O trabalho da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mal começou e já está gerando turbulências no mercado, após sinalização de que sua equipe econômica quer manter o programa social Bolsa Família fora do Teto de Gastos. 

Nada disso, porém, é importante para o professor de Harvard e ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos Roberto Mangabeira Unger. Em entrevista à IstoÉ Dinheiro, ele criticou a preocupação excessiva com a regra fiscal e reforçou que o país necessita de um projeto de qualificação da produção. 

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“Temos uma grande tarefa econômica no Brasil que é a qualificação do nosso aparato produtivo e, portanto, de nossa gente. A discussão das finanças, da política monetária e da política fiscal é meramente acessória. O importante é saber qual é o rumo. Essa tese de crescimento por meio da confiança financeira nunca funcionou em nenhum país do mundo. Não há um único exemplo na história. Temos que cortar pela raiz essa submissão ao rentismo financeiro”, apontou.

Economia do conhecimento 

Uma das saídas para o modelo produtivista brasileiro, segundo o ex-ministro, está no aumento do investimento em um setor que ele denominou de “economia do conhecimento” e na superação de uma industrialização de modelo fordista. 

Um dos exemplos que ele cita é como a Amazônia e a região centro-oeste do Brasil poderiam se beneficiar usando a inteligência para explorar de forma mais eficiente a biodiversidade e o solo da região.

“Nós falamos em desenvolvimento sustentável da Amazônia. O que é o desenvolvimento sustentável? Temos que nos abrir à ciência mundial, atrair as equipes científicas de vanguarda no mundo, que são fascinadas pela Amazônia, e, a partir daí, elaborarmos o nosso projeto sobre controle nacional para a mobilização da biodiversidade da região”, diz.

“No centro-oeste o que se verifica é o seguinte: a atividade predominante lá é a pecuária ostensiva e o efeito cumulativo dessa atividade é degradação do solo. O custo da recuperação dessas pastagens é relativamente baixo e já temos domínio de vários processos. Temos que recuperar estas áreas e transformá-las para criarmos um novo paradigma agropecuário com intensificação da pecuária; diversificação de lavouras perenes para que não seja apenas a monocultura da soja; manejo florestal sustentável e sobretudo industrialização progressiva dos produtos agropecuários”, completou. 

Brasil tem instrumentos para fazer salto acontecer

Unger afirmou que o Brasil é um dos poucos países que já possuem instrumentos para realizar esse tipo de capacitação profissional. Para ele, isso precisa acontecer na educação tradicional e na técnica. 

“As instituições poderiam servir nesse projeto produtivista. O Brasil é um dos únicos países no mundo onde o estado nacional conta com muitos instrumentos que seriam úteis para essa qualificação produtiva como a Embrapa, o SEBRAE, o SENAI, o SENAC e os bancos públicos de desenvolvimento. Talvez o único outro país que conta com mais instrumentos fora do caso particular da China seja a Alemanha. O que nós não temos é o projeto”. Ele acredita que Lula possui a intuição da necessidade desses investimentos. 

Investimento ou gasto? 

Sobre o papel do mercado financeiro e do rentismo nesse projeto, o ex-ministro acredita que o novo governo não deve ficar preso a uma visão fiscalista das contas públicas e que um crescimento da produção brasileira está ligado a investimentos. 

“Nós não podemos gastar para subsidiar consumo, mas para apoiar as capacitações e desde que o investimento público tenha lastro produtivo, esse gasto é na verdade investimento”, concluiu.