Para o gestor de uma das maiores empresas químicas do mundo, é preciso que governo, empresas e cidadãos se unam para eliminar a presença de resíduos plásticos no ambiente. A chave para a mudança passa por transformar os reciclados em linha de receita.

O argentino Javier Constante é um entusiasta da indústria química e da agenda ESG. A base do negócio que ele dirige é o petróleo e o plástico está entre os principais produtos da Dow Química. O que poderia ser um conflito­ é enfrentado por ele com segurança e naturalidade. No pilar ambiental, sua preocupação é a tecnologia evoluir com a urgência que o planeta precisa. Na âmbito social, ele — um dos raros CEOs de multinacionais a assumir a homossexualidade —, reforçou a diversidade na alta liderança da empresa. Agora o foco é a inclusão com igualdade. “Meritocracia é importante, mas não dá para exercitá-la se os profissionais partem de uma situação de desigualdade. É nisso que a Dow está trabalhando”, afirmou.

DINHEIRO — Quais são os desafios da indústria química na agenda ESG?
JAVIER CONSTANTE — O nosso maior desafio está no pilar E, de meio ambiente. É um problema histórico e com essa consciência temos que encontrar uma maneira de demonstrar para a população que a indústria química é útil e fundamental para a sobrevivência da humanidade, mas que também está trabalhando para corrigir e melhorar seu alinhamento aos objetivos de sustentabilidade. Especialmente nos assuntos relacionados à pegada de carbono e ao gerenciamento de resíduos.

Quando se fala em redução de CO2, é quase imediata a associação com combustíveis fósseis. É possível pensar em uma indústria química sem petróleo?
Hoje não consigo enxergar. Com a tecnologia que temos, seja em uso ou em desenvolvimento, é impossível. O que consigo ver é uma drástica redução do uso dos fósseis na medida em que aumentamos a taxa de inserção de matérias-primas recicladas. Já temos alternativas para quebrar as moléculas dos resíduos plásticos e convertê-los novamente em matéria-prima. Só que esse processo pode ser feito mecanicamente umas três ou quatro vezes, depois o material perde suas propriedades. Quando chega a esse ponto é preciso fazer uma reciclagem química. Aqui ainda falta tecnologia, mas isso vai acontecer. Está nos planos de sustentabilidade da Dow.

Além do uso de reciclados, há outras fontes alternativas de matéria-prima?
Começamos a pesquisar em como desenvolver químicos à base de recursos naturais regenerativos. Por exemplo, a cana, o etanol. Mas aqui enfrentamos um conflito ético. Se puxarmos muito nessa direção, podemos correr o risco de usar terras que deveriam ser para produção de alimentos. A substituição é possível, mas tem que ser gradativa e com cuidado para respeitar esse equilíbrio.

“Começamos a pesquisar em como desenvolver químicos à base de recursos naturais regenerativos, como cana, etanol. Mas corremos o risco de usar terras que deveriam ser para a produção de alimentos” (Crédito:Istock)

Esse impacto seria significativo?
Pode ser sim e isso já preocupa. Hoje quando vamos vender produtos de fontes naturais a grandes clientes multinacionais é frequente a pergunta se a indústria está usando terras que seriam para alimentos. Se a resposta for sim, eles não compram.

Significa que a demanda por rastreabilidade dos produtos chegou ao setor?
É um tema complexo, mas sim. Quando temos um produto de origem natural, produzido no Brasil e que faz parte da composição de outro que vai para a Europa, é preciso fazer o rastreamento e todo um processo legal para a validação dessas mercadorias. Isso gera um excedente de trabalho administrativo importante.

Obedecer às práticas ESG padrão Europa é caro para a indústria?
É desafiador. Mas a gente está conseguindo. Eu não acho que a regulamentação europeia seja ruim, só que se a pressão for muito forte, o risco é que a indústria saia de lá para se instalar em outra parte do mundo. Haverá uma falsa impressão de que a Europa está cuidando do meio ambiente, mas o problema para o mundo continua.

Outro ponto sensível do setor são os resíduos. Como lidar com o lixo?
Após diversas campanhas feitas há cerca de cinco, seis anos, o plástico foi vilanizado. E isso aconteceu especialmente devido à presença do resíduo pós-consumo na natureza. Só que isso é um problema do comportamento da humanidade. É preciso mudar o hábito diante do que se faz com o lixo. Os governos e marcas têm responsabilidade nisso. Na Europa, por exemplo, há legislações muito rígidas a respeito de resíduos sólidos. No Brasil é um processo que está evoluindo e com diálogo com a indústria, o que é bom.

