18/06/2025 - 12:18
Setor mais brilhante da economia brasileira, o agronegócio é também destaque no mercado financeiro com múltiplas opções de investimento e promessas de altos lucros. Mas, da mesma forma que se multiplicam as alternativas, crescem os riscos em uma área considerada por muitos como segura e com retornos polpudos e garantidos.
É o que comprovam um crescente número de investigações policiais e processos judiciais no país – em alguns casos até mesmo em vizinhos como o Uruguai. As apurações envolvem suspeitas de fraude, desvio de recursos e tentativas de ocultação de bens, com foco em empresas que utilizaram títulos do agronegócio e fundos ligados à pecuária para captar dinheiro de milhares de investidores e que podem acarretar prejuízos bilionários.
No interior de São Paulo, uma operação conjunta da Polícia Civil e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) investiga uma suposta fraude milionária em uma operação de securitização e comércio de cereais. O caso veio à tona em setembro de 2024 em meio a uma gigantesca operação realizada por 56 policiais que cumpriram 10 mandatos de busca e apreensão em cinco empresas e cinco residências nas cidades de Itapetininga e Pilar do Sul.
A investigação, que corre em sigilo, apura um esquema em que empresários do setor agropecuário teriam adquirido grandes quantidades de grãos, como soja e milho, revendendo-os a preços significativamente abaixo dos praticados no mercado. Essa prática levantou suspeitas de um possível esquema de pirâmide financeira, no qual os recursos de novos investidores seriam utilizados para remunerar os antigos. O grupo é suspeito de ter causado prejuízos de aproximadamente R$ 500 milhões.
Outro caso envolvendo operações do agronegócio diz respeito a uma disputa judicial em torno da empresa Pantera Alimentos, distribuidora de grãos, cereais e farináceos para consumo sediada em Itu (SP), em recuperação judicial desde o fim de 2022. É um processo que se estende por mais de 9.000 páginas onde a Forte Securitizadora (Fortesec) acusa a indústria, na Justiça de São Paulo, de fraudar a execução de uma dívida de R$ 45 milhões, segundo documentos obtidos pela reportagem.
O débito foi contraído por meio da emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), títulos usados para levantar recursos junto a investidores e financiar o beneficiamento de grãos. A operação foi formalizada por meio de duas Cédulas de Produto Rural Financeiras (CPRFs), com garantias como alienação de imóveis, aval dos sócios, cessão de cotas sociais e de créditos a receber de grandes clientes, como Tenda Atacado, Walmart e Sapore.
No processo, a Fortesec afirma que os valores pagos pelos clientes pertencem aos investidores dos CRAs e que deveriam ter sido transferidos diretamente para uma conta controlada pela securitizadora. Isso, no entanto, não teria acontecido. Mesmo após o recebimento dos pagamentos, os valores não teriam sido repassados, mas sim desviados pela própria Pantera.
Documentos anexados à investigação apontam diferenças entre o que foi faturado e o que entrou na conta bancária da operação, indicando omissão de valores. Um dos exemplos citados envolve pagamentos feitos pelo varejista Tenda Atacado em 2022, que nunca chegaram à conta vinculada à operação, o que, segundo a acusação, configura fraude nas garantias dadas aos investidores.
Diante da inadimplência, a Fortesec entrou com uma ação de cobrança na Justiça em setembro de 2022. A Justiça autorizou o bloqueio de contas bancárias da Pantera, a penhora da marca da empresa e solicitou ainda informações a fintechs que pudessem estar movimentando dinheiro ligado à empresa, já que essas transações não aparecem no Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud).
Um dos bloqueios atingiu R$ 37 milhões em uma conta vinculada (escrow) usada em uma operação paralela entre a Pantera e o fundo FIDC Solar. Trata-se de uma conta usada para guardar valores temporariamente, sob custódia, até que as condições de um acordo entre as partes sejam cumpridas. Essa conta era administrada pela fintech Grafeno Digital.
O FIDC Solar reagiu, alegando ser o verdadeiro titular dos valores, provenientes da compra de duplicatas da Pantera em dezembro de 2024. Ingressou com Embargos de Terceiro — recurso utilizado por quem, não sendo parte no processo, acredita que seus bens foram atingidos por uma decisão judicial —, e anexou contratos de cessão de crédito. “Todos os valores que ingressam nesta conta têm origem em títulos descontados”, sustentou o fundo.
Abaixo, imagem dos embargos de terceiros do fundo mostrando o extrato bloqueado da conta vinculada e a explicação da Grafeno.
Mas a ofensiva durou pouco: o próprio FIDC Solar desistiu do processo, alegando erro de sistema e informando que os recursos já não estavam mais disponíveis.
No processo, a Grafeno informou que, em outubro do ano passado, recebeu uma ordem judicial para bloquear até R$ 37.336.812,41 das contas da Pantera. No entanto, a fintech justificou que o saldo da conta era zero e que houve um erro no sistema, gerando uma informação incorreta sobre a existência de valores.
Já em dezembro de 2024, a Grafeno recebeu uma nova ordem judicial para bloquear ativos da Pantera. Dessa vez, foi identificado e bloqueado o valor de R$ 55.245,18, que foi transferido para uma conta judicial. A Fortesec e seus advogados apresentaram nova petição denunciando fraude à execução — prática em que o devedor tenta transferir bens a terceiros para frustrar o pagamento de dívidas – por conta das operações realizadas entre Pantera, FIDC Solar e Grafeno.
