Por Lawrence Hurley e Andrew Chung

WASHINGTON (Reuters) -A Suprema Corte dos Estados Unidos deu um passo dramático nesta sexta-feira ao reverter a decisão de 1973 Roe vs. Wade que reconhecia o direito constitucional de uma mulher a um aborto e o legalizava no país, em uma importante vitória para os republicanos e conservadores religiosos que querem limitar ou proibir o procedimento.

O tribunal, em uma decisão tomada por 6 votos a 3, impulsionada pela maioria conservadora na corte, manteve uma lei do Mississippi apoiada pelos republicanos que proíbe o aborto após 15 semanas. Em relação à decisão Roe vs. Wade, a votação foi de 5 a 4 pela reversão, com o presidente da Suprema Corte, John Roberts, escrevendo separadamente para dizer que manteria a lei do Mississippi, mas não reverteria Roe vs Wade.

A lei do Mississippi havia sido barrada por tribunais inferiores como uma violação do precedente da Suprema Corte sobre o direito ao aborto.

Os juízes da Suprema Corte, na decisão escrita pelo ministro conservador Samuel Alito, sustentaram que a decisão Roe v. Wade que permitia abortos realizados antes que um feto fosse viável fora do útero –entre 24 e 28 semanas de gravidez–, foi erroneamente tomada porque a Constituição dos EUA não faz menção específica ao direito ao aborto.

Roe v. Wade reconheceu que o direito à privacidade pessoal sob a Constituição dos EUA protege a capacidade da mulher de interromper a gravidez. A Suprema Corte, em uma decisão de 1992 chamada Planned Parenthood of Southeastern Pennsylvania vs. Casey, reafirmou os direitos ao aborto e proibiu as leis que impõem um “ônus indevido” ao acesso ao aborto.

Ao eliminar o aborto como um direito constitucional, a decisão restaurou a autoridade dos Estados de bani-lo, alterando fundamentalmente o cenário dos Estados Unidos na questão dos direitos reprodutivos. Vinte e seis Estados devem proibir o aborto ou estão propensos a isso. Mississippi está entre os 13 Estados com as chamadas leis de gatilho para proibir o aborto assim que a decisão Roe fosse derrubada.

O aborto provavelmente permanecerá legal em Estados progressistas. Mais de uma dúzia de Estados têm leis que protegem o direito ao aborto. No entanto, numerosos Estados liderados por republicanos aprovaram várias restrições ao aborto em desafio ao precedente de Roe vs. Wade nos últimos anos.

Antes da decisão sobre Roe vs Wade, muitos Estados proibiram o aborto, deixando as mulheres que queriam interromper a gravidez com poucas opções. Como resultado da decisão desta sexta-feira, mulheres com gravidez indesejada em grandes partes dos EUA podem ter de viajar para outro Estado onde o procedimento permanece legal e disponível, comprar pílulas abortivas online ou fazer um aborto ilegal potencialmente perigoso.

O presidente norte-americano, Joe Biden, condenou a decisão por seguir um “caminho extremo e perigoso”.

“É um dia triste para o tribunal e para o país”, disse Biden em um discurso na Casa Branca após a decisão. “A corte fez o que nunca fez antes: tirar expressamente um direito constitucional que é tão fundamental para tantas americanas.”

Dar poder aos Estados para proibir o aborto torna os Estados Unidos uma exceção entre as nações desenvolvidas na proteção dos direitos reprodutivos, acrescentou o presidente democrata.

Biden instou o Congresso a aprovar uma lei protegendo os direitos ao aborto, uma proposta improvável, dadas suas divisões partidárias. Biden disse que seu governo protegerá o acesso das mulheres a medicamentos aprovados pela agência de medicamentos e alimentos, incluindo pílulas para contracepção e aborto medicamentoso, além de combater os esforços para restringir as mulheres de viajar para outros Estados para realizar abortos.

Uma versão preliminar da decisão agora anunciada indicando que o tribunal provavelmente reverteria Roe vs. Wade foi vazada em maio, provocando uma tempestade política. Vazamentos da Suprema Corte são extremamente raros, especialmente no que diz respeito às deliberações internas antes de uma decisão ser emitida.

A presidente da Câmara dos Deputados, a democrata Nancy Pelosi, criticou a decisão, dizendo que uma “Suprema Corte controlada pelos republicanos” alcançou o “objetivo obscuro e extremo daquele partido de arrancar o direito das mulheres de tomar suas próprias decisões sobre saúde reprodutiva”.

Já o juiz conservador Clarence Thomas, em um voto que seguiu a maioria, instou o tribunal a reconsiderar as decisões anteriores protegendo o direito à contracepção, legalizando o casamento gay em todo o país e invalidando as leis estaduais que proíbem o sexo gay.

Pesquisas de opinião mostram que a maioria dos norte-americanos apoia o direito ao aborto. Mas derrubar Roe vs. Wade tem sido um objetivo de ativistas antiaborto e conservadores cristãos há décadas, com protestos anuais em Washington, inclusive em janeiro deste ano.

Os três juízes progressistas da corte –Stephen Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan– emitiram um voto divergente de autoria conjunta.

“Qualquer que seja o escopo exato das leis futuras, um resultado da decisão de hoje é certo: o cerceamento dos direitos das mulheres, e de seus status como cidadãs livres e iguais.”

A Suprema Corte dos EUA tornou-se mais conservadora nos últimos anos com a adição de três nomeações feitas pelo ex-presidente Donald Trump.

Desde 2018, o tribunal perdeu dois defensores do direito ao aborto. A juíza progressista Ruther Bader Ginsburg morreu em 2020, sendo substituída por Amy Coney Barrett, que, como acadêmica antes de ingressar no Judiciário, sinalizou apoio à derrubada de Roe vs. Wade.

O juiz Anthony Kennedy, um conservador que às vezes ficou do lado dos juízes progressistas em questões sociais como aborto e direitos LGBT, se aposentou em 2018 e foi substituído por Brett Kavanaugh, conservador que votou pela derrubada de Roe vs. Wade.

((Tradução Redação São Paulo, 5511 56447759)) REUTERS ES AC PF

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