Apesar do inverno que se afigura rigoroso, o clima na terra dos czares tem andado bastante aquecido. Na madrugada da terça-feira 16, o Banco da Rússia, autoridade monetária local, surpreendeu os mercados ao realizar uma elevação recorde da taxa de juros referencial, que avançou 6,5 pontos percentuais, de 10,5% para 17% ao ano. A elevação das taxas tinha um objetivo claro: o de manter na Rússia as aplicações financeiras de investidores internacionais e desestimular seus cidadãos a expatriar seus recursos. O tiro, porém, saiu pela culatra.

Ao longo da terça-feira, a fuga de divisas levou a cotação do dólar ao maior nível, desde a crise financeira de 1998. A taxa de câmbio superou 80 rublos e fechou a 71 rublos, bem abaixo da máxima do dia, patamar que perduraria pelos dias seguintes. O Banco da Rússia não economizou munição para conter uma alta mais severa do dólar. Segundo profissionais do mercado de câmbio, foram desembolsados, ao longo da semana US$ 87 bilhões, cerca de 17% de suas reservas em moeda forte, estimadas em US$ 450 bilhões, para defender a moeda e impedir uma explosão das cotações.

Sem muito sucesso, diga-se. A valorização da moeda americana em relação ao rublo já acumula uma alta de 19%, entre o início de dezembro e a quinta-feira 18. O impacto sobre a economia já se faz sentir. Os preços dos bens importados, especialmente alimentos e produtos industrializados, dos quais a Rússia é pesadamente dependente, começaram a ser reajustados nos últimos dias. E, sinal de tempos duros, os consumidores das grandes cidades já estão aumentando a frequência de suas visitas aos supermercados e levando para casa todo o trigo sarraceno que conseguem carregar.

Escuro, duro e, principalmente, barato, o cereal é um alimento básico para dias difíceis desde muito antes da invasão napoleônica, em 1812. A queda dos estoques do trigo sarraceno é um sinal de que a confiança dos russos em sua economia está tão baixa que os leva a armazenar comida em casa para atravessar a estação mais fria do ano. Dez anos atrás, a Rússia era a letra R dos Bric, acrônimo no qual, ao lado de Brasil, Índia e China, despontava como uma das quatro mais promissoras entre as economias emergentes. Atualmente, é um país à beira da falência.

Em sua entrevista anual, o presidente Vladimir Putin admitiu a jornalistas, na quinta-feira 18, que a situação só começará a melhorar a partir de 2017. Uma deterioração tão profunda e tão rápida só pode ser explicada pela conjunção entre um cenário internacional subitamente adverso e decisões incorretas em relação à política econômica e à política externa. A pergunta para o investidor brasileiro é quanto essas complicações podem afetar outras economias emergentes como a nossa. Para entender a situação, é preciso lembrar que ambos os países têm economias parecidas.

“A Rússia depende bastante da exportação de commodities, e sua indústria vem perdendo participação na economia”, diz o economista paranaense André Pineli, do Instituto de Pes­quisa Econômica Aplicada (Ipea). “A grande diferença é que cerca de 60% das exportações russas dependem de petróleo e derivados, cujos preços estão caindo depressa há alguns meses e não deverão se recuperar tão cedo.” Segundo Pineli, embora o governo de Moscou tenha poucas dívidas denominadas em moedas fortes, as empresas privadas do país são pesadamente endividadas no exterior.

“A soma das dívidas externas privadas é equivalente ao total de reservas em moeda forte, e se esses recursos começarem a ser drenados para fazer frente às dívidas, a Rússia terá dificuldade para importar os bens de que precisa”, diz ele. Além da situação econômica, há outro problema, de solução bem mais difícil. Este ano foi marcado por violentos conflitos separatistas na Ucrânia, entre ucranianos e russos étnicos, e não há sinais de arrefecimento ou acordos a curto prazo. Pineli, do Ipea, explica que essa é a maior diferença entre Brasil e Rússia.

“Quem nasce no Brasil, qualquer que seja sua ascendência, é brasileiro e é visto como brasileiro pelo governo”, diz ele. “Na Rússia, quem descende de pais russos, independentemente do local de nascimento, vê-se como russo e é considerado russo pelo governo de Moscou.” O impacto sobre os demais países emergentes já se faz sentir. A melhor maneira de perceber como os investidores internacionais estão mais pessimistas é medir a variação de preços dos Credit Default Swaps (CDS), que são derivativos negociados no mercado e que funcionam como um “seguro” contra a inadimplência do devedor.

Quanto maior o prêmio pago pelos CDS, maior a probabilidade, para o mercado, de uma empresa ou um país deixar de pagar o que deve. Na ponta do lápis, entre a segunda-feira 15 e a quarta-feira 17, o prêmio dos CDS russos de cinco anos subiu de 425 pontos-base (centésimos de ponto percentual) para 575 pontos-base, avanço de 35%. Nesse período, o prêmio do CDS brasileiro de mesmo prazo aumentou 25%, avançando de 192 para 240 pontos-base. Para os especialistas, essa turbulência deverá continuar afetando os países emergentes.

Em um relatório divulgado na quarta-feira 17, Robert Burgess, analista do Deutsche Bank, diz acreditar que, apesar de estar concentrado em poucos nomes, o risco de crédito para países emergentes vem piorando para todos nos últimos tempos. Segundo ele, a queda dos preços do petróleo beneficiou alguns, como a Indonésia e a Turquia, e prejudicou a Rússia. No entanto, a alta dos preços do petróleo já está refletida na cotação e os investidores farão uma seleção muito mais criteriosa. “Só estarão bem os países cuja situação fiscal for mais sólida”, afirmou ele. Mais turbulência para o Brasil no curto prazo, portanto.