Durante muitas décadas, as empresas baseadas no Nordeste, com raríssimas exceções, não se atreviam a cruzar a fronteira da Bahia em direção aos Estados do chamado “Sul Maravilha”. Nos últimos tempos, no entanto, aos poucos elas vêm perdendo a timidez. É que descobriram que para engordar o faturamento de uma forma mais acelerada é preciso estar presente nos mercados que ainda concentram quase 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. Uma das que estão seguindo esse caminho é o grupo Marquise, de Fortaleza, originário do setor de construção civil, composto por dez empresas que empregam cinco mil pessoas e operam nos ramos imobiliário, serviços ambientais (coleta de lixo), comunicações e financeiro. Em 2010, o grupo obteve uma receita de R$ 608,1 milhões. A meta é atingir o patamar de R$ 1 bilhão até 2013. Carla Pontes, 30 anos, herdeira e diretora-geral da holding que controla o grupo, já definiu o plano de voo para chegar a esse objetivo: intensificar sua atuação no eixo Sul-Sudeste. Em especial, no setor de infraestrutura, área que deve movimentar R$ 922 bilhões no período 2011-2015, de acordo com a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB). 

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No comando: Carla Pontes, herdeira do grupo Marquise, é quem define as estratégias de crescimento da empresa

O grupo Marquise já coleciona algumas vitórias em suas andanças pelos Estados do Sul. Uma delas é a reforma e a ampliação do Aeroporto Internacional de Confins, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte, um contrato de R$ 224 milhões. O grupo também assumiu o serviço de coleta e destinação de lixo em São Gonçalo, o segundo município mais populoso do Rio de Janeiro, com um milhão de habitantes, que deve render cerca de R$ 96 milhões. Apesar do imenso apetite, Carla diz que pretende executar com bastante cuidado sua estratégia de diversificação regional. “Todos os nossos passos são precedidos de estudos e pesquisas para atestar a viabilidade do contrato e seu potencial de retorno”, disse Carla à DINHEIRO. Graduada em administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e com mestrado na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, caberá a Carla liderar o planejamento estratégico do conglomerado.  

Sua rotina inclui visitas regulares a São Paulo, cidade na qual a Marquise está montando um escritório de representação. No cargo desde abril deste ano, ela exibe um intenso brilho nos olhos enquanto sobrevoa, a bordo do helicóptero da empresa, o porto de Pecém, no Ceará, cuja ampliação foi realizada pela Marquise. A empresária é capaz de falar, em detalhes, sobre cada item do terminal multiuso. O empreendimento, inaugurado em agosto, em cerimônia que contou com a presença da presidente Dilma Rousseff, marca uma virada na trajetória da Marquise. “Foi um trabalho complexo que exigiu a adoção de tecnologias inovadoras”, afirma Carla. “Além disso, tivemos de tocar a obra sem prejudicar o funcionamento do porto.” Pecém funciona como um cartão de visita para a Marquise em sua trajetória de expansão. Para disputar projetos de grande porte, a construtora cearense contratou profissionais do mercado. 

 

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Um deles foi o experiente engenheiro Renan Carvalho. Com passagem pela empreiteira baiana OAS, ele é o responsável pelo departamento de obras, no qual comanda uma equipe de 50 pessoas. Aproveitando a experiência acumulada nos últimos 20 anos em serviços ambientais (coleta e processamento de resíduos), a Marquise também pretende tirar partido da Lei de Resíduos Sólidos. O dispositivo prevê, entre outros pontos, a substituição de lixões por aterros sanitários, além do aproveitamento econômico do lixo. Para isso, os dirigentes da companhia estão negociando uma parceria com um grupo francês, cujo nome não revelam, para montar uma usina de geração de energia no aterro que administra em Osasco, na Grande São Paulo. O objetivo é utilizar o gás metano gerado pela decomposição dos resíduos para produzir eletricidade. Criado em 1974 por José Erivaldo Arraes e José Carlos Valente Pontes, pai de Carla, o grupo Marquise é mais um exemplo das muitas histórias de sucesso da crônica empresarial brasileira. Cursando o último ano de engenharia, os dois resolveram testar, na prática, os ensinamentos adquiridos no banco escolar. 

 

O capital para iniciar o negócio foi obtido com a venda de seus únicos bens: um SP2, carro esportivo da Volkswagen, e um Corcel, da Ford, além de um pequeno empréstimo feito com os familiares. “Começamos apostando em reformas de escolas públicas”, diz Arraes, que divide a presidência da empresa com o sócio Pontes. Os sucessivos contratos obtidos na área mostraram que estavam no caminho certo. Um dos feitos da dupla, lembrado por Pontes, foi a construção de cerca de cinco mil casas populares, financiadas pelo extinto Banco Nacional da Habitação. A intuição e o senso de oportunidade ajudaram a fazer da Marquise uma das maiores construtoras do Nordeste. Uma dessas tacadas possibilitou a entrada da dupla no setor hoteleiro. O terreno no qual foi erguido o imponente Gran Marquise, no ponto mais valorizado da avenida Beira Mar, um dos cartões-postais de Fortaleza, foi obtido em uma troca por cinco casas populares, nos anos 1990. “Na época, a legislação não permitia construir edifício na orla”, diz Arraes. 

 

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Dupla dinâmica: para criar a Marquise, Pontes (à esq.) e Arraes venderam seus carros e fizeram um empréstimo com familiares

 

“Mas acreditávamos que isso um dia iria mudar.” Apesar de ter como prioridade a exploração das regiões Sul e Sudeste, a Marquise não pretende abandonar a sua região de origem, uma das de maior dinamismo do País. No trimestre abril-junho, o PIB nacional cresceu 0,7%, mas o Nordeste avançou mais que o dobro, para 1,6%. Uma boa amostra dessa disposição são os dois projetos que seu braço imobiliário está executando atualmente. Um deles é o shopping Parangaba, em Fortaleza, no qual está investindo R$ 180 milhões. O empreendimento será localizado em frente a um terminal rodoviário e cortado por linhas de metrô e do sistema de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). O grupo também está investindo no Complexo Mandara Porto das Dunas, uma série de condomínios de luxo situados em Aquiraz, cidade litorânea distante 35 quilômetros da capital cearense. O Mandara será tocado em parceria com as construtoras paulistas Cyrela e Tecnisa e cada unidade custará entre R$ 400 mil e R$ 1 milhão. “Vamos crescer sem deixar de lado as nossas raízes”, afirma.  

 

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Enviado especial a Fortaleza