O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou no dia 10 um decreto que suspendeu por 180 dias a aplicação de uma política anticorrupção em empresas chamada Foreign Corrupt Practices Act (FCPA). A suspensão ocorrerá enquanto o procurador-geral revisa as diretrizes para aplicação da norma, o que pode impactar executivos brasileiros. Das dez maiores sanções impostas a companhias por conta do FCPA, duas foram dirigidas a empresas brasileiras (Odebrecht e Petrobras). E o Brasil ocupa a segunda colocação na lista de locais onde mais ocorreu pagamento de propinas entre 2015 e 2024, segundo dados da Universidade de Stanford.

Isso ocorre porque, desde 1977, é o FCPA que tem guiado as investigações e a punição de empresas americanas que pagam propina no exterior. Mas o Departamento de Justiça (DoJ) estadunidense tem uma interpretação expansionista e costuma submeter ao FCPA qualquer companhia que tenha ações em bolsas americanas, american depositary receipts (ADRs), subsidiárias ou outras operações no país.

“O FCPA foi o grande motor que rodou a Lava-Jato aqui no Brasil e influenciou até a lei anticorrupção brasileira, que é em boa parte uma adaptação do FCPA”, disse Paulo Sérgio Suzart, sócio da Suzart Consultoria e professor de Compliance. A Odebrecht não só aparece entre as empresas que receberam as maiores sanções da história do FCPA como figura no topo da lista, com uma multa de US$ 3,5 bilhões. A Petrobras é a quarta e foi penalizada com US$ 1,78 bilhão.

As investigações atuais e futuras devem ser as mais afetadas pelo decreto de Trump, mas advogados avaliam que casos antigos não estão isentos. Os efeitos podem ser desde a revisão de multas, nos casos passados, como a própria paralisação das investigações em curso.

“Os casos antigos também podem ser afetados pelo Decreto presidencial. Na seção 2, letra d, a norma estipula que o procurador-geral tomará as medidas cabíveis em relação a casos presentes e pretéritos. Portanto, não há certeza se casos antigos serão ou não afetados, já que isso dependerá da análise a ser feita pelo procurador-geral, mas há expressa referência a essa possibilidade no texto”, afirmou José Alexandre Buaiz Neto, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Raphael Soré, sócio da área de Compliance, Investigações e Governança Corporativa do Machado Meyer Advogados, analisa que a alteração de casos já pactuados é mais complexa, mas que tudo depende de como será feita a revisão da aplicação da norma pela procuradoria-geral.

E apesar da sinalização negativa para a governança corporativa, Soré acredita, porém, que mesmo uma revogação do FCPA não seria suficiente para isentar companhias americanas de sanções. “É difícil afirmar que empresas americanas teriam licença para pagar propina no exterior, porque na década de 1990 outros países implementaram regras duras no mesmo sentido, e as multinacionais devem ter operações em outros lugares para além dos Estados Unidos”, aponta.

Suzart destaca também que a suspensão do FCPA vem em um contexto em que o governo dos Estados Unidos parece direcionar os esforços do DoJ para o combate ao crime organizado transnacional. “O Trump quer combater cartéis mexicanos, colombianos, a máfia italiana”, diz.

Ele lembra que cinco dias antes da publicação da norma suspendendo o FCPA, um memorando da própria procuradoria-geral determinou que a Unidade de Divisão Criminal do FCPA deveria priorizar “investigações relacionadas a suborno estrangeiro que facilite as operações criminosas de Cartéis e crimes organizados transnacionais, desviando o foco de investigações e casos que não envolvam tal conexão”.