25/08/2019 - 14:00
Dois ex-executivos da Odebrecht relataram com detalhes à força-tarefa da Lava Jato como negociaram pessoalmente com o senador Fernando Collor (PROS-AL) o pagamento de R$ 800 mil para a campanha dele ao governo de Alagoas em 2010 via caixa 2. Entregaram o plano de voo da aeronave com o qual foram de Salvador a Maceió e disseram que o encontro ocorreu no apartamento do próprio parlamentar no dia do aniversário dele: 12 de agosto. Essa história veio à tona em 2017, em meio à estrondosa delação da empreiteira. Na última semana, porém, teve um silente destino, cada vez mais comum entre os inquéritos que envolvem políticos com foro no Supremo Tribunal Federal (STF).
Sem elementos adicionais que comprovassem a acusação feita pelos delatores da Odebrecht, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, arquivou há cinco dias o inquérito aberto há mais de dois anos para investigar Collor pelos crimes de corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro, contrariando entendimento da Polícia Federal. “Diante desse cenário, a ausência de evidências de corroboração acerca da realização dos pagamentos tal como descrito pelos colaboradores, torna ainda mais carente de suporte probatório a versão trazida inicialmente”, escreveu Raquel na petição enviada ao ministro Luiz Fux, relator do inquérito que deve homologar ou não o arquivamento.
O caso de Collor retrata o que tem sido a tônica das investigações decorrentes da delação da Odebrecht no Supremo. Levantamento feito pelo Estado nos autos dos inquéritos e das petições relacionadas ao acordo de colaboração premiada fechado pela empreiteira com o Ministério Público Federal (MPF) – e homologado pelo STF desde janeiro de 2017 – mostra que 54 dos 80 procedimentos que permaneceram sob a guarda dos ministros da Corte já foram arquivados (67%). Outros 24 inquéritos seguem em tramitação e dois já resultaram em ação penal.
Escassez de provas é o motivo mais comum para que uma investigação vá para a gaveta. A própria PGR consta como solicitante do arquivamento de ao menos 28 inquéritos ou petições, sendo que nove foram feitas ainda na gestão do ex-procurador-geral Rodrigo Janot – que assinou o acordo com a Odebrecht – e 19 pela atual chefe do Ministério Público Federal. Alguns casos, como o deputado federal Roberto Freire (Cidadania-SP) e do senador Jarbas Vasconcelos (MDB-PE), por prescrição do crime apontado na delação. Mas a maioria (53%) por insuficiência de provas, quando os investigadores não conseguem reunir provas materiais do que foi delatado pelos colaboradores.
Em maio deste ano, por exemplo, o ministro Ricardo Lewandowski arquivou, a pedido de Raquel Dodge, o inquérito que investigava a suspeita de caixa 2 nas campanhas da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE) e do ex-senador Eduardo Amorim (PSDB-SE) em 2014. Na petição, a procuradora relatou que não havia como extrair novos elementos além dos depoimentos dos delatores e das planilhas da empreiteira porque os um dos intermediários da propina havia morrido e outro foi acometido de Alzheimer. A investigação pode ser reaberta caso surjam fatos novos.
A carência de provas também foi justificativa para o arquivamento parcial do inquérito que investigava suposto pagamento de propina ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), e ao ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE) para aprovação de medidas provisórias no Congresso em 2009 e de doação via caixa 2 ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), em 2006.
Os políticos citados negam envolvimento em qualquer irregularidade ou crime relatado pelos colaboradores.
Modelo
Um advogado que trabalhou nos acordos de delação da Odebrecht e que aceitou falar com o Estado sob a condição de anonimato acredita que o índice de arquivamento dos casos ligados à construtora no Supremo se deve ao modelo de acordo usado pela PGR, que negociou a delação de 77 executivos do grupo ao mesmo tempo – o que dificultou uma análise mais apurada dos depoimentos e documentos dos colaboradores.
Quando um acordo é fechado, o delator deve dizer quais provas pode oferecer para corroborar seus relatos. Somente depois da análise desse conjunto o Ministério Público pode dizer o que pode oferecer em troca daquela colaboração, observou o advogado. Segundo ele, como eram muitos os executivos envolvidos, a Procuradoria não teria conseguido avaliar corretamente todos os relatos fornecidos. Por isso, diz, “não foi possível confirmar muita coisa”.
Um farto material comprobatório usado pela Lava Jato no caso Odebrecht só foi obtido depois da delação da empreiteira graças à colaboração de outros operadores do esquema, como o doleiro Álvaro José Novis, encarregado de coordenar os pagamentos aos políticos em São Paulo e no Rio, e um ex-gerente da transportadora de valores que fazia as entregas de dinheiro. Parte desse material, que contém planilhas e gravações telefônicas, só começou a chegar às mãos de muitos investigadores nos últimos meses.
“Se a eficácia da colaboração depende de outra colaboração é sinal de que aquela delação não era válida. Ou seja, se os doleiros não tivessem delatado não teríamos prova. O instrumento não pode funcionar assim. A Odebrecht usava como prova da corrupção um sistema interno que no fundo não prova nada”, disse o criminalista Roberto Podval.
A PGR destacou que “se durante a investigação não se obteve provas para demonstrar que o crime ocorreu ou quem o praticou, é dever do órgão da acusação, o Ministério Público, promover o arquivamento”.
Afirmou ainda que em relação aos de acordos homologados pelo Supremo “há uma vasta variedade de situações” e “não há como se exigir que todos os supostos crimes relatados tenham viabilidade apuratória”. “Arquivamento não corresponde a insucesso de investigação, mas a uma atividade normal do Estado.”
Ao todo, 320 procedimentos foram abertos a partir da delação da Odebrecht, mas 240 foram distribuídos para a Justiça Federal nos Estados por envolver pessoas sem prerrogativa de foro junto ao Supremo e para os Tribunais Eleitorais Regionais (TREs), porque estão relacionadas ao crime de caixa 2.
Outros objetivos
Para a subprocuradora-geral da República Mônica Nicida, uma delação não pode ser medida só pelos total de inquéritos arquivados ou de denúncias dos investigados. “Um dos objetivos principais de um acordo de colaboração é revelar a estrutura, a hierarquia da organização criminosa a fim de desmontar sua estrutura. E nisso a confissão simples é diferente da delação”, disse a procuradora, que esteve a frente do processo de consolidação das normas do Ministério Público Federal para os acordos de leniência e de delação premiada – ela se aposentou há ano.
Monica disse que é necessário verificar quantos dos arquivamentos aconteceram porque os crimes delatados eram antigos ou porque o tempo passado desde o delito tornou mais difícil obter provas que confirmassem as alegações dos colaboradores. Segundo ela, mesmo arquivado um caso pode ser importante para fundamentar pedidos de cooperação internacional e de recuperação de ativos desviados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.S