Qual a solução que você vislumbra?
Internamente, como a Dow é a maior produtora de plástico do mundo, tomamos algumas medidas. Primeiro, tínhamos que caminhar para a produção de embalagens recicláveis. A segunda, tínhamos que diminuir o que já existe como resíduo no meio ambiente. Por isso fizemos diversas alianças para que o plástico fosse coletado para ser reinserido na economia. E a terceira foi pensar estratégias para reusar esse produto, seja como matéria-prima para as nossas operações ou em outras aplicações. Ou seja, implementar a economia circular.

Como vencer o obstáculo da coleta após o consumo e o descarte de resíduos?
Isso depende muito do país. Mas é preciso entender que resíduo é negócio. Na Europa, as empresas assimilaram rapidamente a grande oportunidade que é entrar no mercado de coleta seletiva. Só que lá a separação do lixo acontece com eficiência na ponta final. Antes de assumir a América Latina eu estava a trabalho na Suíça. Lá se as pessoas não levam suas garrafas PET de volta ao supermercado são multadas. Já em outros países é mais fácil estabelecer acordos com as cooperativas de reciclagem.

É o caso do Brasil?
Exato. Aqui trabalhamos com as cooperativas. Ainda que a indústria não seja a dona da marca que chega ao consumidor, não podemos nos eximir da responsabilidade como produtores originais. Até porque somos nós quem temos a tecnologia para fazer a reciclagem. Não temos que discutir de quem é a culpa do plástico no meio ambiente e sim as devidas responsabilidades. São coisas diferentes.

Há algum movimento setorial pensado para dar fim aos resíduos plásticos que se espalharam pelo mundo?
Há quatro anos foi criada a Alliance to End Plastic Waste, movimento liderado pela Basf e que hoje agrupa mais de 100 empresas. O objetivo é estabelecer tecnologias para eliminar os plásticos que hoje estão na terra, nas águas. O trabalho está em curso com conscientização na China, maior fonte de plástico dos oceanos, coletas seletivas no Brasil e até uma cidade completamente sustentável na Argentina.

“Não temos que discutir de quem é a culpa do plástico no meio ambiente e sim as devidas responsabilidades. São coisas diferentes” (Crédito:Istock)

Você falou que resíduos são negócios. A Dow está olhando para isso?
Sem dúvida. Queremos que os resíduos plásticos sejam produtos no nosso portfólio. Sustentabilidade não é caridade, no fim do dia tem que ser um negócio.

Na Dow a pressão dos investidores por práticas ESG já se materializou?
Sim. Estive na última reunião de divulgação dos resultados da empresa e é incrível como a maior parte dos investidores institucionais questionaram nosso CEO e CFO sobre ambições ESG. Mas é verdade que estamos falando do mercado de capitais e os investidores usam um olho para medir o longo prazo, como metas de sustentabilidade, e o outro para indicadores de curto prazo, que é o dinheiro que a empresa entrega. É por isso que os objetivos da agenda são desafiadores: eles requerem grandes investimentos para substituir tecnologias que não significam necessariamente crescimento imediato.

Além da sustentabilidade, sua gestão tem agenda forte em diversidade. Como aumentar a inclusão de grupos minorizados?
O primeiro desafio para a inclusão de alguns grupos é a capacitação. No Brasil sabemos que dentro da comunidade preta e parda há problemas de educação. No processo é preciso considerar isso. Depois é necessário ter programas de capacitação agressivos, intencionais e direcionados. Uma mudança que tivemos que fazer foi parar de exigir inglês. Somos uma empresa americana, mas essa era uma barreira. Agora, nós ensinamos inglês. Finalmente chegamos ao desafio de construir um ambiente inclusivo.

Como a Dow está neste retrato?
Quando uma mulher entra na Dow, olha para o meu time de líderes da América Latina e vê que mais de 50% são mulheres, ela sabe que tem chance de chegar lá. Quando um membro LGBT entra e vê que o presidente, no caso eu, sou gay, sabe que ali tem oportunidade. Se um preto chega e vê que o diretor Financeiro é preto, ele sabe que terá espaço. E garanto que todos cresceram pela sua capacidade. Meritocracia é importante, mas não dá para exercitá-la se os profissionais partem de uma situação de desigualdade. É nisso que a Dow está trabalhando.