Um ano após o início da vigência da tarifa branca de energia, é baixa a adesão a esse modelo de cobrança. Embora o sistema proporcione economia na conta de luz, particularmente para consumidores que utilizam energia fora do horário de pico (fim de tarde e início da noite), o número de unidades consumidoras que optaram pela modalidade correspondeu a menos de 1% do potencial para o período. Falta de conhecimento e informação, dificuldade de entendimento e riscos envolvidos estão entre os motivos sugeridos por especialistas para esse fraco desempenho.

No primeiro ano de vigência da tarifa branca, em 2018, apenas consumidores com demanda superior a 500 quilowatts-hora (KWh) poderiam aderir à modalidade, o que corresponde a um total 3,797 milhões de unidades consumidoras, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Desse total, apenas 3.082 consumidores aderiram à tarifa branca até novembro passado, o que corresponde a 0,8% do potencial. Neste ano, mais 9,988 milhões de consumidores passaram a poder optar por esse modelo de cobrança, já que o patamar mínimo de consumo exigido caiu à metade, para acima de 250 Kwh.

A partir do ano que vem, não haverá mais limites mínimos, possibilitando o acesso ao modelo de cobrança a quase 80 milhões de consumidores residenciais, rurais, comerciais, industriais e de serviços públicos atendidos na baixa tensão, exceto iluminação pública e tarifa social.

Modalidade de cobrança não é adequada para todos os consumidores. Só efetivamente se beneficia da tarifa branca quem concentra seu consumo de energia entre a madrugada e as 17 horas. Isso porque, por esse modelo, o usuário paga valores diferentes por KWh dependendo do horário do consumo: na ponta (ou pico), fora da ponta e intermediário. O valor da energia fora da ponta – correspondente à maior parte do dia e todo o fim de semana – chega a ser cerca de 30% mais baixo que o valor da tarifa convencional, a depender da concessionária.

Mas custa até o dobro no horário de ponta – um período de três horas que varia ligeiramente de distribuidora para a distribuidora, mas fica entre as 18h e as 21h na maior parte das empresas. No horário intermediário – correspondente a uma hora anterior e posterior ao horário de ponta – o custo pode ser quase 30% maior.

Conforme levantamento da Aneel, a redução máxima chega a 15% no caso da Enel São Paulo (antiga Eletropaulo); 12% na Light, do Rio; 13% na CEB, de Brasília; e 17% na Celpa, do Pará. A autarquia alerta que essa seria a economia máxima, se nada for consumido na ponta. Mas a diminuição real depende de quanto o consumo pode ser deslocado do horário de ponta e do horário intermediário.

“Com a tarifa branca, o consumidor tem que fazer gestão de custos, conhecer seu histórico de consumo, para saber se vai ser beneficiado. Se o consumidor programar, mas a tendência não se confirmar, em vez do pretendido desconto vai pagar mais”, diz a sócia líder de Power & Utilities da consultoria KPMG no Brasil, Franceli Jodas.

Para ela, a falta de certeza sobre a efetiva economia a ser obtida com a adesão e o risco envolvido com o potencial aumento de custo desestimula a mudança. “O fator econômico pode não ser tão grande para assumir esse risco”, avalia.

Para a executiva, a expectativa com o crescimento da adesão à tarifa branca por conta da redução dos limites mínimos de consumo é pequena, tendo em vista o baixo benefício econômico e a falta de visibilidade, que só muda com a implementação de novas tecnologias, que favorecem a gestão do gasto.

Medidores inteligentes

Atualmente o consumidor não tem informações detalhadas sobre seu perfil diário de consumo. Essas informações somente podem ser obtidas com a instalação de medidores inteligentes, ainda raros nas redes das distribuidoras, que têm desenvolvido planos de investimento de informatização da rede.

As concessionárias, no entanto, são obrigadas a instalar esses equipamentos – sem custo para o consumidor – com a adesão à tarifa branca, já que é necessário para medir o consumo nos três diferentes horários. Com isso, esse detalhamento passa a ser disponibilizado depois da adesão. E, caso se observe um aumento de custo, o consumidor pode voltar à cobrança convencional.

A Confeitaria da Luana, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, fez a opção pela tarifa branca no início de 2018. O estabelecimento tem um perfil muito aderente com o beneficiado pelo modelo, já que concentra seu consumo de energia – em especial os fornos elétricos -, pela manhã. Mas tem também consumo nos horários intermediário (das 16h30 às 17h30 na Enel) e na ponta (das 17h30-20h30), por causa das geladeiras e da refrigeração.

Com 85% do consumo fora da ponta, 8% na ponta e 7% no horário intermediário, a economia da confeitaria é de cerca de 5%. “Achei que seria uma economia um pouco maior”, disse a sócia Julia Zinn, que, de qualquer modo, diz não arrepender de ter feito a mudança. “Para pequenas empresas, qualquer economia faz diferença.”

Assim como a confeitaria, os maiores beneficiados neste primeiro ano de operação da tarifa branca seriam consumidores comerciais e de serviços, que, na média nacional, possuem consumo médio mensal de 599,7 KWh, além de industriais (824,8 KWh/mês) e serviço público (2.988,7 KWh/mês). Além disso, esses tipos de consumidores costumam concentrar operações – e consumo de energia – em horário comercial, portanto praticamente fora do horário de ponta.

Outra razão para a baixa adesão é a fraca divulgação, em especial por parte das distribuidoras. “A divulgação não é tão grande, é mais no meio setorial, a nível de Aneel. Não houve divulgação ampla, geral e irrestrita”, diz o presidente da consultoria Thymos Energia, João Carlos Mello.

Ele aproveitou que sua residência se enquadrava no perfil para adesão no ano passado e fez a mudança. “Entrei para fazer o teste. A economia não tem sido tão grande como esperava – tem sido de 5% a 10%. Tem uma disciplina a ser feita”, conta, acrescentando que o calor deste verão também tem levado ao uso maior de refrigeração no fim da tarde.

O técnico da Proteste Rafael Bomfim também avalia que a falta de informações contribui bastante para a baixa adesão daqueles que já podem aderir. “A falta de informação não se restringe ao comunicado de que existe essa opção, também há falta de orientação de como o consumidor pode avaliar se a adesão vale a pena ou não no seu caso. O consumidor comum não tem conhecimento suficiente para decidir, pois para a maioria a conta de luz ainda é um grande mistério. Neste caso, existe o receio de que a adesão tenha o efeito de aumentar a conta de energia, já que esse é um risco real”, comenta.

Em pesquisa feita pela reportagem nos portais na internet de algumas das principais distribuidoras do País o que se observou foi que não há destaque sobre a possibilidade de adesão à tarifa branca. Em alguns casos nem sequer há informação, ou as informações disponíveis são de difícil acesso, precisam ser buscadas. Procuradas, oito distribuidoras evitaram conceder entrevistas sobre o tema da tarifa branca.

Questionado sobre a baixa adesão, o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Fonseca Leite, citou a dificuldade de entendimento e a comunicação como potenciais motivos que podem ter se refletido no baixo número. Mas, para ele, o tema foi amplamente comentado pela imprensa, quando a tarifa passou a vigorar “Teve cobertura muito grande”, afirmou, acrescentando que os hábitos de consumo também desestimularia a adesão.

Segundo o diretor da Aneel Sandoval Feitosa, diante da baixa adesão, a autarquia deve avaliar a possibilidade de intensificar junto a distribuidoras, Estados e organizações de consumo potenciais ações de comunicação.