Na época dessas movimentações, o Banco Grafeno era controlado pela Galápagos Participações — que também detém a Galápagos Capital, gestora que, segundo a própria Pantera, representava parte relevante dos investidores dos CRAs. Ou seja: se houve fraude às garantias e à execução, os clientes da Galápagos também estariam entre os investidores prejudicados. Em maio deste ano, a fintech Grafeno Pagamentos foi adquirida pela Vórtx. Segundo o Valor Econômico, a operação incluiu a entrada dos antigos sócios da fintech — incluindo a Galápagos Capital — no quadro da Vórtx.
A acusação de fraude à execução da dívida da Pantera continua em andamento. Recentemente, o caso ganhou novos contornos com a entrega à Justiça de um relatório elaborado pelo cogestor judicial da Pantera Alimentos. O documento aponta que, entre 2020 e 2023, a Pantera faturou só com clientes do Grupo Big (Walmart e WBM Brasil) R$ 26,5 milhões, mas repassou apenas R$ 8,3 milhões aos investidores da operação estruturada pela Fortesec. Segundo o relatório, a empresa também apresentou dados falsos à Justiça sobre essas movimentações.
O documento relata ainda transferências diretas de recursos da empresa para os sócios Vitor e Osni Luccats sem qualquer contrato, recibo ou justificativa contábil. O dinheiro teria sido usado para despesas pessoais e familiares, levantando suspeitas de desvio.
Diante das evidências, a administradora judicial recomendou o afastamento dos dois sócios. O Ministério Público concordou, afirmando haver “indícios veementes” de falsidade documental, desvio de valores vinculados a garantias e uso indevido de recursos da empresa. O MP pediu, além do afastamento, a abertura de inquérito policial.
Procurada, a Fortesec informou que não comenta processos em andamento. Grafeno e Galápagos foram contatadas, mas, até o fechamento desta reportagem, não se manifestaram.
Em email à revista Dinheiro, Vitor Luccats, sócio da Pantera Alimentos afirmou: “Agradecemos a oportunidade, porém os referidos esclarecimentos solicitados se encontram nos autos do processo, amparados formalmente por documentos, cujo acesso é de domínio público. Ademais, tramita processo arbitral contra a Fortesec na CAMARB, em confidencialidade. Vale salientar que a Pantera não tem medido esforços para garantir transparência e idoneidade para solucionar todas as suas pendências.”
Exterior
No Uruguai, o colapso de fundos voltados à criação de gado provocou prejuízos estimados em US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,69 bilhão), afetando aproximadamente 6 mil investidores. Reportagem do portal GZH revela que três empresas — Conexión Ganadera, República Ganadera e Grupo Larrarte — são investigadas por suspeita de operarem esquemas financeiros irregulares, prometendo retornos fixos em dólar com base na engorda e revenda de gado.
A Conexión Ganadera, fundada em 1999, reunia cerca de 4,2 mil investidores. Segundo revelou a Reuters, a empresa alegava administrar mais de 800 mil cabeças de gado, mas uma auditoria independente constatou que apenas entre 70 mil e 80 mil animais realmente existiam. O restante, segundo o relatório, seria composto por “vacas fantasmas” — gado inexistente usado para inflar artificialmente os ativos da empresa e atrair novos investidores.
O escândalo ganhou ainda mais repercussão após a morte de Gustavo Basso, um dos fundadores da Conexión Ganadera, em novembro de 2024. Inicialmente tratado como acidente, o episódio foi posteriormente classificado como suicídio pelas autoridades. A morte ocorreu em meio ao aumento das reclamações de investidores por atrasos nos pagamentos. Pouco depois, a empresa reconheceu um rombo de US$ 250 milhões e declarou, segundo o El Observador, que tentaria renegociar sua dívida.
Segundo o jornal El País, os fundadores transferiram suas participações para familiares antes da quebra, em possível tentativa de blindagem patrimonial. Já o Grupo Larrarte apresentou um déficit de US$ 12,3 milhões entre ativos e passivos.
A crise afetou diversos segmentos da sociedade uruguaia, incluindo políticos, aposentados e religiosos que investiram suas economias nos fundos de gado. Em Paysandú, o Frigorífico Casa Blanca suspendeu 450 trabalhadores devido à interrupção no fornecimento de gado.
As autoridades agora investigam crimes como estelionato, lavagem de dinheiro e associação para delinquir. Há ainda indícios de movimentação de recursos em contas mantidas em paraísos fiscais, como Panamá e Delaware, ligadas aos principais executivos da Conexión Ganadera. O Ministério Público uruguaio também analisa se houve omissão de informações relevantes ao Banco Central do Uruguai e à Superintendência de Serviços Financeiros.
Casos como os do Brasil e do Uruguai evidenciam como estruturas financeiras sofisticadas podem ser usadas para captar grandes volumes de recursos e, em seguida, dificultar o rastreamento do dinheiro. Muitos investidores, incluindo fundos e pessoas físicas, relatam dificuldade para reaver os valores aplicados, enquanto autoridades tentam reconstruir o caminho dos recursos e responsabilizar os envolvidos pelas fraudes.