21/12/2011 - 21:00
Na cidade de Chongqin, a 1,4 mil quilômetros de Xangai, a cidade mais populosa e principal centro financeiro da China, a nova fronteira da economia chinesa prospera aparentemente alheia à crise mundial. Conhecida pela proximidade de Três Gargantas, a maior hidrelétrica do planeta, o polo automotivo da China é também o novo Eldorado da indústria mundial de computadores. Em 2011, marcas como Asus e Acer instalaram lá seus novos centros de operações. A Quanta Computer, a maior fabricante de notebooks do mundo e principal fornecedora de HP e Dell, e Foxconn, famosa por produzir iPhones e iPads da Apple, também fincaram raízes em Chongqin. Mais ou menos conhecidas do grande público, essas empresas têm algo em comum – além do apetite pelo maior mercado consumidor do mundo. Elas nasceram em Taiwan, a “província rebelde” capitalista, que há 25 anos desbravou o mercado da gigante comunista com fabriquetas de quinquilharias.
Sorriso amarelo: consumidor caminha em frente a shopping no distrito de Taipei, em Taiwan
Hoje, a pequena ilha investe mais na China do que qualquer outro país do mundo. Dos US$ 105,9 bilhões em investimentos externos, em 2010, vieram de Taiwan US$ 14,6 bilhões. Enquanto o Ocidente relutava em investir num país comunista, empresários de Taiwan – beneficiados pela cultura e idioma comuns – deixaram as diferenças políticas e as rivalidades ideológicas de lado e fizeram a ousada travessia, de olho na farta e barata mão de obra chinesa. O milagre econômico da China é hoje o sucesso da economia de Taiwan. Estima-se em 50 mil o número de empresas de Taiwan instaladas no continente, empregando 14 milhões de pessoas, o equivalente a 60% da população taiwanesa.
“Taiwan tem talento para o desenvolvimento, não é boa para fábricas porque temos pouca mão de obra e território”, afirma Yancey Hai, CEO da Delta Electronics, que emprega 70 mil funcionários, 60 mil deles na China. Taiwan é o resultado do que pode fazer o empreendedorismo, com o apoio de políticas de governo bem estruturadas. Durante muito tempo uma economia industrial voltada para a fabricação de brinquedos e componentes eletrônicos, a ilha conseguiu com sucesso fazer a transição para um modelo de serviços sustentado na indústria de alta tecnologia. Uma faixa de 70 km entre a capital Taipei e Hsinchu, sede do maior polo tecnológico do país, é um dos principais centros nervosos de TI do planeta.
Às margens da rodovia, estão as fábricas de gigantes como Foxconn, Quanta Computer, TSMC e Wistron. Hoje, as 25 empresas líderes de tecnologia de Taiwan faturam, juntas, US$ 130 bilhões. A transformação ocorreu em menos de 30 anos, desde que o governo decidiu, nos anos 1980, que a base da economia deveria migrar da indústria para os serviços. “Descobrimos que o que dá dinheiro é a alta tecnologia e os serviços da sociedade da informação”, afirma Sam Shen, diretor do Institute for Information Industry (III), braço de inteligência industrial do governo de Taiwan. De fato, as empresas do país se tornaram tão competitivas que hoje detêm fatias incríveis do mercado de computadores: 93,7% dos notebooks vendidos no mundo em 2010, por exemplo, saíram de empresas taiwanesas, seja com marcas próprias, seja como fornecedores de empresas americanas.
O “filé” na ilha: ”O valor da tecnologia é tão alto que só compensa manter a produção
junto de nossos engenheiros”, diz John Wang, diretor de marketing da HTC
Isso se reflete no avanço da renda da população, hoje em US$ 34,5 mil ao ano, a quinta maior da Ásia e oito vezes superior à de 1981, período em que Taiwan era um dos países mais pobres do leste da Ásia. Transferir a produção para a China, no entanto, não quer dizer repassar toda a riqueza. Atividades de alto valor agregado – pesquisa, desenvolvimento e design – continuam sendo executadas pelas matrizes, em Taiwan, atividades estas muito mais bem remuneradas que a montagem dos produtos. Os contratos também são todos fechados nas belas sedes em Taipei e Hsinchu, uma vez que o envio de lucros da China para Taiwan é dificultado pela burocracia.
Ou seja, Taiwan fica com o “filé”. “Temos uma grande preocupação em manter em Taiwan tecnologias sensíveis, mesmo com os esforços da China de buscar o controle delas”, explica Shen. A HTC, quinta maior fabricante de smartphones do mundo, produz celulares na China, mas mantém em Taiwan a produção de seus componentes mais avançados. “O valor da tecnologia é tão alto que só compensa manter a produção junto de nossos engenheiros”, disse à DINHEIRO John C. Wang, diretor de marketing da HTC, de Taipei. “Só assim continuamos a inovar.”
Pragmatismo lucrativo: o milagre econômico da China faz o sucesso de empresas como a taiwanesa Foxconn
Para dois países com um histórico de tensões militares, desde que os republicanos do Kuomitang, liderados pelo general Chiang Kai-Shek fugiram da China para Taiwan, escorraçados pela Revolução Comunista de Mao Tsé-tung, em 1949, o grau de pragmatismo na agenda econômica é impressionante. Em 2008, os governos de Pequim e Taipei assinaram um acordo histórico de abertura mútua restabelecendo os chamados “três elos”: rotas comerciais, transporte aéreo e serviço postal direto. Em dois anos, o número de turistas chineses em Taiwan subiu de 288 mil para 1,5 milhão, em 2010. É fácil identificá-los: eles viajam em grupos com guias do Partido Comunista e podem ser vistos nos principais pontos turísticos da capital taiwanesa, como o Taipei 101, o segundo prédio mais alto do mundo.
Mas a cereja do bolo responde pela sigla ECFA, um acordo de preferências comerciais entre os dois países. Assinado em 2010, o tratado reduzirá tarifas e barreiras comerciais para impulsionar o comércio bilateral dos atuais US$ 120 bilhões e prevê mecanismos de proteção para investimentos. Para Taiwan, trata-se ainda de uma forma de manter a competitividade diante dos acordos de livre comércio prestes a ser assinados pela Coreia do Sul com os Estados Unidos e a União Europeia. “Taiwan pode ser um trampolim de investimentos para a China”, disse à DINHEIRO Yan-Hsin Shiau, vice-diretora do Departamento de Comércio Exterior de Taiwan. Sem dúvida, trata-se de um enorme passo entre países que, há seis anos, apontavam um para o outro seus arsenais de mísseis.
Enviado especial a Taipei