26/01/2001 - 8:00
Avesso a aparições públicas espetaculares, a gestos teatrais e a verborragia, o presidente mundial da Telefonica, César Alierta, procura imprimir em sua gestão a marca da discrição, uma espécie de contraponto ao estilo que caracterizou, e levou à desgraça, seu antecessor Juan Villalonga. Na sexta-feira, 26, Alierta abandonou essa postura e desembarcou triunfante no Rio de Janeiro. Horas depois, ele e o presidente da Portugal Telecom, Francisco Murteira Nabo, reuniram-se com jornalistas para explicar a informação que, dois dias antes, provocara a maior reviravolta no setor de telefonia desde o início de sua privatização, em 1997. As duas empresas haviam selado um acordo para a fusão de suas operações de telefonia móvel no território brasileiro, criando assim uma superpotência no setor.
A união não foi uma decisão política, mas o momento de anunciá-la parece ter sido escolhido a dedo. A notícia começou a circular no dia 24 de janeiro, justamente a data de entrega das propostas para o leilão da Banda C. Com o anúncio, Telefonica e Portugal Telecom criaram um fato estrondoso o suficiente para alterar todos os planos em relação à temporada de disputa das bandas C, D e E. Os presidentes mundiais das duas empresas negaram, em conversa com DINHEIRO, qualquer tentativa de influenciar no leilão. ?Não houve intenção, tanto que anunciamos depois do fechamento dos mercados de capitais?, disse Alierta. ?Não houve boicote ao leilão. Só informamos publicamente nessa data porque queríamos dar uma explicação sobre nossa ausência na licitação?, afirmou Nabo. Nada a ver, mas horas depois do anúncio, o leilão, previsto inicialmente para 30 de janeiro, foi adiado devido a uma liminar e remarcado para 5 de fevereiro. Mais: a Anatel já declarou que os preços das licenças vão cair.
Intencional ou não, a notícia provocará uma profunda modificação no cenário da telefonia no Brasil. ?Tenho certeza de que, com o anúncio da união, as diretorias de todas as operadoras interessadas no Brasil sentaram-se para repensar seus planos para esse mercado?, diz Rodrigo Motta Mendes, analista da A. T. Kearney. Quem já atua no País analisará se continuará por aqui. Quem ainda não chegou vai pensar se é o caso de desembarcar em território brasileiro.
O repentino temor dos concorrentes surgiu em função do tamanho do adversário recém-nascido. Avaliada em US$ 10 bilhões, a Telefonica/Portugal Telecom conta com uma carteira de 9,3 milhões de clientes. Sua área de atuação é um passeio pelo pedaço mais rico do Brasil, começando no Rio Grande do Sul, subindo por Santa Catarina e Paraná e chegando a São Paulo e ao Rio de Janeiro. As ramificações estendem-se ainda pelos estados de Espírito Santo, Bahia e Sergipe. A região dominada pela companhia concentra 70% do PIB e representa 60% do mercado de telefonia móvel do País. ?Tínhamos de juntar forças para enfrentar a nova realidade do mercado criada a partir do leilão das novas bandas?, disse à DINHEIRO o presidente da Telesp Celular Abílio Ançã Henriques. ?Hoje há apenas dois concorrentes em cada região. Em tese, esse número poderá chegar a cinco.? Por isso, segundo ele, a prioridade da nova empresa será consolidar a presença em suas áreas de atuação para, depois, pensar em expansões geográficas. ?Dificilmente manteremos a mesma fatia de mercado?, diz ele. A ampliação das fronteiras, porém, não está descartada. A aposta dos especialistas é que a nova empresa dê uma guinada para o centro do País, principalmente Minas Gerais, o único dos grandes estados brasileiros onde ainda não tem bandeira fincada. ?Conversamos com várias empresas, inclusive a Tele Centro-Oeste, mas não há nada definido?, diz Nabo.
Do ponto de vista da lógica empresarial, a fusão faz sentido. Cerca de uma hora após o anúncio na Europa, o Banco Brascan divulgava um relatório, no qual listava os benefícios para as duas empresas: operação em áreas geográficas vizinhas, ganhos de escala e compatibilidade de tecnologia, pois ambas utilizam o modelo CDMA. Em caso de interurbano entre cidades atendidas pelas duas empresas, não haverá necessidade do uso da rede de terceiros. Além disso, de um só golpe, a Portugal Telecom transformou em aliado um incômodo concorrente potencial na principal área de atuação, São Paulo. Por seu lado, a Telefonica colocou um pé nesse mercado sem gastar um centavo sequer. Executivos das duas empresas calculam que seriam necessários cerca de R$ 5 bilhões para dar o pontapé inicial numa operação paulistana, incluída aí o preço da licença.
