01/02/2019 - 14:40
Oakland, na Califórnia, é uma cidade sem muito apelo. Não tem o luxo de Los Angeles ou a modernidade de São Francisco, nem mesmo é a capital, como Sacramento. Oakland é um polo industrial na baía californiana e seu moradores são chamados de “blue collar”, a classe média trabalhadora.
O grande orgulho da cidade é o Oakland Raiders, time de futebol americano da cidade, tricampeão do Super Bowl e com um dos logos mais famosos do planeta. A torcida da cidade é apaixonada. Pessoas se vestem e se produzem inteiras para assistir as partidas, um setor do estádio chamado “black hole” é temido por adversários pela virulência dos torcedores que lá passam as mais de três horas de partida. Se existe um modelo semelhante ao das torcidas organizadas brasileiras e argentinas nos Estados Unidos, é a torcida do Oakland Raiders, cujo episódio mais triste foi o assassinato de um torcedor adversário nos arredores do estádio.
Apesar de todo o sucesso, os Raiders jogam no estádio mais antigo da NFL, dividindo o espaço com os A’s, do baseball. Nas tratativas para construir um novo estádio, os donos do time queriam que a prefeitura arcasse com grande parte do projeto, o que foi recusado. Nesse meio tempo, a cidade de Las Vegas chegou com um plano ousado, prometendo um estádio de primeira linha e financiamento de US$ 750 milhões para um projeto que sairia US$ 1,8 bi. O dono dos Raiders aceitou a proposta e, a equipe que sempre marcou a cidade de Oakland, a partir de 2020 vai ostentar o nome de Las Vegas Raiders.
O estádio do Super Bowl LIII
A história acima é um bom exemplo de como funcionam os times das ligas americanas e a dinâmica de negociação de estádios, que envolvem sempre uma queda de braço entre o poder público e os donos das franquias – apenas um time da NFL não tem um dono – , como são tratados os times profissionais por lá. “É uma lógica muito parecida com a negociação de uma fábrica. Quem oferece as melhores condições para os donos da empresa abriga o negócio e todas as vantagens econômicas que ele traz”, explica o especialista em marketing esportivo Erich Beting. Mas o caso dos esportes americanos tem um porém.
“Quase todos as estádio têm dinheiro público. Isso é dado como garantido nos Estados Unidos, como se a cidade se comprometesse de que tanto o time quanto estádio vão dar certo”, explica. A Major League Soccer (MLS), liga profissional de futebol dos Estados Unidos tem isso em seu estatuto, e toda cancha do campeonato precisa ter pelo menos uma parcela de dinheiro vinda do estado.
A questão do financiamento público nos leva ao Superl Bowl LIII, que acontece neste domingo (3), entre New England Patriots e Los Angeles Rams. O local da partida é o Mercedes-Benz Stadium, o mais moderno estádio dos Estados Unidos que custou US$ 1,6 bilhões. Desse valor, US$ 700 milhões vieram do contribuinte de Atlanta em uma manobra viabilizada nas entrelinhas do contrato entre a cidade e o Atlanta Falcons, franquia da NFL que manda suas partidas no local.
Inicialmente o contribuinte iria pagar apenas US$ 200 milhões do projeto, porém, o contrato de construção continha uma cláusula chamada “fundo das fontes de água.” Ela previa que após o gasto do dinheiro inicial, a taxa cobrada por hotéis e motéis da cidade iriam para a manutenção do estádio. Como estas atribuições normalmente saem do bolso da equipe, o dinheiro coletado foi para os Falcons, que usaram para financiar sua parte da construção. Saiba de onde veio o dinheiro de cada estádio da NFL
Além da construção, um estádio traz uma série de “custos ocultos” que chegam a aumentar em 40% do valor da obra, segundo um estudo feito na Universidade de Michigan, pela pesquisadora Judith Grant. Os gastos incluem desde passarelas de acesso ao estádio, até realocações de parques, e mesmo a manutenção de áreas verdes nos arredores do estádio. No entanto, a questão americana é intrínseca ao país. “Os Estados Unidos tem uma cultura de entretenimento a qualquer preço muito forte. Eles tem o pragmatismo do dinheiro. Se está entrando dinheiro, eles aceitam. Se precisar aprovar uma taxa, eles fazem isso, porque o dinheiro vai voltar” explica Beting.
Entretanto, cada vez mais se questiona essa lógica. Assim como fez a prefeitura de Oakland, que acabou sofrendo a maior das consequências. Um dos pontos mais citados entre os defensores do financiamento público em estádios é de que as partidas geram receita. Porém, o pesquisador Raymond Keating em seu estudo “Sports Pork: The Costly Relationship between Major League Sports and Government” mostrou que as partidas geram um fluxo contrário, no que chamou de “efeito substituição.” Partindo do conceito de que pessoas têm dinheiro e tempo limitado, ele afirma que um estádio novo não vai gerar mais dinheiro, e sim realocar aquele que já gira nos empreendimentos da cidade, criando uma concentração dos gastos para lazer naquela região.
Porém, nada disso parece evitar a construção de novos estádios. Nos últimos anos, a NFL vem recompensando as cidades que constroem novas arenas, uma vez que cinco dos nove Super Bowl aconteceram em estádios novos. Um alento para a cidade, que após gastar rios de dinheiros nos projetos nababescos, possibilita ao torcedor assistir a partida (e receber o dinheiro de turistas e tudo que envolve o grande jogo) a alguns quilômetros de sua casa.
A má notícia é que nunca uma equipe jogou um Super Bowl em casa.