18/09/2024 - 12:47
Em 2017, o plano para as escolas suecas nos próximos cinco anos era “criar novas oportunidades de digitalização, atingir um alto nível de competência digital – especialmente no que diz respeito a crianças, estudantes e jovens – e promover o desenvolvimento do conhecimento, a igualdade de oportunidades e acesso a tecnologias”.
Hoje, a Suécia tem o segundo maior índice de utilização da internet da União Europeia (UE), atrás só da Dinamarca. Mas o governo teme que os jovens possam estar tendo oportunidades demais para permanecer conectados em sala de aula. O ministro de Assuntos Socias e Saúde Pública, Jakob Forssmed, quer fazer com que os estudantes reencontrem o equilíbrio entre a vida real e os reels no TikTok.
Escolas sem smartphones
“As escolas são responsáveis por preparar as crianças para o mundo. Mas, por Deus”, diz Forssmed, gesticulando bastante e demostrando preocupação. “O que vemos agora é algo bem diferente.”
Segundo o ministro, que recebeu a DW na sede do ministério, em Estocolmo, o tempo excessivo online tem provocado nos alunos uma série de transtornos, além de um declínio em suas capacidades físicas e intelectuais.
“Eles não sabem cortar com uma tesoura. Não sabem subir em uma árvore. Não conseguem andar de costas porque estão sentados com seus telefones”, enumera. A falta de atividade física estaria fazendo com que os jovens tivessem cada vez mais doenças que normalmente só adultos ou idosos têm.
Por isso, Forssmed defende que as restrições ao uso de aparelhos digitais nas escolas virem lei nacional e se tornem obrigatórias, ao invés de apenas recomendadas, como ocorre hoje em dia.
Com a nova lei, o governo quer garantir que os alunos até o 9º ano escolar – frequentado por adolescentes com idade entre 15 e 16 anos – não tenham acesso a seus aparelhos durante todo o tempo em que estiverem na escola, inclusive durante as pausas.
A proposta recebeu o amparo de novas diretrizes estabelecidas no inicio do mês pela Agência de Saúde Pública da Suécia, que sugerem a proibição total do uso de aparelhos digitais para crianças com menos de dois anos, um tempo máximo de uma hora por dia para crianças com até cinco anos, de duas horas para as de seis a doze anos e, para os adolescentes, um limite de três horas por dia.
Forssmed acredita que o problema da privação do sono entre os adolescentes seja subestimado. Ele diz que estudos mais recentes demonstram que os adolescente suecos dormem menos de seis horas por noite, ao invés das oito ou nove horas que seriam ideais, e que isso se deve, em grande parte, aos aparelhos digitais.
“Isso os deixa menos resistentes ao estresse”, afirma o ministro, alertando para um “maior risco de depressão, pensamentos suicidas e ansiedade”. Ele diz que as meninas são mais afetadas e cita provas científicas de que as redes sociais as expõem a transtornos alimentares e podem fazer com que se sintam mal em relação ao próprio corpo.
Viciados em smartphones
Patrik Sander, vice-diretor de uma escola na cidade sueca de Malmo, relata que a escola em que trabalha passou há alguns anos a recolher os telefones dos alunos, ainda que eles possam reavê-los na pausa para o almoço. Segundo diz, essa política foi implementada porque havia sinais de que os jovens estavam “no limite do abuso e do vício” – quando eram privados dos aparelhos, alguns continuavam procurando seus telefones em seus bolsos. “Fiquei um pouco assustado quando vi isso”, afirma.
Outro comportamento incômodo que Sander espera que diminua com o confisco dos telefones é a prática do bullying. Ele diz que meninas de sua escola foram alvo de colegas que as fotografavam indiscriminadamente no vestiário do ginásio esportivo e depois espalhavam as fotos.
As tentativas de aumentar a conscientização sobre os riscos da dependência parece estar surtindo efeito em uma escola em Arsta, um subúrbio de Estocolmo, onde os alunos depositam todas as manhãs seus telefones em sacolas feitas à mão por eles mesmos e somente os pegam de volta no final do dia.
As quatro crianças de idades entre 10 e 11 anos entrevistadas pela DW sem a presença de um professor admitiram que teriam grandes dificuldades para se concentrar se não houvesse esse sistema.
“Usamos muito o Snapchat e o TikTok, e às vezes isso pode viciar”, explicou Emma.
“Aí você não quer se afastar de seu telefone. Se você o tem a seu lado, sempre quer verificá-lo”, acrescentou Livia, uma colega de sala.
Outro colega, Lucas, disse que mesmo se pudesse ter seu telefone de volta durante a pausa do almoço, ainda preferiria jogar futebol com os amigos, mas que ficaria tentado a usá-lo durante as aulas.
Esia, por sua vez, admitiu sem hesitar que não prestaria atenção na aula. “Provavelmente seria sugada pelo meu telefone”, contou, acrescentando que isso aconteceria porque a escola é “chata” em comparação. Ela disse passar três ou quatro horas por dia online quando está fora da escola, enquanto seus três colegas disseram que em seus telefones há uma trava automática após duas horas e meia de uso.
Essa é uma das razões pelas quais a professora Asa Lind gostaria de ver ainda mais restrições nas escolas. Ela diz considerar que as uma ou duas horas de uso recomendadas pela Agência de Saúde Pública são suficientes, o que não inclui o tempo gasto online como parte do currículo escolar.
“Acho que deveríamos observar como usamos os dias nas escolas e limitar ou restringir o uso de aparelhos pelos mais novos durante as aulas”, afirma. “Eles tendem a passar tempo demais sentados sozinhos com seus fones de ouvidos em frente aos computadores, fazendo suas tarefas.”
Currículos especiais
No caso dos alunos mais velhos, não há alternativas ao uso constante dos smartphones, mesmo que eles quisessem.
Lovisa Hedelin e Nils Conning estudam música no Colégio Sodra Latins, onde os horários são constantemente postados e atualizados através da plataforma Teams, da Microsoft. Conning disse que até já foi repreendido por não verificar as informações em seu telefone antes do inicio das aulas.
O caso deles, no entanto, pode ser uma exceção, porque seria impossível tocar seus instrumentos e usar seus telefones ao mesmo tempo, diz Hedelin. Não está claro como a nova legislação, se aprovada, afetaria um currículo escolar especial, como o deles.
Ao mesmo tempo, Conning diz que teve que ser rígido consigo mesmo em seu tempo livre. Uma vez, ele se viu usando o telefone até as 3h da manhã. “Me dei conta de que isso não funciona”, afirmou.
A professora de violino Linda Toivola disse que nunca precisou tirar os telefones de seus alunos. Ela, porém, tem três filhos em outras escolas, e diz torcer para que as regras mais rígidas propostas por Forssmed entrem em vigor. “Adoraria isso”, afirmou. “É isso que desejo, como mãe.”