vai cair cerca de 5%. Isso não é uma crise, nem uma recessão, mas o fato é que o mercado automobilístico vai se contrair. Mas tenho esperança de que no ano que vem teremos crescimento na venda de automóveis. Esperamos que a Europa cresça mais que 2% e que a América se mantenha forte. Também esperamos uma melhora na Argentina e na Turquia, assim como
no Brasil.
DINHEIRO ? Como a sua companhia está lidando com essa incerteza?
SCHWEITZER ? Temos de aceitar o fato de que nos dias de hoje é cada vez mais difícil prever o futuro. A única resposta é ser muito flexível. Se uma companhia tem custos fixos elevados e não consegue se ajustar, se ela tem estoques elevados, ela é fraca em períodos de incerteza. Nossa política na Renault é manter baixo nível de estoques, adaptar a produção de forma rápida e ter uma política de build to order: fazemos o carro quando o consumidor encomenda.
DINHEIRO ? Como a geografia entra nessa situação?
SCHWEITZER ? É importante desenvolver a empresa globalmente, para ser menos dependente de um só mercado. Por causa de nossa participação na Nissan e na Samsung nós somos menos dependentes da Europa e da América Latina. Além disso, temos de ter a possibilidade de adaptar a produção entre países. Ainda não fizemos isso no Brasil, mas claramente é importante considerar a fábrica brasileira como uma fábrica de exportação, além de fornecedora para o mercado interno.
DINHEIRO ? A Renault já deixou de ser uma empresa estatal?
SCHWEITZER ? Existe uma distância enorme entre a percepção que se tem da Renault e a realidade da empresa. Nós fomos privatizados totalmente em 1996, e o Estado tem agora 25% da empresa. Nós não somos administrados como uma empresa estatal e o Estado francês se comporta como qualquer outro acionista. Ele espera que as suas ações subam e que a empresa tenha lucros. Aliás, somos a única grande empresa francesa cujas ações subiram em 2002. Em relação à demitir, eu não gosto disso, mas em 1997 nós fechamos uma planta inteira na Bélgica. E semanas atrás nós dispensamos 900 pessoas de uma fábrica aqui na França. Nós estamos agindo como uma corporação eficiente.
DINHEIRO ? Como a indústria vai enfrentar a questão do excesso de capacidade produtiva?
SCHWEITZER ? Eu acho que na maior parte do tempo esse problema é causado por plantas ineficientes. Nós na Renault tínhamos muitas plantas e tivemos de fechar algumas. Acho que devemos concentrar a produção em menos fábricas e fazê-las operar em dois ou três turnos. Com três turnos se aumenta a capacidade em 30%. A questão do excesso de capacidade é basicamente uma questão de administração eficiente das fábricas. As fábricas têm de ter flexibilidade para atender com eficiência o mercado quando ele quer muitos carros e quando ele pede menos carros. Não adianta produzir carros que o mercado não quer apenas para manter as plantas ocupadas ou fazer estoques.
DINHEIRO ? Como a Renault está lidando com a redução de horas de trabalho na França?
SCHWEITZER ? As 35 horas de trabalho semanal não apresentam custos adicionais significativos para manufatura, porque nós reduzimos as horas de trabalho criando 10 dias extras de férias por ano. E fomos capazes de posicionar esses dias de acordo com as necessidades da empresa. As pessoas podem carregar seus dias de um ano para o outro, como bônus. Temos usado isso como um instrumento para aumentar a flexibilidade. O nome do jogo é flexibilidade.
DINHEIRO ? Quer dizer então que a mudança foi boa para a economia francesa?
SCHWEITZER ? Não exatamente. Eu não apoiei a mudança antes de ela ser aprovada e nem depois. Nós estamos nos virando com a situação e acho que estamos fazendo isso bem. Mas o que é possível fazer em uma empresa grande como a Renault não pode ser feito em empresas menores. Quem tem 5, 10 ou 15 funcionários não pode tratar as questões como nós, que temos 100 mil funcionários.
DINHEIRO ? Nos últimos tempos a receita de abertura liberal das economias emergentes tem sido muito criticada. Como o sr. vê essa questão?
SCHWEITZER ? Eu acredito que as economias têm de ser dirigidas como as empresas: com princípios mas também com uma abordagem pragmática. Nós nunca deveríamos ser doutrinários. Também acredito que em cada país é preciso ter o maior grau possível de previsibilidade. Onde quer que o governo consiga aumentar a previsibilidade estará ajudando os investimentos. Claramente a economia mundial nos últimos tempos foi orientada demais para as finanças e de menos para a produção e o comércio. Há uma mudança no mundo agora e ela é bem-vinda. Mas um fato importante é que os países não deveriam criar regulamentações desnecessárias. Quando decidimos nos mover para o Brasil, um elemento importante em nossa decisão foi a possibilidade de decidir onde gostaríamos de investir e o fato de haver um governo que queria ajudar e não nos criar problemas.