Esqueça a imagem do venerável senhor sentado atrás de uma pesada mesa de carvalho, cercado por prateleiras recheadas de livros. Esqueça expressões como data venia ou caput. Esqueça os escritórios sérios localizados próximos aos tribunais. Hoje os advogados são encontrados em viagens de negócios ou metidos em reuniões com presidentes de grandes corporações. O latim perdeu lugar para o inglês de mergers and acquisitions ou capital markets. E os escritórios são modernos, dotados de todos os recursos tecnológicos de grandes companhias. Nunca, em qualquer outro momento da história empresarial do País, as grandes bancas de direito tiveram um papel tão vital no mundo dos negócios como hoje. Olhe por trás de uma grande transação, da compra ou venda de uma empresa, de conflitos entre sócios, e lá você encontrará a figura de um advogado. Foi a turma do Andrade & Fichtner, por exemplo, que provocou o processo na CVM que culminou com a multa recorde de R$ 62,5 milhões aplicada contra o empresário italiano Sérgio Cragnotti, controlador da Bombril. Na criação da Telemar, os advogados do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão realizaram 16 assembléias de acionistas simultâneas em 16 cidades diferentes para incorporar 16 empresas distintas em uma só corporação, a Telemar. Os profissionais do Tozzini, Freire, Teixeira e Silva foram responsáveis por armar o arcabouço jurídico para que o Santander arrematasse o Banespa por R$ 7 bilhões.

Por isso, nunca os grandes escritórios de advocacia foram tão grandes e poderosos. Para contar com um profissional desse nível, as companhias desembolsam, em média, R$ 220 por hora de trabalho, mas esse valor chega tranqüilamente a R$ 700, quando a tarefa fica a cargo do titular de uma grande banca, segundo Anna Luiza Boranga, consultora de gestão de serviços jurídicos. E as empresas pagam ? muitas vezes para se livrar de problemas que custariam dezenas de vezes mais do que os honorários dos advogados. Analise, por exemplo, o seguinte caso: em 1957, a Vale do Rio Doce deixou de pagar três prestações de uma pequena dívida. Anos depois, foi condenada a pagar R$ 20 mil pelo esquecimento. Um erro do contador elevou a soma para (pasmem!) R$ 20 milhões. A empresa, então uma estatal, pagou. Tempos depois, o beneficiado recorreu à Justiça para receber a correção pelos expurgos dos planos econômicos. Total: R$ 38 milhões. A Vale, agora, pediu socorro ao escritório de Sérgio Bermudes, um dos mais conceituados especialistas na área de contencioso cível e comercial do País. ?Somos uma UTI jurídica?, diz Marcelo Fontes, um dos principais sócios da banca. ?Quando o caso é terminal, nos procuram.?

Junto com Fontes, trabalham 60 advogados. Casos famosos de quebradeira financeira, como Mesbla, Arapuã e Banco Nacional, compõem seu portfólio. São situações em que o advogado torna-se, em geral, o principal conselheiro do empresário. O ex-banqueiro Marcos Magalhães Pinto, por exemplo, consulta seus advogados até mesmo para promover festas em sua casa no Rio de Janeiro. ?Uma ação judicial é como doença, na qual o cliente fica fragilizado, pois o processo, por si só, já é uma pena?, diz Fontes.

A maré a favor dos advocados estourou a partir de meados da década de 90. Os processos de privatização exigiram apoio legal até então desconhecido no Brasil. Esse foi o principal empurrão na expansão do Barbosa, Müssnich & Aragão. Desde então, o número de advogados saltou de 10 para os atuais 100. Na privatização do sistema Telebras, eles assessoraram o Ministério das Comunicações. Depois, as grandes operadoras, como Telemar e Brasil Telecom, os contrataram para desenhar e montar a estrutura societária das companhias. ?As pessoas brincam dizendo que nós desfizemos tudo para depois fazermos de novo?, afirma Paulo Aragão, um dos sócios. Aragão é o típico advogado desses novos tempos. Com passagens pelo GP Investimentos e domínio de contabilidade, ele conhece de perto o mundo dos negócios. Seu sócio, Francisco Müssnich, fez mestrado em mercado de valores mobiliários em Harvard. ?O advogado é hoje um conselheiro do empresário?, diz Müssnich. ?Ele tem de falar a mesma linguagem de seu cliente.?

Para Müssnich, essa exigência começou com a chegada maciça do capital estrangeiro no Brasil ao longo da década de 90. ?As multinacionais queriam excelência técnica inquestionável, preço competitivo e agilidade?, diz. ?Nem sempre os escritórios tradicionais podiam suprir isso.? A partir daí, as bancas de direito passaram a investir maciçamente em modernização. O número de advogados do Tozzini, Freire saltou, em poucos anos, de 30 para 320. ?Tivemos de nos modernizar rapidamente?, diz José Luis Freire, fundador da banca com Sylas Tozzini. Só em informática os investimentos alcançam US$ 1 milhão. Para cuidar da administração, também contrataram um executivo no mercado. O escolhido foi Ricardo Ariani, advogado de formação mas especializado em recursos humanos e gestão de empresas. ?Embora nossa origem seja familiar, temos de manter uma estrutura profissional?, diz Ariani.

Especialização. ?Os escritórios nasceram da associação de advogados que continuam na ativa e, por isso, mantêm uma estrutura familiar?, afirma Anna Luiza. ?Mas a tendência é a profissionalização.? Com 1.500 clientes e um exército de 350 advogados, o Demarest & Almeida implantou um plano de carreira e criou um conselho com oito membros, eleitos pelos 33 sócios da banca. Aos 65 anos, o profissional é aposentado compulsoriamente, embora continue a ter sala e secretária na sede da banca. ?Ele contribui com sua experiência, mas, ao mesmo tempo, abre espaço para os jovens?, diz Rogério Lessa, sócio do escritório.

Com o refluxo nas privatizações e investimentos estrangeiros, as bancas buscam novos campos de atuação. A Demarest & Almeida acaba de contratar Álvaro Melo, especialista em direito esportivo. Também acertou a incorporação do escritório de Luiz Campos Mello, com atuação em transações imobiliárias. A especialização é um caminho já trilhado por outros escritórios. O Andrade & Fichtner, por exemplo, se classifica como uma ?boutique na área de contencioso comercial?. ?Prestamos dois favores aos clientes: fazer o que sabemos e não fazer o que não sabemos?, diz José Antonio Fichtner, sócio e filho de um dos fundadores. Ele e sua equipe estão envolvidos em brigas de cachorros grandes. Anos atrás, a Garoto, fabricante de chocolates, sofreu uma denúncia de pirataria de softwares por parte da Microsoft. ?Os programas haviam sido instalados por um revendedor autorizado da Microsoft?, conta Fichtner. ?Só que ela não quer reconhecer isso.? Os advogados, então, decidiram pedir uma indenização em valor igual à multa que a Garoto teria de pagar, US$ 500 mil. Em primeira instância, o juiz considerou a Garoto inocente, mas não aceitou a indenização. ?Estamos recorrendo?, diz Fichtner. ?É necessário buscar o máximo para o cliente.? Às vezes, isso requer muito jogo de cintura. Botafoguense doente, Francisco Müssnich foi o advogado do Flamengo nas negociações com a empresa de marketing esportivo ISL. ?Até meu filho de 12 anos reclamou?, conta ele.