30/06/2023 - 13:34
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria na manhã desta sexta-feira, 30, para o enterro “cabal” da tese de “legítima defesa da honra” – usada como argumento para justificar feminicídios em ações criminais, sobretudo quando os réus são levados a júri popular. Cinco ministros já acompanharam o voto do ministro Dias Toffoli, no sentido de proibir o uso da tese em julgamentos, sob pena de nulidade da decisão.
O julgamento, no entanto foi suspenso. Ele voltará à pauta do Supremo na primeira sessão plenária de agosto, após o recesso judiciário, inclusive com a possível ampliação do impacto do julgamento. Isso porque a análise do caso deve ser retomada junto da avaliação de um outro processo, que discute a validade de realização de novo júri, por ordem de Tribunal de Justiça, em casos de absolvição por quesito genérico, em razão de suposta contrariedade à prova dos autos.
A discussão do tema nesta sexta foi marcada por manifestações dos ministros sobre a necessidade de o STF declarar a inconstitucionalidade da “legítima defesa da honra”. A análise do caso antecedeu a cerimônia de encerramento dos trabalhos do Supremo relativos ao primeiro semestre de 2023.
O ministro André Mendonça chegou a ponderar que a Corte máxima encerraria o semestre com “chave de ouro” ao derrubar de vez a argumentação. Ao suspender o julgamento, Rosa Weber propôs que o Supremo inicie o segundo semestre Judiciário “com chave de ouro”, com a continuidade do julgamento.
Na sessão da manhã desta sexta, os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin acompanharam o voto do relator. O último, no entanto, propôs que o Supremo desse um passo além na discussão sobre a inconstitucionalidade da “legítima defesa da honra”. É exatamente essa questão que será discutida na retomada dos trabalhos do STF, em agosto.
Destacando a quão “esdrúxula e malfadada” é a tese de “legítima defesa da honra”, o ministro Edson Fachin propôs que o Supremo estabeleça a possibilidade de Tribunais de Justiça admitirem recursos contra decisões de júris de femincídio sob o argumento de provas contrárias aos autos. A ideia é o Supremo entenda que a anulação de julgamentos em que foi evocada a “legítima defesa da honra” é válida e compatível com a soberania dos veredictos do tribunal do júri. Assim, os tribunais poderão determinar novos julgamentos em casos em que a tese foi usada no júri.
“Não há como, não seria admissível fechar os olhos para aquilo que se verte como tragédia. Feminicídio é uma chaga de uma sociedade injusta, desigual e ainda discriminatória. O julgamento de hoje é mais um voto que se soma, uma declaração do judiciário nessa direção”, ressaltou Fachin.
Segurança jurídica
A sessão de julgamento desta sexta foi marcada por posicionamentos dos ministros sobre a necessidade de se enterrar de uma vez a tese de “legítima defesa da honra”. O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, frisou como um posicionamento do Plenário sobre o tema confere “segurança jurídica” sobre a tese “que poderia ser resumida com expressão lavar honra com sangue”. “O que fizermos aqui deve ser aplicado a todos os casos de agressões às mulheres onde se invoca a tese”, ressaltou.
As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber fizeram dobradinhas com Alexandre de Moraes sobre a gravidade do tema. Os comentários se deram após o ministro ressaltar que a tese é tida basicamente como um “salvo-conduto” para a prática de crimes violentos contra mulheres, destacando que o argumento é usado para “convencer” jurados sobre feminicídios.
Cármen frisou como, em duas sustentações orais feitas ao longo do primeiro dia de julgamento, nesta quinta, foi repetida a expressão “pelo simples fato de ser mulher”, em referência a feminicídios.
A ministra destacou: “ser mulher no Brasil não é simples, nem um fato corriqueiro. Ser mulher no Brasil é algo muito sério”. Também indicou como as “violências se multiplicam e germinam como semente do mal em uma sociedade em que haja terreno fértil”.
Alexandre de Moraes então ponderou que, além de tudo, a tese “só valia para o homem”. Ele apontou uma espécie de “naturalização” da violência contra a mulher. Em seguida, foi interpelado por Rosa: “a mulher era tida como uma coisa, uma propriedade. Por isso podia ser morte. Até para lavar a honra do marido”.
Para o ministro, o STF deve afastar de “maneira cabal” qualquer alegação de “legítima defesa da honra”, estabelecendo que “não se tolera impunidade” de agressões contra a mulher.