“Como te antecipei por telefone anteontem, tomei a decisão de mudar meu papel na liderança da empresa. Aliás, você mesmo me sugeriu isso no ano passado. Não vai ser fácil sair do dia-a-dia operacional e delegar a execução. Confesso que não gostei muito quando você sinalizou esse caminho, mas refleti bastante desde sua provocação e, no máximo, em seis meses, pretendo passar a presidir o Conselho da empresa. Assim, preciso que você me ajude a preparar o diretor Comercial para me substituir como CEO.”

Com essas palavras fui recebido pelo fundador e acionista majoritário de uma fabricante bem diversificada de alimentos, em um dos estados do sul do País, logo após me cumprimentar e perguntar como tinha sido o meu voo de São Paulo até lá.

O que tira o sono dos líderes empresariais brasileiros?

Não pude deixar de parabenizá-lo pela decisão e agradecer a confiança depositada em mim e no meu trabalho. Contudo, ponderei que, para aceitar seu convite, seria importante aprofundarmos três pontos na conversa:

  • Definição da estratégia da empresa, que ainda estava inconclusa;
  • Papel da possível mentoria com o diretor Comercial, para ter entendimento claro do que ele me solicitou;
  • Necessidade dele próprio se preparar para o novo papel, como presidente do Conselho de Administração.

Ele sorriu e disse que não tinha tempo a perder. Pediu que eu expusesse ali mesmo minha opinião sobre essas questões.

Em primeiro lugar, fui cristalino ao afirmar que mentoria (ou qualquer programa sério e consequente de desenvolvimento de líderes) só faz sentido se estiver atrelado à estratégia da empresa. Enfatizei que “a forma segue a função” e “a estrutura segue a Estratégia”, como aprendi com meu querido mentor, o professor Igor Ansoff, considerado “o pai” do conceito de estratégia, quando publicou sua obra seminal, o primeiro livro sobre esse tema, com o título “Business Strategy”, em 1965.

Coloquei então a questão que acho que o convenceu: “como posso ajudar a desenvolver líderes ou fazer mentoria com um executivo, se não temos clara a estratégia da empresa para os próximos três ou cinco anos?”.

Arrematei argumentando que não atuo para “dar banho de loja” em programas de liderança, mas procuro fazer algo pragmático e coerente com o próximo patamar, ou seja, o futuro onde a empresa deseja chegar.

Em segundo lugar, alinhavei como seria a mentoria com o diretor Comercial: um programa simples e direto, com cerca de seis sessões de duas horas cada, visando despertar no mentorado o autoconhecimento sobre seus pontos fortes e aqueles a desenvolver; o desejo de mudança e o seu Compromisso com o Autodesenvolvimento (CAD).

Deixei claro que esse “Executive Mentoring” passa longe dos tradicionais processos de coaching ou psicanálise. “O que faço é algo funcional, com a meta de ajudar o executivo a tomar decisões que o coloquem em outro status profissional, de forma coerente com o próximo patamar da empresa”, enfatizei.

Pela sua expressão facial, acredito que, nesse momento, ele percebeu claramente o casamento da estratégia empresarial com o processo de mentoria dos seus executivos.

Aproveitei o embalo para tocar no terceiro ponto chave: “os processos de sucessão vitoriosos são aqueles que cuidam tanto do sucessor, quanto do sucedido”. Absorvi esse importante aprendizado de um ícone da profissionalização do management no Brasil, o querido Professor Luís Carlos Cabrera.

Desta forma, ressaltei a necessidade dele se preparar para o novo papel e exercê-lo de maneira construtiva e relevante, participando ativamente, mas delegando a execução para o sucessor.

Ficou evidente que ele precisava digerir essas ideias, mas, prontamente, autorizou a realização da reflexão estratégica que serviria de base para a mentoria, tanto do diretor Comercial, quanto dele próprio.

Aí coloquei um pouco mais de sal e pimenta na conversa. Fui transparente ao mostrar minha concordância com sua intenção de fazer o diretor Comercial como seu possível sucessor, mas alertei que há diferença entre ser excelente líder de uma área funcional e outra situação bem mais complexa de ter capacidade para liderar outros líderes, de várias unidades de negócios e de outras áreas funcionais.

Combinamos, então, durante o processo de mentoria, em uma segunda etapa, avaliarmos em conjunto se o diretor Comercial seria “a pessoa certa, no lugar certo e no momento certo”, ou se deveríamos pensar em alternativas para que ele pudesse tomar uma decisão mais embasada.

Voltei no voo para São Paulo refletindo sobre essa reunião, convicto da importância de evitar precipitações quando se trata de assuntos delicados como sucessão; mentoria; desenvolvimento de líderes; e como esses temas não podem ser dissociados da estratégia de uma empresa.

* César Souza é presidente da Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia, Liderança, Clientividade e Inovação. Mentor de diversos CEOs e dirigentes do C-Level. Autor de diversos bestsellers, seu próximo livro, “Passaporte para o Futuro”, será lançado em novembro pela Editora Record, selo Best Business.