24/08/2005 - 7:00
Na terça-feira 16, Augusto Marques Cruz Filho limpou as gavetas, juntou suas coisas e abandonou a grande sala que dividia com o controlador Abílio Diniz e os oito principais executivos do Grupo Pão de Açúcar, em São Paulo. Depois de onze anos de casa, Cruz estava deixando o cargo que ocupava desde março de 2003: a presidência da maior rede varejista do País, dona de 600 supermercados e receitas de R$ 16 bilhões anuais. Mas ele não foi para casa. Mudou-se para uma salinha menor, no mesmo prédio, onde deve permanecer pelos próximos 40 dias, até que seja anunciado o seu substituto. O fato surpreendeu o mercado. Vindo da Tintas Coral, Cruz entrou na empresa em 1994 como diretor administrativo financeiro. Primeiro presidente não pertencente ao clã que fundou a companhia, era considerado o braço direito de Diniz, trabalhando, nos últimos tempos, como o principal articulador dos grandes negócios do Pão de Açúcar ? incluindo aquele que resultou, em maio, no aumento de participação (para 50%) do sócio francês Casino na. companhia. A operação rendeu US$ 884 milhões a Diniz. Ainda na terça-feira, um comunicado assinado pelo empresário (a única manifestação oficial da empresa) informou que Cruz pedira demissão para ?desenvolver projetos de interesse pessoal?.
Mas há controvérsias ? e diversas versões para o caso. O certo é que a tradicional alegação de ?razões de foro íntimo? parece uma desculpa para esconder os reais motivos de quem não os quer revelar. Segundo um executivo do grupo ouvido por DINHEIRO, Cruz teria sido demitido por Diniz porque passou a consultar demais o Casino antes de tomar suas decisões, distanciando-se do chefe. ?O Abílio não gosta de gente desobediente e cortou as asas dele?, resumiu. ?Realmente, o fato de um substituto não ter sido anunciado imediatamente indica que aconteceu algo sério?, opina um analista de mercado. Só um detalhe não bate. O que, então, mantém Cruz na empresa por mais 40 dias? Por que ele não foi embora de uma vez? Aí entra em cena uma terceira tese, defendida por um número maior de consultores e pessoas próximas ao Pão de Açúcar: a de desgaste natural na relação dos dois. ?É extremamente difícil trabalhar com o Abílio. A pressão é intensa durante 14, 15 horas diárias. Acredito que o Augusto (Cruz), uma pessoa simples e serena, tenha se cansado disso?, afirma um ex-diretor do Pão de Açúcar e amigo do ex-presidente. O gênio difícil do controlador também é citado. ?O Abílio não consegue discutir sem destruir. Ele humilha. Depois, pode até pedir desculpas, mas no dia seguinte à noite, porque pela manhã ele bate mais um pouco?, acrescenta outro ex-funcionário.
Bons resultados. Em meio a tantas versões, aparentemente não foram levantadas dúvidas a respeito da competência técnica de Cruz. Os recentes resultados do grupo falam por ele. As vendas líquidas do primeiro semestre atingiram R$ 6,4 bilhões ? crescimento de 9,4% sobre o mesmo período de 2004. O lucro foi de R$ 122 milhões, 41,5% maior. ?O Augusto fez um trabalho de alto nível. Não entendo o que ocorreu?, diz um especialista no setor. ?O pior é que os dois se completavam perfeitamente. O Abílio atuava como estrategista e o Augusto era um excelente executor. Ele cuidava com maestria da parte que o chefe abria mão: o financeiro, o RH, o marketing?, completa. No mercado, diz-se que o novo presidente do Pão de Açúcar virá de fora do grupo. ?Hoje, não há ninguém lá dentro com as características do Augusto?, comenta um consultor.
Na semana passada, os nomes mais comentados para substituir Cruz eram os de Luís Fazio (ex-diretor comercial do Pão de Açúcar e hoje presidente da C&A) e de Jean Duboc (ex-presidente do Carrefour no Brasil e atual diretor do Extra, bandeira pertencente ao próprio grupo de Diniz). Duboc é admirado pelo controlador e, por ser francês, poderia também agradar ao Casino. Mas não seria surpresa se o novo braço direito de Abílio Diniz viesse de fora do setor varejista.