Na opinião dos analistas, o surgimento da Telefonica/PT não vai mudar o futuro do mercado de telecomunicações do Brasil, mas certamente vai antecipá-lo. ?A partir dessa união, todos os participantes desse setor se envolverão em algum tipo de aquisição ou fusão?, diz Geraldo Marques, vice-presidente da Ernst & Young. Ele arrisca que haverá de cinco a oito grupos disputando a telefonia. Outros, a exemplo de Mendes, falam em três ou quatro. Enfim, serão muito menos do que os mais de 20 grupos que hoje atuam no setor.
Algumas das atuais operadoras freqüentam as listas de candidatas a vendas ou fusões. ATL (Rio de Janeiro e Espírito Santo), Tele Centro-Oeste e Americel (região centro-oeste mais Rondônia e Acre), entre outras, são nomes sempre citados. Uma união entre BCP, com atuação na Grande São Paulo, e Tess, no interior do Estado, também não surpreenderia os especialistas, principalmente em função da vizinhança das áreas de atuação das duas empresas. É verdade que há diversas pendências em relação à concretização da fusão entre Telefonica e Portugal Telecom. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por intermédio do vice-presidente Luiz Francisco Perrone, disse haver ?complicadores?. Um deles é a necessidade legal de a Telefonica antecipar para este ano o cumprimento de metas de instalação e operação de telefonia estabelecidas com a Anatel para 2003. A Portugal Telecom não tem essa obrigação, mas teria de promover uma migração tecnológica de sua atual operação em Sistema Móvel Celular (SMC) para Sistema Móvel Pessoal (SMP). ?Fomos comunicados oficialmente da criação da holding, e as duas empresas deixaram claro que realizarão o movimento quando e se a legislação brasileira permitir?, disse Perrone. Tecnicamente, as exigências da Anatel podem ser cumpridas, mas há dúvidas sobre a velocidade desses movimentos. Em declaração dada em Lisboa, na quarta-feira, 24, Nabo disse que ?a nova sociedade em partes iguais começará seu desenvolvimento apenas com a permissão do processo liberalizador?. Deu pista de que, o anúncio feito agora, é, de fato, apenas o início de um longo processo, que pode estar completado apenas ?no próximo ano?.
A nova holding terá um conselho de administração formado por três representantes de cada lado. A presidência do órgão ficará com os espanhóis. Já o CEO será indicado pela Portugal Telecom. O acordo ainda prevê o aumento da participação da Telefonica no capital da Portugal Telecom, de 4,5% para 10%. No sentido inverso, os portugueses ficarão com 1,5% do grupo espanhol. As duas empresas sempre jogaram de mãos dadas no Brasil. Em 1998, quando enfrentaram o processo de privatização do setor, cada uma tinha participação acionária minoritária de 10% nos negócios em que a outra era majoritária. Pouco mais de um ano depois, por ordem da Anatel, houve o descruzamento, o que não impediu a continuidade das conversações. ?A parceria pode ser bastante aprofundada, inclusive em nível mundial?, diz Nabo.
As negociações foram iniciadas há seis meses e conduzidas por Alierta e Nabo. Os presidentes das filiais brasileiras foram envolvidos em dezembro. Na semana passada, nos corredores das duas empresas, o clima misturava surpresa e certa dose de apreensão. A única movimentação atípica na empresa portuguesa era a freqüência com que Henriques viajava para Lisboa. Nos corredores da Telefonica, boatos corriam desde o dia 16. No dia 23, terça-feira, Fernando Xavier, o chefão da companhia, viajou para a Espanha para acertar os últimos detalhes. Enquanto isso, no Brasil, havia a ?preparação para um anúncio bombástico?, como diz um executivo da empresa. Feito o anúncio, começaram as perguntas típicas dessa situação. Onde seria a sede da nova empresa: no Rio de Janeiro, matriz da Telefonica Celular, ou em São Paulo, QG da Portugal Telecom? Haverá demissões? Quem serão os executivos? Pelas declarações feitas até o momento, os funcionários ainda terão de esperar por alguns meses pelas possíveis respostas.